sábado, 2 de julho de 2011

Imprensa burguesa x imprensa operária

Por trás do discurso da imparcialidade, a chamada grande imprensa esconde o seu real caráter de classe


Militante vende jornal Opinião Socialista em manifestação
"Deveria recorda-se sempre, sempre, sempre, que o jornal burguês é um instrumento de luta movido por idéias e interesses (...). Tudo o que se publica é constantemente influenciado por uma idéia: servir a classe dominante, o que se traduz sem dúvida num fato: combater a classe trabalhadora.
É preciso dizer e repetir que a moeda atirada distraidamente para a mão do ardina é um projétil oferecido ao jornal burguês que o lançará depois, no momento oportuno, contra a massa operária.

(Antônio Gramisci, O jornal e os Operários)

Jornal Nacional, 2 de junho. Logo no início, a notícia da greve dos trens da região metropolitana de São Paulo. Na reportagem, o drama de milhares de pessoas que ficaram a pé, sem ter como ir ao trabalho, ou obrigadas a enfrentar metrôs ou ônibus lotados. A matéria termina com um suspiro e o olhar reprovador de Fátima Bernardes.

Em seguida, cenas da repressão policial (ou “confronto”) a um protesto de estudantes contra o aumento da passagem de ônibus em Vitória (ES). Fechando o bloco, o telejornal mostra sua visão sobre a greve dos professores estaduais da Bahia. “Setenta mil estudantes das universidades estaduais estão há dois meses sem aula”, afirma com grave tom de voz a âncora global.

Por trás de reportagens supostamente isentas, surge uma mensagem bem clara, ainda que não dita de forma explícita por Fátima Bernardes ou William Bonner: greves só trazem prejuízos ao povo, e mobilização é sinônimo de transtorno público.

O Jornal Nacional é tradicional porta-voz dos interesses do poder, a ponto de o então ditador Médici ter declarado: “cada vez que ligo a televisão no Jornal Nacional, sinto-me feliz, porque no jornal da Globo o mundo está caótico, mas o Brasil está em paz. É como um tranquilizante após um dia de trabalho”.

O telejornal da Globo é um símbolo, mas o exemplo pode ser generalizado para toda a chamada “grande imprensa”. Todo ativista sabe que não existe imprensa livre ou imparcial. Ela sempre tem um lado. E a imprensa lida ou assistida pela maior parte da população, contraditoriamente, não atende aos interesses dessa maioria.


A mídia burguesa e o seu papel

A imprensa é um genuíno produto do capitalismo moderno. Surgiu e se expandiu com a própria burguesia, principalmente após a Revolução Industrial. Mas foi apenas no século 19 que o jornalismo adquiriu sua forma atual, com jornais de tiragem massiva, tornando-se não só um propagador de ideias, mas também um negócio rentável.
Um dos pioneiros da imprensa nos EUA, o empresário William Hearst, inspirador do filme “Cidadão Kane”, tinha um lema: “Ninguém perde dinheiro ao subestimar a inteligência do público”. Expressa dessa forma o início da era dos tablóides sensacionalistas, verdadeiros instrumentos de alienação travestidos de informação.

Numa era em que os regimes despóticos das monarquias foram substituídos pela democracia liberal, tornou-se necessário criar eficazes ferramentas de propaganda ideológica. Foi preciso estender para toda a sociedade o domínio das mentes exercido antes pela velha Igreja Católica entre as comunidades de camponeses. Os meios de comunicação deram a resposta a isso.

Porém, a mídia só iria se tornar um dos principais sustentáculos ideológicos da burguesia no decorrer do século 20, com o avanço dos meios de comunicação de massa. O cinema, o rádio e a televisão foram, nas sociedades industriais, fundamentais para o estabelecimento de um “consenso”, que na verdade expressava a hegemonia da burguesia.

Assim como todos os setores da economia na fase imperialista do capitalismo, as empresas de comunicação também sofreram um violento processo de concentração. Hoje, existem grandes oligopólios com tentáculos em todas as vertentes de mídia. O dono da rede Fox, Rupert Murdoch, um dos homens mais ricos do mundo, é o Hearst moderno. Monopólios tomados agora também pelo capital financeiro, num entrelaçamento de interesses e poder em que já não se pode determinar quando começa um e termina outro.

Atualmente, apenas 20 grandes transnacionais de mídia controlam quase toda a informação produzida no planeta, segundo o professor da UFF (Universidade Federal Fluminense) e estudioso da mídia Denis Moraes.


Monopólio e coronelismo midiático no Brasil

No Brasil, grandes monopólios de mídia dominados por poucas famílias convivem com feudos regionais, verdadeiros coronéis da mídia que se utilizam da imprensa para se perpetuarem no poder. Contam, para isso, com uma das legislações mais permissivas do mundo, que não coloca qualquer barreira à concentração no setor e à propriedade cruzada de veículos de comunicação. Assim, uma mesma família que controla um grande jornal, também pode ter emissoras de rádio e TV e um portal na internet.

Quando a legislação impõe certos limites, por outro lado, é devidamente ignorada. Como na propriedade de emissoras de rádio e televisão por parlamentares. Apesar de proibido, 21% dos senadores e 10% dos deputados federais detêm concessões de rádio ou TV, segundo levantamento do Transparência Brasil. Isso sem falar em políticos que passam o nome dessas concessões para parentes ou laranjas.


O mito da imparcialidade

No capitalismo, a mídia sob controle dos grandes conglomerados passa a visão de mundo da burguesia. Defende os interesses da classe dominante como os interesses de toda a sociedade. Foi assim, por exemplo, durante as privatizações ao longo da década de 90 no Brasil. A imprensa construiu um grande consenso em torno da necessidade da venda das estatais à iniciativa privada. Tornou-se ideia majoritária que o Estado era incompetente e perdulário e deveria ser “enxugado”.

