sábado, 18 de agosto de 2012

O apartheid ainda não acabou na África do Sul

Polícia da África do Sul abriu fogo contra mineiros em greve na mina de platina Marikana, no noroeste do país.


Segundo o sindicato, pelo menos 36 mineiros morreram no massacre.
Onde está a democracia racial e social quando polícias matam trabalhadores que estão a exercer o seu legítimo direito de fazer greve para reivindicar melhores salários? Toda a solidariedade aos grevistas da mina Marikana! Prisão e julgamento sumário dos assassinos e seus superiores!

Quem viu as imagens do massacre perpetrado no dia 16 de agosto pela polícia sul-africana contra mineiros em greve percebeu claramente a cor desses trabalhadores: eram todos negros. Não é coincidência: são os negros, a grande maioria da população, que compõem a classe trabalhadora na África do Sul, principalmente os setores mais explorados, como os que trabalham em minas.

A violência policial, por sua vez, demonstrou a forma como os trabalhadores negros são tratados. Apesar da grande vitória conquistada com o fim do apartheid, na década de 90 do século passado, esse de facto não acabou. A sociedade sul-africana é ainda profundamente racista e dividida entre brancos – a minoria privilegiada – e negros – a maioria explorada, com apenas uma minoria negra com acesso a melhores condições de vida. Dessa minoria faz parte a elite que está no poder.

A proprietária da mina é a Lonmin, uma multinacional inglesa e a terceira maior produtora de platina do mundo. Como quer manter o nível de exploração dos seus empregados, disse que a greve é ilegal e ameaçou com demissão os que não voltarem a trabalhar. Essa é a democracia dos patrões.

Mas com a determinação e a coragem tradicionais, os mineiros continuaram a luta, apesar da traição do Sindicato Nacional de Mineiros da África do Sul (NUM, em inglês), que, além de não organizar o movimento, ainda se presta a fazer o trabalho sujo de acusar os trabalhadores de impedirem os fura-greve de entrar na mina. Como se isso não fosse um direito dos grevistas!



Um mineiro disse aos jornalistas, numa entrevista reproduzida pelo jornal Público: “Somos explorados, nem o governo nem os sindicatos nos ajudam; as empresas mineiras fazem dinheiro à custa do nosso trabalho e não nos pagam quase nada”.

Por isso, é muito hipócrita da parte do presidente sul-africano, Jacob Zuma, dizer-se chocado com o que aconteceu. Ele não sabia da greve e da repressão que já começaram há vários dias? Ele não conhece os métodos violentos da polícia sul-africana, muito provavelmente estimulados por uma empresa inglesa herdeira do apartheid? O que Jacob Zuma tem de fazer é decretar a imediata prisão e julgamento dos culpados; abrir um inquérito para apurar todas as responsabilidades, inclusive da empresa mineradora, no massacre; indemnizar os trabalhadores reprimidos e feridos pela polícia e as famílias dos que morreram; tem de intervir também no conflito para obrigar a mineradora a atender às reivindicações dos mineiros.

Mas tem mais: se a situação na mina de Marikana chegou a este ponto é porque a Lonmin não está à altura da responsabilidade social que tem. A mineração é uma das atividades mais rentáveis e que mais emprega trabalhadores na África do Sul, e deve por isso pertencer ao Estado e não a uma multinacional que só quer obter altas taxas de lucros, mesmo que às custas da vida dos trabalhadores. Nacionalização de Marikana para que não haja mais vítimas a lamentar.

Mineiros de Marikana tombados na luta, presente!


Retirado do Site do PSTU

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Dilma lança megapacote de privatizações

PSDB parabeniza o governo, enquanto Eike Batista comemora o "kit felicidade”


Agência Brasil
Dilma Rousseff anuncia Programa de Concessões de Rodovias, Ferrovias e Trem de Alta Velocidade
Reunidos com empresários e políticos, a presidente Dilma Rousseff anunciou, no último dia 15, um plano de privatizações no qual repassará ao setor privado concessões para a exploração de rodovias e ferrovias. Com o chamado Programa de Investimento em Logística, o governo espera viabilizar investimentos de R$ 133 bilhões ao longo dos próximos 30 anos.

Entre os objetivos dos programas anunciados se incluem a construção de 7.500 quilômetros de rodovias e 10 mil de ferrovias. Elas seriam construídas por meio das Parcerias Público-Privadas (PPP’s) e administradas pelo capital privado. Para quem não se lembra, as PPP’s são uma modalidade na qual os investidores entram com parte do capital para a expansão dos projetos, tem a administração dos mesmos cobrando tarifas (pedágios, taxas etc.), e ainda a salvaguarda do Estado para eventuais perdas e prejuízos. A modalidade virou coqueluche do governo Lula e até do PSDB em São Paulo, como é o caso da linha amarela do metrô.

No caso das rodovias, as empresas privadas só poderão cobrar pedágio após a construção de pelo menos 10% de cada trecho contratado, ou seja, o pedágio será cobrado mesmo que ainda falte 90% das obras. Segundo o governo, o monopólio sobre os 10 mil de quilômetros de ferrovias ficaria aberto a todos os interessados no transporte de cargas. Apenas 28 mil quilômetros de ferrovias restaram após a “privataria tucana”. Em todas elas vigora o monopólio das empresas concessionárias.

O governo diz que deseja mudar essa situação, porém, não explicou como irá mudar as antigas regras de concessões. Por outro lado, já existe uma gritaria por parte dos empresários, preocupados com a “instabilidade” gerada pelas “quebras de contrato”. O fato é que há todo um setor da burguesia interessado em mudar as regras, pois a exclusividade do uso das ferrovias por um punhado de empresas privadas se tornou um obstáculo para os lucros do agronegócio e do setor minerário, os maiores beneficiados pelo pacote de Dilma, além do setor da construção civil.

