Polêmica sobre cota racial invade as passarelas da São Paulo Fashion Week
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| | Protesto organizado pela Educafro |
No dia 14 de junho dois episódios distintos ocorridos no maior evento de moda do país, o São Paulo Fashion Week, levantaram o debate sobre o racismo que se expressa de forma gritante nas passarelas de todo mundo, mas principalmente no Brasil.
Primeiro, um desfile com inéditos 30% de modelos negros apresentando uma mesma coleção, causou furor (ou frisson, como se diz no “mudinho fashion”) entre os presentes e a mídia (inclusive mundial). Enquanto isto, no mesmo momento, algumas dezenas de militantes negros, a maioria da Educafro, realizavam um protesto denunciando exatamente o racismo que impera nas passarelas.
Algo evidenciado até mesmo pela “novidade” do desfile da Osklen, a grife que utilizou uma percentagem de negros que, diga-se de passagem, está longe de representar o fato, agora “legitimado” pelo Censo, de que negros e negras (incluídos aí os que se autodenominam “pardos”) formam a maioria da população do país.
Uma “novidade”, inclusive, que nem deveria ser tratada desta forma, já que, exatamente em função das constantes manifestações do movimento negro, desde a edição de 2009, o São Paulo Fashion Week (SPFW) existe um chamado “Termo de Ajustamento de Conduta”, no regimento do evento, que exige que, no mínimo, 10% dos modelos, de cada uma das marcas, sejam negros.
Algo que, como tudo mais que diz respeito às poucas leis e normas que foram conquistadas para minimizar os efeitos do racismo, foi descaradamente desrespeitado pelas empresas que se encontram por trás dos desfiles.
Políticas afirmativas nas passarelas
Até mesmo a grife que levantou a poeira sobre debate racial o fez sem muita “intenção”. O diretor criativo da grife, Oskar Metsavaht, fez questão de ressaltar que o desfile não era, de forma alguma, “panfletário e muito menos de protesto" e que só fez o que fez pelos motivos que imperam no mundo da moda: um tanto de futilidade e os olhos sempre voltados para o mercado.
Apesar de se dizer favorável às cotas, como uma forma de se “trabalhar pela inclusão e pelo fim da discriminação”, Metsavaht, declarou ao jornal “O Estado de S. Paulo” (15/6/2011), que montou o desfile somente pensando no fato de que este é o Ano Internacional da Afrodescendência no Mundo e "queria só modelos negros por questão estética. Ficaria lindo na passarela".
O Termo, que foi imposto em 2009, depois muita polêmica, determinava que, se estilistas não levassem ao menos 10% de negros aos desfiles, a organização do SPFW pagaria multa de R$ 250 mil. Uma resolução que só que só foi tomada depois de que um inquérito por racismo, contra a organização do evento, foi instaurado pelo grupo de inclusão do Ministério Público, depois de constatar que a porcentagem de negros nas passarelas, em 2008, era de exatos 2,3%.
O protesto organizado pela Educafro exigia não só a manutenção da regra, como sua ampliação para 20%. Já o empresário e organizador do evento, Paulo Borges, se “justificou” dizendo que, apesar de defender a regra, não pode impô-la, já que são as marcas que escolhem seus modelos. E estas, por suas vezes, jogam a “batata” para as agências, alegando que são elas que não possuem negros em seus catálogos.
E todos fingem que não sabem que, para achar negros, basta olhar para qualquer canto, já que somos maioria.
Uma luta justa, não só pelo “mercado”
O dirigente da Educafro, Frei David Santos, declarou que o principal propósito do protesto era “abrir mercado a brasileiros afrodescendentes”. Motivo justíssimo, já que o racismo deve ser banido de todo e qualquer nível da sociedade ou posto de trabalho. Contudo, “vagas no mercado” está longe de ser o principal motor, ou mesmo objetivo, desta luta.
Apesar de estarmos falando de um setor tão elitizado como o mundo da moda, esta também é uma luta que só pode ser encarada numa perspectiva de “raça e classe”, pois é isto que se encontra na raiz desta questão.
A verdade é que a íntima e profunda relação entre opressão racial e exploração capitalista fica sempre mais evidente nos “extremos” da sociedade. Ou seja, enquanto negros e negras formam a enorme maioria nos índices e locais marcados pela pobreza (analfabetismo, violência, desemprego, moradia precária, etc, etc); brancos são quase totalidade nos confortáveis recantos reservados à riqueza e caracterizados pelas boas condições de vida.
Exatamente por isso, o mundo da moda, desde sempre, é um espaço reservado pra elite. E, conseqüentemente, para os brancos. E não porque isto deveria ser “obrigatoriamente” assim, pois, ao contrário do que se pensa, “moda” não é uma exclusividade da elite.
Muito pelo contrário. Em termos estritamente sociológicos, “moda” é tudo aquilo que se refere aos padrões culturais, modos de vida e comportamento (dentre os quais, o vestuário é apenas um dos itens) de uma sociedade.
Assim, também é “moda” aquilo que enfeita os sempre criativos penteados das negras baianas, reveste de rendas, fuxicos e bordados os corpos nordestinos ou é reaproveitado e recriado, a partir de retalhos, por milhões de mulheres no interior dos barracos e casebres Brasil afora.
O fato do próprio conceito de moda estar intimamente associado à elite é reflexo de uma verdade absoluta que se impõe sobre todos os aspectos do mundo em que vivemos: numa sociedade de classes, até mesmo os padrões de vida, beleza e comportamento são apropriados pela classe dominante, que vende a falsa idéia de que seus “gostos” e “preferências” são os mais “corretos” e devem servir de padrão para toda a sociedade.
Por isso mesmo, não é uma “surpresa” que a brasileira que é vendida como “modelo superior” (top model) para todo o mundo seja a loiríssima Gisele Buchuen, enquanto ver um negro ou negra desfilando em qualquer uma das centenas de “fashion weeks” mundo afora é tão raro quanto achar uma agulha num palheiro.
E, pela mesma razão, a única forma para fazer com que as passarelas e, antes disto, e mais importante, os padrões de beleza, cultura e comportamento reflitam a realidade do país, é lutando contra o sistema que mantém desta forma.
Uma luta na qual a imposição de políticas afirmativas, como cotas para modelos, é um importante instrumento, mas não nosso objetivo final, algo que só pode ser obtido com a destruição do sistema que nos oprime e nos explora.
Retirado do Site do PSTU