Campanha parecida pode ser observada hoje sobre a reforma da Previdência Social ou a “necessidade” de uma reforma trabalhista que torne o país mais “competitivo”. A imprensa de forma geral não explica como funciona ou é financiada a Previdência pública, apenas se preocupa em alardear seu suposto déficit. A lógica se lê nas entrelinhas: é preciso uma reforma.

Não teria efeito algum, porém, se a imprensa burguesa assumisse de forma explícita a defesa desses interesses. Ao contrário, poderia causar uma reação inversa. É preciso esconder. Para isso foi elaborada uma grande ideologia própria à imprensa: o mito da imparcialidade e da objetividade jornalística. Um conjunto de técnicas desenvolvido para transformar um texto, ou um discurso, em “verdade”. Segundo essa lógica, o jornalista seria um observador neutro com o objetivo apenas de divulgar os fatos tal como os percebe.

A estrutura do texto jornalístico que podemos ler, por exemplo, na Folha de S. Paulo ou em qualquer outro grande jornal, é copiada de um padrão consolidado nos EUA. São matérias impessoais, frias, com a objetividade de um documento de cartório. É o pacote que embala a ideologia burguesa. Não é à toa que o professor Perseu Abramo, editor da Folha no final dos anos 1970, afirmava que um jornal possuía a estrutura de um partido político, com suas teses e manifestos, mas de forma camuflada.


Os trabalhadores e a imprensa

Desde que começaram a se organizar de maneira independente, os trabalhadores viram a importância de terem seus próprios meios de comunicação. Isso significa que a imprensa operária “surgiu com o próprio movimento operário”, na definição de Maria Nazareth Ferreira, pesquisadora do tema.

Ela vai ter, assim, um desenvolvimento específico de acordo com o processo de formação do movimento dos trabalhadores em cada país. No Brasil, os primeiros jornais surgiram já no século 19, com as primeiras fábricas no irregular processo de industrialização do período. É uma imprensa que cresce com o movimento sindical, sob forte influência imigrante, sobretudo italiana, e de orientação anarcossindicalista.

Esse tipo de jornal chegou a ter certa força e influência. Segundo Vitor Giannoti, em 1919, período de grandes greves que agitaram várias capitais, foram criados dois jornais operários diários, “A Plebe”, em São Paulo, e “A Hora Social”, no Recife.

A partir da década de 1920, com a fundação do PCB e seu crescimento no movimento operário, o anarquismo deu lugar à imprensa comunista. Nos anos 1940, de 1946 a 1947, as principais capitais contavam com jornais diários do “partidão”, com o carioca “Tribuna Popular” tendo uma tiragem de 20 mil jornais, comparável ou superior a certos jornais burgueses.

Já no período da ditadura militar instaurada em 1964, a chamada “imprensa alternativa” cumpriu um importante papel num momento em que os jornais dos partidos de esquerda eram clandestinos ou simplesmente não encontravam possibilidades de existir. Jornais como “Movimento”, “Versus” e “Coojornal” funcionavam como verdadeiras “frentes jornalísticas”, abrigando em suas redações jornalistas de distintas tendências políticas. Atuavam, sobretudo, na classe média e no meio estudantil.

No final dos anos 1970, com o início da queda da ditadura e o ascenso operário no ABC, a imprensa alternativa foi substituída por uma série de jornais das organizações que saíam da clandestinidade. Foi o caso da recém-fundada Convergência Socialista. Junto a isso, a imprensa sindical também ganhava novo impulso, com as oposições expulsando os pelegos das entidades.


Uma imprensa de esquerda

Pode-se dizer que a imprensa operária tem as suas próprias características, distintas da imprensa burguesa. Primeiro, se define de forma clara como uma imprensa que tem um lado. Não há disfarces nem ilusão de imparcialidade. Seus jornalistas são produzidos pelo próprio movimento operário. Assim, antes de jornalistas, são ativistas comprometidos com a classe trabalhadora.

O Opinião Socialista, apesar de seus breves 15 anos, se inscreve nessa longa tradição de imprensa operária. Uma tradição, infelizmente, abandonada pela quase totalidade das organizações que um dia reivindicaram a estratégia da revolução socialista, mas que com o passar dos anos se acomodaram com a perspectiva meramente eleitoral.


Retirado do Site do PSTU

Henrique Carneiro: "É o capitalismo que vicia e proíbe as drogas"

Para o professor universitário Henrique Carneiro, só a legalização com estatização da produção e venda pode impedir o uso abusivo de drogas no capitalismo


O pesquisador Henrique Carneiro
Após um café-da-manhã regado a café açucarado e produtos de gordura animal (leite, queijo, requeijão), este jornalista declarou-se curado da noite anterior em que tomara cerveja e fumara tabaco de narguile. Foi necessária uma reflexão sobre todas essas substâncias, consideradas normais, e os problemas enfrentados por quem se utiliza de outras substâncias, as consideradas proibidas, para dar completo sentido às ideias defendidas na entrevista realizada com Henrique Carneiro, professor de História da Universidade de São Paulo. Militante histórico do PSTU e da Convergência Socialista, Henrique é ativista da campanha pela legalização das drogas e, particularmente, pela descriminalização da maconha. Atingido por uma bomba de gás lacrimogêneo na passeata duramente reprimida pela PM de São Paulo do dia 21 de maio, ele explica as razões históricas da perseguição a algumas drogas e a legalização de outras, como as que este jornalista, como tantas outras pessoas, usa cotidianamente.


A proibição e a repressão da Marcha da Maconha foi um capítulo a mais na Guerra contra as Drogas. Como você vê essa guerra no contexto internacional?