Também há dúvidas sobre a existência de capital disponível no país e no exterior para bancar as PPP’s, sobretudo, devido ao cenário de crise mundial. Segundo o jornal Valor Econômico, que comparou o pacote de Dilma a outros projetos de privatização, a taxa de lucro no investimento proporcionada pelo pacote é a menor da história, na casa de 6%. O governo, por sua vez, responde que não faltará dinheiro ao Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES) e que não descarta aportes do Tesouro Nacional.

O modo petista de privatizar
Logo após o anúncio, muitos empresários comemoraram a decisão do governo. “É um kit felicidade pro Brasil”, exaltou um efusivo Eike Batista. Até a oposição comemorou: “Lamentamos o atraso dessas iniciativas (...) Porém, reconhecemos que esta mudança de rumo adotada pelo governo significa avanços para o país", parabenizou em nota o PSDB. Já a grande imprensa e os jornalões destacavam com alegria “as privatizações de Dilma”.

Durante o lançamento, porém, Dilma tentou explicar que as medidas não poderiam ser comparadas a privatização. "Não estamos nos desfazendo de patrimônio público para acumular caixa. Estamos fazendo parceria com o setor privado para beneficiar a população, para saldar uma dívida de décadas e um atraso nos investimentos ", disse.

Naturalmente, seria ingenuidade esperar que o governo petista reconhecesse o caráter privatista das medidas anunciadas nesta quarta-feira. Afinal, as duas últimas eleições presidências foram ganhas pelo PT a partir da denúncia das privatizações realizadas pelo governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC). A campanha de Dilma foi emblemática deste discurso.

Dizer que foram “concessões” ao capital privado não passa de uma ladainha para tentar aclamar os ânimos da base petistas. Na prática, Dilma utiliza os mesmos argumentos desfilados pelo governo FHC para privatizar as estatais. Ou seja, de que o setor público seria sinônimo de ineficiência e incompetência, ao contrário da iniciativa privada. Mais ainda: realiza as PPP’s para sim fazer caixa, retirando uma boa parte do dinheiro público do orçamento destinados aos investimentos de infraestrutura para o pagamento dos juros da dívida pública. De acordo com as contas da Auditoria Cidadã da Dívida, em 2012, até o dia 2 de agosto, a dívida consumiu R$ 566 bilhões, ou seja, 52% do gasto federal.

E foi para pagar a dívida que o governo quase não investiu em rodovias. Dos R$ 13,661 bilhões autorizados para investimento em rodovias, em 2012, apenas R$ 2,543 bilhões (18,6%) foram gastos até maio. A situação é ainda mais crítica quando se verifica que apenas 7% desse desembolso (R$ 197,4 milhões) diz respeito a despesas do orçamento deste ano. No setor ferroviário a mesma coisa. Dos R$ 2,77 bilhões para injetar na infraestrutura dos trilhos, apenas 8% (R$ 239,7 milhões) do valor foi usado.

Assim como no caso da privatização dos aeroportos brasileiros, não restam dúvidas de que a as “concessões” de Dilma não passam da velha e conhecida “privataria”.


Retirado do Site do PSTU

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

6 anos da Lei Maria da Penha: uma reflexão a fazer

A falta de investimentos é, sem dúvida, o principal obstáculo para a aplicação da Lei.


A violência contra as mulheres, longe de diminuir, nesses anos, vem aumentando sistematicamente.
Há exatos 6 anos, após intensa e prolongada batalha levada por organizações de mulheres no país inteiro e que envolveu ainda organismos regionais, nacionais e internacionais, como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, foi promulgada no Brasil a Lei 11.306/2006, mais conhecida como Lei Maria da Penha e considerada pela ONU uma das três melhores legislações do mundo nessa área, junto com Lei da Violência Doméstica na Mongólia (2004) e a Lei de Proteção contra a Violência na Espanha (2004).

Entretanto, muito embora seja reconhecida como uma importantíssima conquista dos movimentos de mulheres e um avanço sem precedentes na legislação brasileira, as inúmeras falhas em sua implementação, infelizmente fazem da Lei Maria da Penha uma medida limitada e ineficaz no combate à violência contra as mulheres. Não é pra menos, a lei pura e simples não resolve o problema da violência, ao contrário, vira letra morta se não for acompanhada de políticas públicas que garantam sua aplicabilidade.

No caso brasileiro, falta de estrutura para o atendimento às vitimas¹ , através de delegacias especializadas, centros de referência e casas abrigo com pessoal capacitado, a falta de juizados e varas especializadas com defensores públicos à disposição das vítimas e a demora do julgamento dos casos de violência e aplicação em tempo hábil de medidas protetivas que garantem em muitos casos a vida das mulheres, caminham lado a lado com a ideologia machista, reproduzida em nossa sociedade e que encara as mulheres, entre outras coisas, como propriedade do homem. O resultado: a violência contra as mulheres, longe de diminuir, nesses anos, vem aumentando sistematicamente.

Somente em São Paulo, por exemplo, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado, foram registrados no primeiro trimestre do ano 17,9 mil casos de agressão contra mulheres. Além de 163 casos de estupros, uma média de 1,8 por dia. Por outro lado, o percentual de mulheres entre as vítimas de assassinato também cresceu, em 2000 as mulheres representavam 7% do total de vítimas, em 2010, 16%.