A Guerra às Drogas completou 40 anos nessa fase, desde que foi lançada pelo presidente americano Richard Nixon. Torna-se a guerra mais cara, mais longa e com mais prisioneiros da história da humanidade. Ela é um dispositivo muito importante da ordem internacional, consagrado em tratados internacionais, o de 1961, 1962 e 1989 − que deveriam ser revogados, a começar pelo Brasil. É um mecanismo de, em primeiro lugar, controle social das populações pobres, pois permitem à polícia devassar a privacidade dos indivíduos em qualquer circunstância, sob o pretexto de busca de drogas. Em segundo, permite um controle de matérias-primas que são fundamentais na indústria farmacêutica, garantindo a hegemonia dos remédios desta indústria contra o uso de plantas tradicionais. Ainda, garante um mecanismo de aumento da rentabilidade do capital, em um sistema financeiro em grande crise, pois gira, por lavagem de dinheiro, um montante de US$ 400 bilhões, mais da metade de todo o mercado farmacêutico oficial. Esse dinheiro garante, em momentos de crise, a liquidez necessária ao mercado financeiro, como aconteceu em 2008. Só o banco norte-americano Wachovia lavou, reconhecidamente, mais de US$ 400 bilhões do México, mais de um terço do PIB desse país.


O imperialismo, portanto, também se utiliza dos lucros do tráfico?

Sim, de uma forma sistemática. O maior promotor do tráfico no mundo provavelmente foi a própria CIA, pois desde o conflito do Vietnã, onde havia a área de produção de ópio do Triângulo Dourado, até a atual guerra do Afeganistão, uma das questões centrais em jogo é o controle do mercado dos opiáceos e do seu principal derivado, a heroína. Esse mercado permite aferir lucros muito superiores ao mercado normal: tem um custo de produção muito abaixo do preço do produto, por causa da política proibicionista. É ela, portanto, que garante uma rentabilidade extraordinária para os grupos desse mercado. Não são grupos clandestinos, mas os próprios Estados. Alain Labrousse, no livro Geopolítica das Drogas, mostra que todos os conflitos, após a queda do muro de Berlim, foram financiados por caixa-dois do dinheiro do tráfico. Tanto na guerra do Afeganistão, quanto na de Kosovo, as da América Central, na Colômbia, no Peru, México, em todos os países onde houve conflito o dinheiro do narcotráfico foi uma divisa, uma moeda franca.


Além dos já citados, quais outros efeitos sociais são atribuíveis à guerra contra as drogas? Afeta mais a classe trabalhadora ou é igual a outras classes?

É interessante comparar, por exemplo, com o movimento gay. Mesmo que haja um polo conservador na sociedade global e na norte-americana que continue atacando os direitos civis dos homossexuais, não existe uma guerra declarada pelo Pentágono contra os homossexuais, ao contrário: há até a incorporação de homossexuais no exército norte-americano. Por outro lado, há sim uma guerra desencadeada às pessoas que consomem certas drogas ou que as produzem, como os camponeses. A própria expressão é capciosa: a guerra não é contra as drogas, é contra as pessoas que as consomem, os milhões. É uma espécie de guerra social e cultural, que não reconhece o direito de cidadania de uma minoria dos cidadãos que tem um estilo de vida que não diz respeito a ninguém mais além deles mesmos.

Agora, a classe trabalhadora vem sendo um dos alvos mais importantes dessa guerra, porque ela serve também de pretexto para a criminalização mais geral da pobreza. No caso do Rio de Janeiro, por exemplo, onde há conflitos por grupos de traficantes, a gente vê que um dos efeitos nefastos é que o mercado é tomado pelo seu polo varejista. Isto é, os grandes traficantes são setores financeiros que lavam dinheiro, mas os únicos reprimidos são os setores da classe trabalhadora que revendem. A própria legislação do governo Lula, que aparentemente tem um aspecto progressivo ao considerar que o consumidor não deve ser penalizado, envolve outro elemento muito maléfico de aumentar a criminalização do tráfico. Deixa a distinção entre tráfico e consumo ao arbítrio do juiz ou do policial. Então, um cara de classe média pego com cem gramas é um consumidor; um pobre com os mesmos cem gramas é certamente um traficante, na interpretação mais comum dessas autoridades. Aumentou muito o número de presos por tráfico: praticamente 1/5 da população masculina das prisões e metade da feminina são de pequenos traficantes que não são criminosos, do ponto de vista de terem agredido a pessoa humana. São simplesmente consumidores que se articulam para uma compra coletiva ou pequenos abastecedores varejistas do mercado. Essa população, essencialmente pobre, é hoje o setor que mais incha o sistema carcerário brasileiro, e que ao entrar na prisão acaba se tornando vítima de organizações criminosas que a recruta e ampliam assim sua influência.


Quando se fala em drogas, que tipos pode haver quanto ao uso?

Existe uma divisão farmacológica, que a grosso modo é entre excitantes, sedativos e substâncias de promoção do êxtase. Os excitantes são das anfetaminas à cocaína, passando até pelo café. Os sedativos vão dos opiáceos até os benzodiazepínicos (o Rivotril é o melhor exemplo, é o segundo medicamento mais vendido no Brasil), isto é, os tranquilizantes. E finalmente aqueles que são conhecidos como alucinógenos que são substâncias ligadas a cultos religiosos tradicionais, que é também uma das explicações de serem tão perseguidas, apesar de seu risco ser muito baixo: pelo fato do cristianismo ter combatido, historicamente, as práticas de uso de drogas para promoção do êxtase, e continuam perseguindo as tradições religiosas indígenas, africanas e de outros povos.


Mas nessas categorias, há drogas legais e drogas ilegais. Qual é a diferença?

Do ponto de vista da regulamentação, a divisão não obedece a nenhum critério científico. A divisão entre lícitas e ilícitas não se deve a efeitos danosos ou perigos em qualquer sentido. Ao contrário: as duas que mais causam danos à saúde, o álcool e o tabaco, são legalizadas. Tabaco é a maior fonte de morte da civilização contemporânea, segundo os dados oficiais da Organização Mundial da Saúde. Já algumas drogas com baixo potencial de riscos para a saúde e para o comportamento são perseguidas: o caso mais flagrante é o da cannabis (maconha), substância sem nenhuma letalidade. Nunca se morreu por uso de maconha. É uma substância que tem usos positivos, inclusive terapêuticos, muito reconhecidos e aceitos em vários países, mas que continua sendo objeto de demonização.

A grande distinção entre legais e ilegais, portanto, é um critério jurídico-policial, não há nenhum sentido lógico. A única lógica poderia ser o fato de que as ilegais vieram de povos marginalizados: a maconha tem uma importância muito grande no mundo árabe, colonizado pela Europa; entre os mexicanos nos EUA; entre os afrodescendentes no Brasil: sempre veio de povos oprimidos, que a levou a essa estigmatização.


Mas o vício não é uma consequência natural das drogas?

O vício, entendido como consumo compulsivo de qualquer tipo de mercadoria, é um traço de comportamento intrínseco ao capitalismo. O capitalismo promove o vício em todas as mercadorias. Ele cria valores simbólicos em torno de produtos que são romantizados por marcas e torna as pessoas completamente dependentes, seja no uso de roupas, automóveis, de televisão, de fastfoods. Todos esses comportamentos são induzidos para serem exercidos da forma mais compulsiva possível. A publicidade nasce com essa função, e mais: nasce particularmente ligada ao mercado farmacêutico ou de substâncias como tônicos, energéticos e uma série de substâncias que surgiram no final do século XIX para o século XX, dos quais a mais famosa é a Coca-Cola. Com relação às drogas, há um aparente paradoxo: o capitalismo proíbe algumas, que são aquelas de uso tradicional em sociedades periféricas com identidade religiosa estranha ao cristianismo, mas sanciona outras, que no mesmo período histórico passam a ser veiculadas como verdadeiras panaceias e se tornam um dos ramos mais florescentes no mercado mundial. Particularmente a farmacêutica e, mais ainda, a psicofarmacêutica, a dos psicoativos farmacêuticos, que vai desde as anfetaminas, como excitantes, até os benzodiazepínicos como substâncias tranquilizantes, e também os remédios considerados psicoterapêuticos para distúrbios, que vão desde os antidepressivos até os antipsicóticos.


Você defende que só uma política de legalização pode combater o tráfico e o monopólio, por um lado, e o uso abusivo, por outro. Com quais medidas isso seria possível?

Todas essas substâncias, tanto as drogas quanto os alimentos, a gente pode chamar como parte de uma indústria do vício. Nela também entraria o jogo. Esse tipo de prática que tem uma tendência a incitar comportamento compulsivo, já que pelo menos de 10% a 15% da população pode ter vulnerabilidade a ter comportamento compulsivo, ela deve ser completamente excluída da alçada do interesse privado, pois ele sempre vai ter uma determinação de aumentar o consumo o máximo possível. Eu acho que deve haver uma política que garanta o acesso às pessoas que optarem de forma bem informada, mas deve haver uma completa ausência de mecanismos de incitação ao consumo, dos quais os mais importantes são os publicitários. Então deve haver uma estatização da grande produção de todas as drogas, incluindo as farmacêuticas, incluindo álcool e tabaco, para que os lucros fossem utilizados totalmente para fins de interesse público, como inclusive dar apoio com verbas públicas para programas de tratamento daqueles que tiverem consumo compulsivo. No âmbito varejista e no âmbito do microcomércio, da autoprodução, das cooperativas, deverá haver um grande espaço para um mercado de iniciativa individual, mas não de monopólios nem de grandes empresas. Isso tanto para plantadores de maconha quanto produtores de vinho, cachaça de tipo regional, etc., que deveriam até ser estimulados pelo Estado como fazendo parte de uma tradição cultural. Outra coisa é o monopólio da grande produção que, se ficar nas mãos privadas, sempre vai tentar aumentar o consumo. Eu acho que isso ajuda a explicar o argumento da legalização, pois você vai dizer para as pessoas que não vão ser empresas que vão lá tomar o controle da cocaína e tentar ficar drogando pessoas menores de idade ou vulneráveis etc., mas vai ser o Estado, que vai estabelecer critérios extremamente severos (como tem a venda de remédios controlados, por exemplo), vai ter uma fiscalização que impeça usos irresponsáveis, como o uso ao volante, que teria que ser também severamente punido (coisa que no Brasil não é, sequer com o álcool), e teria que haver a total proibição da publicidade.


O ex-presidente FHC também vem realizando uma campanha pela descriminalização. Qual a diferença entre a política levada por esses setores e a dos revolucionários?