Já no Rio de Janeiro, os casos de estupro aumentaram 88% nos últimos 11 anos. Somente nos dois primeiros meses de 2012 foram registrados 962 casos de estupro no Estado, uma média de 16 casos a cada 24 horas. Em março, a quantidade aumentou ainda mais, totalizando 545 casos no mês, média de 18 registros por dia. O número de ameaças contra mulheres também cresceu 6,2%.

A falta de investimentos é, sem dúvida, o principal obstáculo para a aplicação da Lei. Sabe-se que a destinação efetiva de recursos é crucial para o combate à violência contra as mulheres, ainda assim entre 2007 e 2011 apenas R$ 132 milhões foram investidos nessa área. O próprio Governo Federal admite ser pouco e o pior é que o valor vem caindo desde 2009, quando foram destinados R$ 48 milhões, Segundo dados do CFEMEA , em 2010, caiu para R$ 17 milhões e de 2009 a 2011 sofreu uma redução de praticamente 50%. O pior é constatar que é o governo da primeira mulher presidente do país, e que despertou a expectativas de amplas camadas de mulheres que a elegeram ou que veem nela a possibilidade de uma vida livre da violência, é a responsável pelos maiores cortes.

Não há o que comemorar nesses 6 anos de Lei Maria da Penha, há muito o que fazer ainda para que essa conquista seja de fato garantida. O movimento de mulheres tem pela frente um importante desafio, seguir organizando as mulheres na luta pela exigência de uma verdadeira política de combate à violência, e que não se restrinja a leis apenas, mas a ações integrais que permitam a redução das desigualdades e o acesso das mulheres a melhores condições de vida, através de saúde e educação de qualidade, de creches para seus filhos e direito ao aborto, a emprego e renda, com salário igual para trabalho igual, moradia, transporte, lazer, segurança, etc. Tudo isso no marco de uma luta muito maior, por uma sociedade diferente, uma sociedade socialista.

Queremos a Lei Maria da Penha e muito mais!


¹segundo levantamento realizado pelo ILAESE com base em informações da Secretaria de Política para as Mulheres disponíveis neste link menos de 10% dos municípios brasileiros possui delegacias especializadas no atendimento à mulher e menos de 1% conta com casas abrigo

²Prioridade para as políticas para as mulheres (em PDF)


Retirado do Site do PSTU

A luta contra a ditadura e a luta de classes

Temos o direito de saber quem foram os grandes patrocinadoras da repressão


Boilense, então presidente da Ultragaz, patrocinou a Oban
Uma série de historiadores brasileiros busca colocar a luta contra a ditadura simplesmente como a luta de todo o povo brasileiro contra um regime autoritário onde se buscava a construção de uma sociedade democrática. O que é verdade.

No entanto, parte da verdade. Não se pode subestimar o fato de que o Golpe Cívico-Militar de 31 de março de 1964 teve como seu principal objetivo atacar as organizações da classe operária, que ganhavam cada vez mais força e organização.

Embora tenha tomado a forma de uma operação militar, como todo golpe, comandada por oficiais das altas patentes das Forças Armadas, o movimento foi orquestrado por setores da burguesia nacional e do imperialismo norte-americano.

Seu objetivo central era derrotar a classe operária e pavimentar o caminho para o projeto de “modernização econômica do Brasil”, que depois veio a se chamar “milagre econômico”. Condição necessária para criar condições para a maior exploração da classe trabalhadora.

O terror burguês na forma de uma ditadura era imprescindível para impor uma politica de concentração de renda e de entrega da economia nacional ao imperialismo. Por isso estiveram diretamente envolvidos na conspiração, iniciada no governo do John Kennedy e implementada por Lindoln Johnson, o embaixador Lincoln Gordon e o general Walters, articulados com a CIA e o Departamento de Estado norte-americano.

Chegaram inclusive a organizar a “Operação Brother Sam”, com o deslocamento de tropas militares imperialistas para a costa brasileira, para o caso de haver alguma resistência ao golpe.

No entanto, não houve praticamente resistência, de um lado por que João Goulart colocou a garantia da ordem burguesa acima de suas aspirações pessoais. E do outro o PCB, o maior partido operário na época, que vinha sistematicamente capitulando ao governo, apoiando as reformas de base, não somente ficou prostrado, mas foi contra qualquer reação. Prestes se manifestou claramente contra a greve geral chamada pela CGT, pois “daria margem a provocações e seria desnecessária, pois o governo tinha força militar para sufocar o levante”. (1)

Já o empresariado imperialista se organizava no complexo político e financeiro IPES/IBAD, onde pensavam e patrocinavam o golpe (2). Um de seus principais “cérebros” era o general Golbery de Couto e Silva. Financiavam campanhas parlamentares com dinheiro que vinha diretamente dos bancos Royal Bank of Canada, Bank of Boston e First National City Bank. E de empresas multinacionais como a: Ford, GM, Coca-cola e I.T.T. Formaram a “Rede da Democracia”, idealizada pelos Diários Associados, de Assis Chateaubriand, com jornais, revistas, rádios e emissoras de televisão. Das quais faziam parte as rádios Tupi, Jornal do Brasil e a Rede Globo de Roberto Marinho. (3)

O golpe de 1964 foi, portanto, um movimento imperialista, com os militares como instrumentos a serviço do capital financeiro e industrial. Durante a ditadura, a relação entre as empresas capitalistas e aparato de repressão se estreitou. Os trustes passaram a controlar os setores mais dinâmicos da indústria como a indústria automobilística (99,8%); farmacêutica (100%,); eletro-eletrônico (80%), plásticos/borracha; autopeças, bebidas/fumo, máquinas/equipamentos e distribuição de derivados de petróleo. (4)

Na agricultura, o domínio imperialista se integrou com o latifúndio. Ampliou o monopólio da terra e ergueu grandes complexos agroindustriais, agropecuários, agroquímicos e madeireiros, associando-se a uma burguesia rural, com a eliminação do pequeno agricultor.