O FHC tem defendido a descriminalização mas não tem falado da legalização, o que significa que o consumidor deixa de ser alvo da violência pela repressão policial mas a venda continua coletiva, poderia haver, no máximo, o espaço do autocultivo. Isso não resolve o problema porque continua deixando a produção e a circulação dessa mercadoria numa esfera completamente sombria, de ilegalidade. A legalização, por outro lado, obriga a uma definição sobre qual regime de propriedade que deve reger esse comércio e qual deve ser a destinação dos enormes lucros que ele possibilita. Você poderia dizer: “Bom, mas a gente vai colocar a cocaína na mão de grandes empresas, ou a maconha na mão da Souza Cruz?” Eu acho que seria uma via equivocada. No entanto, ela é defendida por um setor significativo da burguesia mundial, que se deu conta de que a proibição está trazendo uma série de consequências muito perigosas, inclusive de conteúdo sistêmico, quer dizer, do funcionamento adequado do capitalismo. Esse setor é capitaneado por grupos lobistas financiados por George Soros, que estão agora reunidos numa comissão internacional que reúne, além de FHC, figuras como Paul Volcker, ex-presidente do Fed (Tesouro) americano, ou George Schultz, ex-secretário de Estado americano. Isso tudo mostra que há um interesse muito grande em tornar esse mercado clandestino uma commodity de circulação como outra qualquer: pagando impostos pro Estado e dando lucros para grandes empresas, e não mais para um setor de uma burguesia lúmpen [marginal, gângster] ou para o setor financeiro que lava o dinheiro. Nesse sentido, o Brasil teria um imenso potencial econômico com o comércio da cannabis. Esse comércio já é o maior do agronegócio do [estado americano da] Califórnia e do Canadá. Então a discussão que está em curso é quem vai ser o dono desse imenso negócio, em particular da cannabis, que tem, além do psicoativo, uma série de usos industriais crescentes. Então o Brasil está ficando na retaguarda, não só cultural ao não admitir a legalização, mas econômica, fora de uma importante fatia do mercado mundial desse produto que vem alcançado, cada vez mais, o espaço de legalidade.


Retirado do Site do PSTU

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Governo Dilma vai financiar a desnacionalização e o monopólio do comércio varejista no Brasil

BNDES promete R$ 4 bilhões para Abilio Diniz comprar filial brasileira do Carrefour


Abílio Diniz fez campanha para Dilma nas eleições de 2010
Nesse final de junho foi anunciada uma fusão que pode mudar radicalmente o mercado varejista no país. O empresário Abílio Diniz, dono da rede de supermercados Pão de Açúcar, está negociando a fusão com a subsidiária do francês Carrefour, operação que criaria um gigante do ramo, com mais de 30% do mercado nacional.

O que seria mais uma notícia sobre fusões e a consolidação de mais um monopólio no Brasil, porém, se torna ainda mais escandaloso pelo fato de a negociação ser viabilizada através de dinheiro público. O BNDES, intermediado por sua empresa de investimentos, o BNDESPar, vai entrar com cerca de R$ 4 bilhões na transação, que deve custar pouco mais de R$ 5 bilhões.

O BNDES formaria uma espécie de consórcio junto com Diniz e o banco BTG Pactual, a fim de consumar a fusão e garantir o controle do empresário sobre o novo grupo no país, formando o NPA “Novo Pão de Açúcar”. Caso seja concretizado, a nova rede terá nada menos que 2.386 pontos de venda e uma receita de R$ 65 bi por ano. Seria a terceira maior empresa do país, atrás somente da Petrobras e da Vale.

Segundo a imprensa, o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, teria contatado Dilma Roussef, que autorizou pessoalmente a ajuda. O governo tenta justificar a operação afirmando que ela seria “estratégica” para o país, como afirmou o ministro do Desenvolvimento Fernando Pimentel. Em resposta às críticas de que o banco público estaria sendo usado para privilegiar interesses privados, Pimentel culpou o setor financeiro privado que não faria “o papel dele, que é financiar o capital brasileiro”. “Como ele não faz isso, o BNDES tem de atuar”, chegou a dizer.


Abílio Diniz recorreu também ao discurso patriótico para defender a participação do banco público para se cacifar o novo dono da holding. “O BNDES fez um bom negócio. Está evitando que o sistema de abastecimento seja totalmente desnacionalizado. Acho que está fazendo um serviço para o consumidor, para a sociedade, para todos os brasileiros”, disse em entrevista ao Jornal Nacional.


Disputa capital

A incorporação da rede de supermercados franceses pelo Pão de Açúcar, no entanto, promete render ainda algumas batalhas jurídicas e acionárias. Isso porque o grupo francês Casino detêm 43% do atual Pão de Açúcar (ou CBD, Companhia Brasileira de Distribuição) e, pelo acordo firmado com Diniz há cinco anos, deveria tomar o controle da empresa a partir de 2012. O grupo é ainda, na França, concorrente do Carrefour. Caso o acordo seja efetivamente firmado, o Casino permanece minoritário na nova empresa e ainda vira, involuntariamente, acionista do concorrente em sua própria terra.

Nesse dia 29 o Casino divulgou nota afirmando que as negociações entre Diniz e o Carrefour eram ilegais. No mesmo dia o grupo correu para a bolsa e comprou o equivalente a R$ 1,1 bilhão em ações do Pão de Açúcar, a fim de aumentar seu poder de barganha dentro da empresa. Não se sabe, porém, se o grupo está disposto a vetar a fusão ou se está apenas esperneando a fim de garantir condições mais vantajosas nesse processo.


Os players tupiniquins

O investimento do BNDES na compra do Carrefour pelo Pão de Açúcar se insere na declarada política do governo de impulsionar a criação de “vencedores” nacionais, de grandes empresas globais, supostamente brasileiras. É o caso, por exemplo, da compra da Brasil Telecom pela Oi, da fusão da AmBev com a belga Interbrew ou da Perdigão com a Sadia.

Essas fusões, porém, não criam grandes empresas brasileiras que vão explorar o mercado internacional. Resultam em multinacionais, no máximo, geridas por brasileiros, mas controladas por capital estrangeiro. E em defesa desse capital os executivos brasileiros costumam empregar o mais brutal regime de exploração, como são testemunhas os mineiros canadenses da Vale ou os operários da AmBev na Bélgica.

A compra do Carrefour pelo Pão de Açúcar, porém, não deve, como afirma o governo, aumentar a influência do Brasil no mercado internacional, muito menos “levar produtos brasileiros para fora”, como disse o ministro Pimentel. Na intrincada engenharia financeira montada para a operação, o grupo de Diniz absorveria a filial brasileira do Carrefour, mas sendo ainda controlado pelo Carrefour França. Ou seja, vai avançar na desnacionalização do setor.

O que está por trás no despejo de dinheiro público nessa negociata privada é a tentativa do governo, de um lado, impedir a quebra do Carrefour, que acumula prejuízos bilionários na decadência do modelo de hipermercados, e de outro privilegiar um empresário ícone da burguesia brasileira. E um dos principais porta-vozes da campanha eleitoral do PT entre os endinheirados.


Monopólio

Se o financiamento público para a ampliação de um monopólio privado já é escandaloso, a natureza do negócio envolvido piora ainda mais a imoralidade desse desvio de recursos. O BNDES vai financiar a concentração da rede varejista, aprofundando o controle da empresa não só sobre a distribuição, mas de toda a cadeia de produção de uma série de produtos. Vai aumentar a pressão sobre pequenas e médias empresas, principalmente, sobre aqueles pequenos fornecedores que, na prática, atuam como terceirizados das grandes redes.

O pior, no entanto, além das demissões que devem ocorrer após a fusão, é o controle dos preços para os consumidores. Sem concorrência à altura, a megaempresa vai se ver livre para elevar seus preços e ampliar sua margem de lucros. Em uma conjuntura que a inflação corrói o poder de compra dos trabalhadores, sobretudo dos que ganham menos, isso se torna ainda mais dramático.

E é isso o que o governo Dilma prometeu financiar. Coincidência ou não, um dia após o anúncio oficial da negociação para a fusão, o Senado aprovou a Medida Provisória do governo que concede mais R$ 55 bilhões do orçamento da União ao BNDES. Quase o mesmo valor que o governo disse que iria cortar no início do ano, a fim de “equilibrar” suas contas.


Retirado do Site do PSTU

quinta-feira, 30 de junho de 2011

Juventude egípcia volta à Praça Tahir contra o governo do Exército

Cerca de 10 mil manifestantes enfrentam a polícia na praça que virou símbolo da revolução no Egito


Manifestante egípcio enfrenta polícia no centro do Cairo
A Praça Tahrir voltou a ser palco de protestos e repressões policiais nessa terça-feira, dia 28 de junho. Depois de serem barrados de participarem de um evento no teatro central do Cairo, familiares das vítimas da Revolução de 25 de janeiro, junto com manifestantes que protestavam em frente ao Ministério do Interior, entraram em confronto com a polícia, na primeira batalha campal de rua desde a queda do ditador Hosni Mubarak, em 11 de fevereiro.

Os protestos foram ganhando mais adesão a partir da repressão policial, e se encaminharam à Praça Tahrir, chegando a cerca de 10 mil participantes de acordo com relatos. Fecharam as ruas de acesso à praça e foram rumo ao prédio do Ministério do Interior. A polícia, de prontidão, fez de tudo pra proteger o governo dos manifestantes, jogando gás lacrimogêneo e atirando balas de borracha. De acordo com o Ministro da Saúde Hatem Ashraf Shehata, já são mais de 1000 feridos. Uma série de ambulâncias e médicos voluntários ficaram em volta da praça atendendo as vítimas. Relatos no twitter denunciaram a morte de uma adolescente de 14 anos pela polícia.

A explosão dos protestos está vinculada à frustração que permanece no país após a queda do ditador. As condições sociais de vida da população seguem inalteradas, e há uma evidente desconfiança no atual governo das Forças Armadas. Nos protestos se ouviam gritos como “Abaixo o Regime!” e “Abaixo o Marechal de Campo Tantawi!”, líder do governo de transição.

O governo declarou que os manifestantes eram apenas bandidos, e que a juventude não devia segui-los e manchar as conquistas da Revolução. Atualmente, para disputar os rumos do país, dizem defender os feitos dos trabalhadores egípcios e tentam convencê-los que o melhor caminho a seguir é a realização de reformas e das eleições parlamentares. O ‘Movimento 6 de abril’, junto a outras organizações, estão exigindo que seja garantido o julgamento de Mubarak e sua família, dos membros da polícia corrupta e dos assassinos da Revolução, além da garantia de todas as liberdades democráticas. Diziam os manifestantes nos protestos: "enquanto governarem os militares, a justiça não será feita."

Os protestos mostram que a população está mais uma vez perdendo a paciência. Algumas centenas de manifestantes resolveram, após o anoitecer da quarta, 29, trazer suas barracas e voltar ao acampamento da Praça Tahrir, contra o governo de transição, até a queda de Tantawi. Esse é o caminho para seguir a Revolução que se iniciou em 25 de janeiro sem data para acabar.

É preciso ocupar novamente as ruas, mobilizar as categorias de trabalhadores e a juventude para conquistar as melhorias concretas na vida da população. É preciso que de uma vez por todas, o povo que teve a força de derrubar um ditador de 30 anos no poder, coloque em suas próprias mãos o governo do seu país.


Retirado do Site do PSTU

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Congresso da ANEL consolida entidade e prepara campanha em defesa da educação

I Congresso da entidade arma campanha contra o PNE e pelos 10% do PIB para a educação nesse segundo semestre


Vinicius Psoa
Detalhe da plenária da ANEL
Cerca de 1700 estudantes se reuniram entre os dias 23 e 26 de junho em Seropédica (RJ) para o I Congresso da Assembleia Nacional dos Estudantes – Livre, fundada há exatos dois anos. Contrastando com a imagem de alienação e descompromisso que boa parte das pessoas tem da juventude no país, foram 4 dias de intensas discussões políticas sobre os principais problemas dos estudantes e da sociedade em geral.