Consequentemente, estreitaram-se os laços entre os grandes capitalistas e o aparato de repressão. O próprio presidente Ernesto Geisel admitiu: “Houve muita colaboração entre o empresariado e os governos estaduais. A organização que funcionou em São Paulo, a OBAN, foi obra dos empresários paulistas” (5). Ou o almirante de esquadra Hernani Goulart Fortuna “a Operação Bandeirantes, a mais violenta da repressão, em São Paulo, (era) apoiada pela FIESP”. (6)

O delegado José Paulo Bonchristiano na entrevista “Conversas com Mr. DOPS” (7) declarou que Roberto Marinho, “passava no DOPS para conversar com a gente quando estava em São Paulo”. E o delegado Cláudio Guerra, em “Lembranças de uma Guerra Suja”, conta que Marinho, solicitou ao seu grupo paramilitar um atentado a sua casa, pois estava muito identificado pela ditadura frente à esquerda. (8)

Bonchristiano também afirma que podia telefonar a qualquer hora para Octávio Frias de Oliveira, dono da Folha de S. Paulo “para pedir o que o DOPS precisasse”. O documentário “Cidadão Boilesen” na mesma linha, menciona que a Folha, de Frias, cedia automóveis para serem utilizados por agentes da repressão em ações de campana, busca e captura de militantes de organizações políticas. Ações confirmadas por Carlos Guerra (9) e Élio Gáspari (hoje colunista da “Folha”) em seu livro “Ditadura Escancarada” (10)

O coronel Erasmo Dias garante que “o Julio de Mesquita Filho, quer dizer, O Estado de São Paulo, também as ‘escancas’ nos apoiou, não tem duvida. E outros empresários, aquele lá de Osasco, Vidigal nos apoiou nunca esconderam e o apoio para nós era importante não só informação, com estrutura, e era para nós uma participação que interessava” (11)

A ligação com os banqueiros então, era absolutamente transparente, Bonchristiano descreve que quando montou a Polícia Federal em São Paulo, o fundador do Bradesco, Amador Aguiar, cedeu uma ala de seu banco para funcionar a Policia Federal provisoriamente e “mandou caminhões do Bradesco carregados com o que fosse necessário para montar a delegacia da Policia Federal na rua Piauí”. (12)

Além de Aguiar outro dos mais notórios banqueiros foi Gastão Eduardo de Bueno Vidigal, dono do Banco Mercantil de São Paulo e secretário de Fazenda durante o governo Carvalho Pinto O Mercantil foi vendido, ao Bradesco, em 2002. Vidigal promovia reuniões no Clube Paulistano, para arrecadar fundos para a Operação Bandeirantes. (13) Muitas vezes em companhia do Ministro da Fazenda, Delfim Neto, para maior prestígio e maior credibilidade. (14)

O Sudameris era outro patrocinador da repressão e da tortura. Pertencia à Intesa, um dos maiores bancos da Itália sediado em Milão, controlado por fascistas, sendo posteriormente vendido ao ABN AMRO e depois incorporado ao Banco Real.

O mais famoso empresário Boilesen, diretor da FIESP, presidente da Associgas, personagem principal do filme “Cidadão Boilesen”, de Chaim Litewski, emprestava caminhões e uniformes da Ultragas para as campanas da policia, freqüentava o DOI/CODI onde foi visto e identificado pelos presos (15). Já havia recebido, da Câmara de Vereadores, o titulo de cidadão paulistano em 1963,

O delegado Carlos Guerra denuncia que, entre os que freqüentavam os porões da repressão, estavam juízes como Nicolau dos Santos Neto, o Lalau; empresários Ciro Batelli, vice-presidente da rede de Hotéis Caesar Palace, que hoje trabalha no Domingão do Faustão; (16) e José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni. (17) Também estão nas listas dos colaboradores Jorge Wolney Atalla, presidente da Copersucar e João Carlos Di Gênio, proprietário do cursinho pré-vestibular Objetivo, que alardeava sua amizade com Fleury, e circulava em bares e restaurantes com o major Mauricio Lopes Lima, chefe de uma equipe de busca do DOI/CODI. (18)

Na véspera de sua morte, Boilesen tinha oferecido um jantar em sua mansão no Morumbi, onde esteve presente Sebastião Camargo. Em seu enterro estiveram, entre outros: o ministro Delfim Netto; o ex-ministro Roberto Campos; o prefeito de São Paulo, Figueiredo Ferraz; o governador Laudo Natel, secretários do Estado e outras autoridades. (19)

A Camargo Correia, diga-se de passagem, juntamente com as multinacionais automobilísticas, contribuía com altas somas para a tenebrosa caixinha da repressão, retribuindo os favores do regime militar. Além dela a OBAN, e depois o DOI/CODI, se nutria de verbas fornecidas pela Ford, General Motors (20) e Mercedes Bens. (21)

O Presidente da FIESP, Theobaldo de Nigris, cedia a sede da entidade para reuniões arrecadatórias, para financiar a compra de armas modernas, trazidas dos Estados Unidos, ou produzir carros como os Galaxies blindados, para os agentes da OBAN. (22)

As contribuições eram em dinheiro, veículos, combustível, recompensa. As gratificações chegavam como salário complementar, emprego paralelo, vantagens pessoais e ajuda material. Os valores sempre foram secretos, mas suficientes para a independência financeira de muitos. . (23)

Por seu lado as empresas constituíam sistemas de informação, privados e internos em suas fábricas, assessorados por experts a serviço da ditadura. Articulados com os aparatos de repressão, serviam para identificar e denunciar ativistas políticos.

Após a queda da ditadura, militares estabeleceram empresas de segurança que faziam espionagem para grandes multinacionais e serviço de segurança para executivos estrangeiros.(24) O povo brasileiro tem o direito de saber quem financiou todo esse aparato repressivo.

A Comissão da Verdade prestaria um esclarecedor serviço ao país se trouxesse à luz quais as empresas que diretamente financiaram o golpe e a repressão aos que lutaram contra esta ditadura. Afinal deve ser de conhecimento publico quem foram os grandes patrocinadores da repressão, e, que, obviamente, receberam muitas benesses em troca de sua colaboração.

Devem ser punidos sim os que prenderem ilegalmente, torturaram e seqüestraram, mas também, aqueles que os financiaram.


Notas

1 - Combate nas Trevas, A Esquerda Brasileira: das ilusões perdidas a luta armada, Jacob Gorender, p 65
2 - René Armand Dreiffus, 1964: A conquista do Estado, ação política, poder e golpe de classe, Ed Vozes
3- Aloysio Castelo de Carvalho A Rede da Democracia: O Globo, O Jornal e Jornal do Brasil na queda do governo Goulart (1961-64), Niterói, Eduff/Nitpress, 2010
4- POSSAS, Mario Luiz. Empresas Multinacionais e Industrialização no Brasil. In: Desenvolvimento Capitalista no Brasil. Vol. 2 .S.Paulo, Ed. Brasiliense, 1983. pp. 24-25.
5- Ernesto Geisel. de Maria Celina DAraujo e Celso Castro Rio de Janeiro Editora FGV. 5ª Edição, 1998. p 215
6- Militares, Confissões, Historias Secretas no Brasil, Helio Contreiras, Rio de Janeiro, Editora Mauad 1998.
7- Publica, agencia de reportagem e jornalismo investigativo, http://apublica.org/2012/02/conversas-mr-dops/
8- Lembranças de uma Guerra Suja, p 161
9-Lembranças de uma Guerra Suja.
10- (p. 395).
11- Boilesen um empresário da ditadura: a questão do apoio do empresariado paulista à OBAN/Operação Bandeirantes, 1969-1971, Jorge José de Melo, Universidade Federal Fluminense, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia
12-Autópsia do Medo, Percival de Souza, p 403
13-Lembranças de uma Guerra Suja, Cláudio Guerra depondo a Marcelo Netto e Rogerio Medeiros, p 142
14- Elio Gaspari, ADitadura Escancarada. São Paulo, Companhia das Letras, 2002, p. 61-62
15- Autópsia do Medo, Percival de Souza, p 171
16- Lembranças de uma Guerra Suja, Cláudio Guerra depondo a Marcelo Netto e Rogerio Medeiros, p 121
17- Lembranças de uma Guerra Suja, Cláudio Guerra depondo a Marcelo Netto e Rogerio Medeiros, p 124
18- Tortura a História da Repressão Política no Brasil, Antonio Carlos Fon, p 59
19- Boilesen um empresário da ditadura: a questão do apoio do empresariado paulista à OBAN/Operação Bandeirantes, 1969-1971, Jorge José de Melo, Universidade Federal Fluminense, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia
20- Brasil Nunca Mais, um relato para a história, p 73, 7ª Edição
21- Pedro e os Lobos, Os anos de chumbo na trajetória de um guerrilheiro urbano de João Pedro Laquê, p 261
22- Pedro e os Lobos, Os anos de chumbo na trajetória de um guerrilheiro urbano de João Pedro Laquê, p 261
23- Autópsia do Medo, Persival de Souza, p 13.
24- Lembranças de uma Guerra Suja, Cláudio Guerra depondo a Marcelo Netto e Rogerio Medeiros, p 196



Retirado do Site do PSTU

Servidores ocupam Brasília mais uma vez

Sete mil servidores em greve marcharam em Brasília
Mais de 7 mil servidores tomaram as ruas de Brasília em nova marcha realizada nesta quarta-feira (15). A manifestação ocupou todas as faixas no sentido Rodoviária/Esplanada e bloqueou o transito da região.

O ato teve concentração no acampamento montado pelos servidores, desde o início desta semana, no gramado do Palácio dos Ministérios. Participaram do ato as Centrais CSP-Conlutas, CUT e CTB, e os diversos segmentos do funcionalismo em greve vindos de todo o Brasil.

Os servidores finalizaram a passeata no Bloco C, onde está localizado o Ministério do Planejamento, e ali realizaram um ato público. No protesto todas as falas denunciavam a política do governo.

O membro da CSP-Conlutas, Jose Maria Almeida, presente na manifestação, denunciou que o governo aplica a redução do IPI, dá subsídios às grandes empresas e, com isso, deixa de arrecadar o valor que poderia estar sendo investido nos serviços e nos servidores públicos. Além disso, segundo ele, transfere esse prejuízo para os servidores, que pagam a conta tendo seus salários congelados, direitos retirados e pouco investimento no setor. "Para os empresários e o pagamento da dívida pública tem dinheiro, para os servidores não", disse.

Segundo o dirigente, além disso, as empresas recebem isenção, mas não mantém o emprego. Citou o exemplo da GM que ameaçou demitir mais de 2 mil metalúrgicos, que só conseguiram reverter essa situação após intensa mobilização.

Ao final, Zé Maria fez a exigência de que o governo atenda as reivindicações dos servidores públicos e que o movimento se mantenha forte em sua luta por melhores salários.

Nesse momento, servidores estão concentrados em frente ao Ministério, em vigília, pois os professores e técnicos administrativos das bases do Sinasefe, Fasubra, estão em reunião com representantes do governo para tratar da pauta de reivindicação desses segmentos. Também hoje, será realizada uma reunião com representantes do IBGE.