O congresso contou com a participação de estudantes de 23 estados e importantes entidades como o ANDES e os DCE’s (Diretório Central dos Estudantes) da UFRJ, UFRR, UFRS, UEC, entre outras. Entre os delegados, muitos ativistas LGBT’s, refletindo o destaque dado pela ANEL no último período na luta contra a homofobia. Marcaram presença ainda organizações como o MTL, MTST e o MST, selando a unidade dos estudantes e o movimento popular.

Os bombeiros do Rio de Janeiro também enviaram um representante para saudar o evento. O cabo Benevuto Daciolo, principal dirigente da greve dos bombeiros na cidade, agradeceu a solidariedade ativa prestada pela ANEL na campanha pela libertação dos grevistas presos e durante toda a mobilização da categoria.

O principal saldo do Congresso, porém, é a consolidação de uma entidade nacional dos estudantes, independente dos governos e construída pela base. “Os estudantes que saíram daqui voltaram para casa animados e com a certeza da necessidade de consolidar essa entidade de luta para a juventude brasileira, que seja ao mesmo tempo combativa e realmente democrática”, avalia Clara Saraiva, da Comissão Executiva da entidade.


Contra o PNE e pelos 10% para a educação

O congresso teve mais de 10 mesas temáticas que discutiram assuntos que vão do transporte público à questão ambienta. Os dois eixos principais do congresso, porém, foram a luta contra o novo Plano Nacional de Educação do governo e a reivindicação de que 10% do PIB sejam investidos na educação.

Os delegados aprovaram uma ampla campanha pelos 10% do PIB, com a realização inclusive de um plebiscito sobre o tema, ideia que foi encampada pelo MST. A resolução chama inclusive a própria UNE para participar da campanha.

A campanha seria o principal foco da entidade nesse segundo semestre. No dia 15, uma reunião nacional envolvendo o Andes, a CSP-Conlutas e diversas entidades da educação começou a preparação da campanha e a convocação do plebiscito. A professora Amanda Gurgel, que esteve na reunião, participou de uma das mesas do congresso e defendeu os 10% do PIB já. "O relator do Plano Nacional de Educação chegou a perguntar de onde tirar o dinheiro para aumentar o percentual da educação. É só olhar para onde vai o dinheiro. HOje o governo gasta mais em renúncia fiscal do que em Educação e saúde juntas", criticou a professora do Rio Grande do Norte.




Internacionalismo

Um dos pontos altos do Congresso ainda foi a participação das delegações internacionais, que trouxeram suas experiências de luta nos outros países. Esteve presente um estudante da Espanha que atuou no movimento 15-M e esteve na praça Puerta del Sol, em Madri. Estiveram presentes ainda um estudante suíço que falou sobre as recentes mobilizações na Europa, um ativista palestino e a jornalista Soraya Misleh, do Comitê de Solidariedade à Palestina, que esteve recentemente na região e permaneceu horas detida por forças israelenses.


Autonomia e independência

Além de firmar a ANEL como entidade alternativa de luta aos estudantes, o congresso ajudou ainda a combater estigmas e ideias lançados por setores que se mantém presos ao governo Federal. Os principais deles: que a entidade seria “sectária” ou mero “braço estudantil” do PSTU. “Depois desse Congresso vimos que não era nada disso”, diziam muitos estudantes independentes ao final do encontro.

“Não sou capacho do governo federal, sou estudante livre da assembléia nacional”, foi a palavra de ordem que marcou esse congresso que pode ser um marco para a historia do movimento estudantil brasileiro.


Retirado do Site do PSTU

Parada do Orgulho LGBT: a necessidade da politização

Aumenta a pressão pela politização da maior manifestação pelos direitos LGBT’s do mundo. Houve avanços, mas é preciso mais


Fotos Diego Cruz
Coluna do PSTU na Parada
A edição 2011 da Parada do Orgulho LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e travestis e transexuais) de São Paulo contou, no domingo, 26 de junho, com a participação de uma multidão calculada em 3 milhões de pessoas, apesar da incessante chuva que caiu sobre a capital paulista desde a manhã e se intensificou no início da tarde.

Convocada pela Associação da Parada sob um lema de gosto e conteúdo questionáveis – “Amai-vos uns aos outros: basta de homofobia” – o evento tinha como de seus principais objetivos, segundo a ONG que o organiza, “pedir uma trégua aos setores religiosos contra iniciativas que garante os direitos para a comunidade LGBT”, particularmente a aprovação da PLC 122, que criminaliza a homofobia e vem sendo bloqueada pela chamada bancada evangélica no Congresso.

Como criticamos há anos, mais uma vez, em função do formato e da política adotados pela Associação, a Parada foi marcada por um tom excessivamente “carnavalesco”, que muito destoa das origens do movimento, que tem em suas raízes a Rebelião de Stonewall, ocorrida em 28 de junho de 1969, em Nova York.

O problema está longe de ser o tom festivo do evento, já que gays, lésbicas, bissexuais e travestis e transexuais têm, sim, o direito não só de se divertir mas, acima de tudo, de se expressar de acordo com seus padrões de cultura e comportamento.

O que sempre criticamos, e continuaremos fazendo, é o fato de que o evento seja organizado em função dos gigantescos “trio-elétricos” colocados na rua por boates e empresas que lucram com o “pink money”. Uma opção que, ao lado das alianças políticas (com a prefeitura, os governos estadual e federal), contribui em muito para a despolitização do evento, na medida em que praticamente inviabiliza manifestações e protestos.

Uma crítica que, felizmente, começa a ser compartilhada cada vez por mais gente, o que, talvez, tenha sido a “grande” novidade da Parada deste ano.