Outras atividades

Às 15h, aposentados realizaram uma vigília contra os ataques às aposentadorias.
Amanhã (16), pela manhã, no MEC (Ministério da Educação), haverá aula pública realizada pelos docentes em greve. Depois, às 15h, haverá uma atividade com Jose Gonzalez Marin, mineiro das Asturias, Espanha, na tenda dos servidores, que falará sobre a crise econômica da Europa.

Ao final do dia, os servidores realizam nova vigília. Na sexta- feira (17) haverá a Plenária Nacional Unificada dos Servidores Públicos, às 10h.


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O Governo Dilma, a greve dos servidores federais e o emprego no setor privado


Retirado do Site do PSTU

O Governo Dilma, a greve dos servidores federais e o emprego no setor privado

Agência Brasil
Dilma Rousseff anuncia Programa de Concessões de Rodovias, Ferrovias e Trem de Alta Velocidade
Diante da forte greve dos servidores federais que vem se alastrando por todo o país, o governo Dilma mudou o discurso. De uma postura anterior em que se recusava a negociar com os grevistas, agora passou a afirmar que o governo não pode atender aos grevistas porque precisa priorizar a utilização dos recursos públicos para garantir o emprego dos trabalhadores da iniciativa privada – leia-se, canalizar mais recursos públicos para as grandes empresas privadas.

Há duas falácias aí. A primeira é que destinar recursos públicos ao setor privado garante o emprego dos trabalhadores. As demissões seguem ocorrendo em todo o país apesar da adoção do Plano Brasil Maior pelo governo em agosto do ano passado, e que destinou mais de R$ 50 bilhões para grandes empresas. Só a GM do Brasil demitiu mais de 1400 trabalhadores no último ano e ameaça demitir mais 2000 até o final de 2012, com a benção do ministro da Fazenda, Guido Mantega. Recursos públicos para as empresas têm como consequência tão somente o aumento dos lucros destas companhias e um maior sucateamento da saúde, da educação, dos serviços públicos de maneira geral (que é de onde saem os recursos destinados às empresas).

A segunda falácia da afirmação presidencial é que ela esconde que 47% - cerca de R$ 1 trilhão - do Orçamento de 2012 está destinado ao pagamento de juros e amortização da dívida externa e interna, os seja, mais dinheiro público para bancos e grandes especuladores. É uma combinação destes dois fatores que dificulta o atendimento das reivindicações dos servidores em greve. A prioridade do governo Dilma não é investir no serviço público, valorizar os servidores, para melhor atender a população. Tampouco é garantir o emprego no setor privado. A prioridade do governo é atender aos interesses dos bancos e das grandes empresas.

Se a presidente está preocupada, de fato, com o emprego dos trabalhadores do setor privado, ao invés de destinar recursos públicos para as empresas, deve baixar medida provisória imediatamente, concedendo estabilidade no emprego para os trabalhadores, concretizando a adoção pelo nosso país da Convenção 158 da OIT. Isto sim seria uma medida concreta contra as demissões.

Se a presidente está preocupada, de fato, com a prestação de um serviço público de qualidade para a população, deveria parar com a enrolação, determinar uma negociação séria com os servidores, e atender as suas reivindicações.


Retirado do Site do PSTU

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

O Esporte e Socialismo

O atleta jamaicano Usain Bolt
Encerraram-se os Jogos Olímpicos de Londres. No Opinião Socialista desta quinzena (Nº 447) há um excelente artigo sobre o nefasto papel cumprido pelo capital neste que deveria ser um grande espetáculo de cooperação e fraternidade universal. Como demonstra o artigo, o capitalismo transformou as Olimpíadas em um festival de injustiças em nome do lucro: remoções forçadas das populações que vivem próximas aos equipamentos olímpicos, “zonas de exclusividade” para o marketing (onde ninguém pode, por exemplo, usar uma camiseta que mostre uma marca não autorizada pelo Comitê Olímpico Internacional) e outras barbaridades.

A próxima cidade a enfrentar as terríveis consequências de uma Olimpíada será o Rio de Janeiro. Não é preciso ter muita imaginação para prever as atrocidades que serão cometidas contra a população de rua do Rio, contra os menores que pedem esmolas nos sinais, contra os vendedores ambulantes e o povo em geral. É evidente que se prepara um verdadeiro estado de sitio na cidade, com a proibição de manifestações e greves, com uma repressão policial jamais vista. Chegaremos a ver algum tipo de “zona de exclusividade social” ou algum outro mecanismo que impeça o povo trabalhador de se aproximar dos locais de prova e trânsito de turistas? Só o tempo dirá. Não duvidamos de nada. De qualquer forma, a violência contra os pobres será a marca dos Jogos Olímpicos de 2016.

Mas o objetivo deste artigo não é analisar os fatores políticos e sociais imediatamente ligados às Olimpíadas. Aqui queremos tomar um elemento mais profundo, que em geral escapa às discussões sobre o tema, mesmo na esquerda: o esporte em si, sua relação com o indivíduo, com a vida em sociedade e com as ideias do socialismo.


O esporte de competição e os limites do corpo humano

“Superação!” Eis a palavra mais dita e ouvida em qualquer evento esportivo de grande porte. Os comentaristas não param de repetir que este ou aquele atleta “superou seus próprios limites” e que este ou aquele recorde acaba de ser quebrado. Os próprios telespectadores ficam eufóricos diante de figuras como Usain Bolt e Michael Phelps, que parecem de fato desafiar nossa compreensão sobre as capacidades humanas. Mesmo os esportes coletivos se tornam cada vez mais espetáculos de velocidade, força, agilidade e perfeição.