“Uma luta que se faz nas ruas”

Um “detalhe” para o qual os organizadores do evento não fizeram muita questão de chamar atenção é o fato de que o “bloqueio” imposto pela bancada evangélica foi vergonhosa e escandalosamente negociado pela presidente Dilma, em troca de votos na tentativa de salvar o pescoço corrupto de Palocci.

Um fato que foi lembrado por José Maria de Almeida, que falou em nome da CSP-Conlutas no principal carro de som, na abertura da Parada: “As negociatas de Dilma, a postura reacionária de gente como Bolsonaro e amplos setores do congresso demonstram que não podemos confiar neste caminho para a conquista dos direitos que os homossexuais precisam e merecem. A luta contra a homofobia, que vitima cada vez mais jovens nas ruas de São Paulo, também não depende de quem está em cima destes carros de som. Esta é uma luta que se faz nas ruas”.



Cabe lembrar que o mesmo Zé Maria foi um dos companheiros que foi agredido e detido (juntamente com outros militantes da central e do PSTU) na edição 2008 da Parada, quando, por iniciativa da Associação, a polícia foi convocada para retirar o carro de som que havia sido organizado pela entidade.

Este ano, contudo, o presidente da Associação, Ideraldo Beltrame, esteve na sede da CSP-Conlutas para convidar a entidade para o evento. Uma mudança de postura que reflete, em primeiro lugar, o justo reconhecimento da atuação da entidade, através de seu setorial LGBT, nas muitas manifestações que foram organizadas nos últimos meses contra os ataques homofóbicos.

Mas, também, só pode ser explicada pela crescente pressão por mudanças no “tom” e formato da Parada de São Paulo. Algo ressaltado até mesmo por um vídeo da TV UOL, intitulado “Homossexuais criticam tom "carnavalesco" da Parada Gay”, que circulou amplamente pela Internet.

Foi esse mesmo questionamento que levou o grupo Anti-Homofobia, que se organizou através do Facebook, não só a promover diversas manifestações desde o final de 2010, como também a participar da organização, nesta Parada, de um “bloco”, com o objetivo de conquistar um espaço para manifestação política e para o protesto no interior da Parada.

Um objetivo que, segundo Felipe Oliva, do “Anti-homofobia” foi plenamente atingido: “Apesar de ‘pequena’ no meio deste mar de gente, nossa participação é importante. Conseguimos, através de nossas falas, não só levar o debate político para os milhares que estavam ao nosso redor, atingindo inclusive um público que não tem acesso às redes sociais na internet”.

Os militantes da CSP-Conlutas e do PSTU, por compartilharem deste mesmo objetivo, se localizaram durante a Parada junto ao carro de som organizado pelo “bloco” e o companheiro Guilherme Rodrigues, militante do PSTU e, lamentavelmente, vítima de uma das muitas agressões homofóbicas que pipocaram em São Paulo, no início do ano, foi convidado a falar no carro-de-som.

Falando também em nome do setorial LGBT da CSP-Conlutas, Guilherme lembrou: “Hoje é dia de festa, porque a gente tem orgulho de ser o que é. Mas, também, é dia de luta, porque não podemos esquecer de todos aqueles e aquelas que foram assassinados, que sofreram ou foram humilhados, exatamente porque somos o que somos. Mas, acima de tudo, é dia de luta. É dia de resgatar o espírito de Stonewall e de lembrar que a luta contra a homofobia não pode servir contra moeda de troca para salvar políticos safados, nem pode ser pisoteada por fascistas e reacionários. Por isso, estamos para celebrar o pouco que conquistamos, mas, acima de tudo, para demonstrar nossa disposição de seguir lutando até que tenhamos todos os direitos que precisamos e merecemos”.


Irreverência contra o governo e os reacionários

Babi Borges, da Secretaria LGBT do PSTU, destacou a importância de estar na Parada e de utilizar esta espaço para denunciar o governo e organizar aqueles que estão dispostos a dar um combate sem tréguas contra a homofobia.

Essa disposição por parte de amplos setores que ocupavam a Paulista ficou evidente pela enorme simpatia demonstrada pelos participantes que passavam pelo ponto de concentração onde estavam os militantes do PSTU e da CSP-Conlutas e paravam para tirar fotos ao lado dos dois enormes bonecos levados pelos companheiros do Sindicato dos Servidores Federais (Sindesefe).

Não foram poucos os que queriam levar como lembrança da Parada uma imagem ao lado de um “Bolsonaro” com a boca tapada por uma bandeira do “arco-íris” e de uma “Dilma”, anunciando sua negociata com a bancada evangélica. Como também muitos se interessaram pelo panfleto e adesivos da CSP-Conlutas, e pararam para conversar sobre a necessidade de nos organizarmos para lutar.

Ainda na linha da irreverência, é certo que uma iniciativa da Associação da Parada vai dar muito o que falar nos próximos dias. Como forma de “ilustrar” o tema escolhido para o evento, foram colocados, ao longo de toda Avenida Paulista, enormes “banners” com imagens sensuais de homens semi-nus, que lembravam santos católicos, cercados por um slogan: “Nem santo te protege. Use camisinha”.

A provocativa resposta às muitas declarações homofóbicas dos setores religiosos (evangélicos e católicos) já provocou reações da cúpula da Igreja.


Guilherme no carro de som da Parada

Irreverência à parte, a Parada 2011 em São Paulo, ao mesmo tempo em que demonstrou que está aqui para ficar, também deu importante sinais de que é preciso uma mudança de rumo, não só em relação ao seu formato. Como lembrou Guilherme, no final de sua fala, “hoje, é apenas um dia para celebrarmos e mostrarmos ao mundo que temos orgulho de sermos gays, lésbicas, bissexuais ou transgêneros; mas nos demais 364 dias do anos precisamos continuar lutando para que o mundo reconheça este nosso direito”.


Retirado do Site do PSTU