Mas se enganam aqueles que pensam que os atletas “testam” os limites do corpo humano, como gostam de dizer os jornalistas esportivos. Na verdade o esporte de competição já trabalha há algum tempo além dos limites do corpo humano, com gravíssimas consequências físicas e psíquicas para os atletas.

No futebol, por exemplo, um esporte que alterna piques explosivos com paradas abruptas, são observadas sérias consequências para o coração dos jogadores e as chamadas “mortes súbitas” em campo, fruto de infartos fulminantes, têm se tornado um fenômeno recorrente. Segundo a própria FIFA, nos últimos 5 anos, 84 jogadores de futebol morreram em campo devido a problemas cardíacos. É o que revela um relatório apresentado pela entidade em maio deste ano e que tem como base informações recebidas de 129 das 208 federações que compõe a FIFA. Além disso, os clubes apostam na hipertrofia muscular do atleta para suportar a violência das partidas e levar a melhor nas bolas divididas. A ênfase na musculação faz com que os jogadores ganhem uma massa muscular incompatível com sua estrutura óssea e articulações. Resultado: repetidas fraturas, seguidas de cirurgias, seguidas de novas fraturas.

Na ginástica olímpica, que para a perfeição técnica exige uma preparação física desde a mais tenra infância, o corpo das crianças que praticam esse esporte gasta praticamente toda a energia disponível nos treinos, o que gera a interrupção prematura de seu crescimento. Dito de maneira simples: param de crescer muito antes do que deveriam porque seu organismo não tem energia para mais nada, a não ser treinar.

No caso do fisiculturismo, fala-se muito dos anabolizantes, mas a verdade é que este sequer é o principal problema para a saúde dos que praticam essa modalidade. Algumas semanas antes da competição, a fim de “secar” e mostrar um corpo definido, os atletas reduzem drasticamente o consumo de água. Nos dias que antecedem a competição, a ingestão de líquidos chega literalmente a zero. A única água ingerida é a presente nos alimentos, que também são escolhidos especialmente em função de seu baixo teor de água. Não contentes com isso, os atletas tomam diuréticos para forçar a eliminação de líquido pela urina. Como resultado, desenvolvem graves doenças renais, têm dores de cabeça constantes e sérios desequilíbrios hormonais e metabólicos.

Nas corridas de cavalo, os jóqueis, que em geral já são de baixa estatura e magros, para não pesarem sobre o cavalo, fazem algo parecido: não só deixam de comer e beber antes das corridas, como tomam laxantes e fazem sessões de sauna nas horas que antecedem as corridas para eliminar o máximo possível de peso. Algumas gramas a mais sobre o cavalo podem fazer diferença. Resultado: desidratação crônica, novamente com consequências para os rins e outros órgãos.

Estes são apenas alguns exemplos. Em muitos outros esportes ocorrem fenômenos semelhantes.


A próxima fase do esporte sob o capitalismo: a transformação genética dos atletas

Entendendo que o corpo humano chegou ao seu limite e até o ultrapassou, alguns pseudocientistas a serviço das grandes marcas e corporações começam a pensar novas formas de aumentar o rendimento dos atletas, sem recorrer ao doping, que sempre pode ser detectado por exames precisos. Assim, começa-se a entrar em um terreno verdadeiramente escandaloso: a chamada “transformação genética” dos atletas.

Sabe-se, por exemplo, que o oxigênio é o grande combustível do corpo humano. Até certo ponto, o rendimento de um atleta em uma prova é determinado pela sua capacidade de “queimar” oxigênio e transformá-lo em energia e essa capacidade é determinada geneticamente. O grande “veículo” que carrega oxigênio através do corpo humano, levando-o para os tecidos que dele necessitam são os glóbulos vermelhos presentes no sangue. Quanto mais glóbulos vermelhos, melhor o indivíduo aproveita o oxigênio que respira. A partir daí o raciocínio se desenvolve com nitidez: bastaria injetar no atleta os seus próprios gens responsáveis por produzir glóbulos vermelhos para que o corpo passasse a produzir mais dessas células e o rendimento do atleta fosse melhorado. Esse procedimento não seria detectado em nenhum exame porque não se trataria de uma droga, mas sim de um componente até certo ponto “natural”: o material genético do próprio atleta. Não há hoje, pelo que se sabe, possibilidade técnica de realizar esse procedimento, mas do ponto de vista teórico ele deve funcionar e há muito dinheiro investido nesse tipo de pesquisa.

Essa ideia, por mais escandalosa que seja, é defendida hoje abertamente nos meios esportivos como a nova fase de desenvolvimento do esporte, uma fase onde recordes já consolidados seriam novamente quebrados com folga por esses “superatletas”. Daí para experiências secretas de conteúdo mais horripilante – é um pulinho. Qualquer semelhança com os experimentos realizados pelos médicos nazistas durante a 2ª Guerra Mundial não é mera coincidência. É o desenvolvimento lógico de um sistema opressor e racista.




“Mens sana in corpore sano”?

O esporte deveria ser o exercício e aperfeiçoamento das capacidades físicas do ser humano, com o objetivo de manter sua saúde e promover seu lazer, entretenimento e confraternização. Ou seja, em última instância, o objetivo final do esporte reside no bem estar psíquico do homem, que realiza todas as suas potencialidades físicas em associação com outros seres humanos e obtém daí prazer ou satisfação psicológica. Todos sabemos o quanto é simplesmente divertido jogar bola com os amigos, mesmo quando o placar do jogo não é sequer contado. O esporte deveria ser, portanto, em primeiro lugar, um momento de humanização e socialização.

Ao invés disso, o esporte de competição, tal como vem se desenvolvendo nas últimas décadas, tem significado um verdadeiro martírio psicológico para atletas de todos os estilos e idades, bem como para seus familiares.

A frustração diante das derrotas, as agressões psicológicas sofridas pelos atletas por parte dos treinadores, as cobranças da imprensa, as pressões e a humilhação a que os atletas estão submetidos por parte dos patrocinadores – tudo isso gera um clima que nada tem a ver com o chamado “espírito esportivo”. Há também casos de abuso sexual de atletas mulheres por parte dos técnicos, onde o caso de Joanna Maranhão é apenas o mais conhecido porque foi denunciado pela nadadora.

De uma forma geral, o esporte de competição se converteu em um profundo fator alienante para aqueles que o praticam. Crianças são retiradas de seu convívio normal, se tornando na prática prisioneiras e semi-escravas de clubes e empresas. Os estudos, as amizades, as brincadeiras sem compromisso e todas as outras atividades que não sejam o esporte são abandonadas. Alguns desses atletas demonstram de fato um enorme talento ou capacidade para o esporte e se transformam em grandes ídolos que fazem a alegria de milhões. Mas o preço que pagam é alto. Não fazem outra coisa além de competir. Que hoje em dia surja alguém como Sócrates (médico, jogador de futebol, ativista político e mais tarde jornalista), é praticamente impossível. O esporte de competição simplesmente não permite.

Assim, o esporte perde uma de suas principais funções: a manutenção da saúde psíquica daqueles que o praticam, o estabelecimento de relações sociais saudáveis, a interação humana em uma atividade livre e voluntária.


As lições da União Soviética

Nestas Olimpíadas muito se comentou sobre o resultado obtido pelos países que até 1991 compunham a antiga União Soviética. Somadas todas as medalhas ganhas pelos 15 ex-membros da URSS, estas ultrapassariam a quantidade de medalhas dos EUA, e a URSS, nessa projeção hipotética, terminaria os Jogos Olímpicos de Londres no topo do quadro.

De fato, os países que foram parte da URSS e outros antigos Estados operários são herdeiros de uma importante tradição esportiva e os resquícios dessa conquista podem ser vistos ainda hoje no desempenho dos atletas e equipes da ex-URSS, Europa Oriental e Cuba.

Mas de onde exatamente vinha o bom desempenho dos atletas soviéticos? Para quem assistiu Rocky IV, um filme de 1985 com Silvester Stalone, onde o boxeador ítalo-americano Rocky Balboa enfrenta o russo Ivan Drago, pode parecer que os bons resultados da URSS vinham apenas da disciplina individual dos atletas e do investimento pesado no esporte por parte do Estado. Neste lamentável filme dirigido pelo próprio Stalone, o russo Drago é retratado como um semi-robô sem emoções, criado praticamente em laboratório, e que tem à sua disposição nos treinos a mais avançada tecnologia soviética. Rocky o derrota na luta final treinando apenas com peças de carne e blocos de gelo em um frigorífico, sacos de areia e correndo atrás de galinhas, provando assim que nem mesmo o mais avançado treinamento tecnológico é páreo para a “superioridade norte-americana”.


O filme Rock IV e a visão estereotipada do Esporte na URSS

Bem, é verdade que na antiga URSS havia um forte investimento estatal no esporte. Também é verdade que os atletas eram bastante disciplinados. Mas arriscamos dizer que o incrível desempenho do esporte soviético não vinha nem de um fator, nem de outro. O investimento e a dedicação ajudam a explicar o fenômeno, mas não esgotam a questão. No fundamental, o sucesso da URSS se explicava por outro motivo: a massificação do esporte para praticamente toda a população. Expliquemos.

Ora, como se “descobrem” talentos esportivos hoje em dia? Busca-se exaustivamente nos clubes e empresas jovens que “prometam”, que mostrem indícios de que podem se desenvolver como atletas. Depois, se investe pesado nestes jovens, se impõe a eles uma rígida e opressiva disciplina, se estabelece para eles um ritmo alucinante e desumano de treinos, até transformá-los em grandes desportistas. Isso é assim mesmo nos países mais ricos e desenvolvidos. Ou seja, sob o capitalismo, trabalha-se com muito pouco material humano, com um universo muito restrito porque o esporte é extremamente elitizado. Por isso, qualquer jovem que demonstre algum talento para o esporte é “esfolado vivo” até render aquilo que se espera que ele renda...

Pois na URSS era diferente: o esporte era massificado, praticamente toda a população o praticava até certa idade, em maior ou menor grau. Dessa forma, os talentos não precisavam ser “pescados” em processos seletivos arbitrários e injustos; não havia “olheiros”, como nos países capitalistas. Os novos talentos brotavam de maneira mais ou menos espontânea da massa da população, que praticava esportes desde a infância. Trabalhava-se com um universo muito mais amplo, com um material humano muito mais diverso e abrangente. O que os países capitalistas conseguiam alienando e robotizando seus atletas, a URSS conseguia oferecendo a toda a população a possibilidade de praticar algum esporte e testar nele suas aptidões. Ou seja, a imagem “Rocky x Drago” (homem do povo x semi-robô alienado) é justamente o contrário do que existia na realidade.

Obviamente, devido ao fato de que as competições internacionais eram encaradas pela burocracia stalinista como peça de propaganda de seu regime, os atletas soviéticos de maior destaque sofriam consequências mais ou menos parecidas àquelas sofridas pelos atletas dos países capitalistas. Era o resultado inevitável do fato de que a URSS era dirigida por uma casta parasitária, que via o esporte como mais uma forma de manutenção de seu poder. Mas o fundamental não é isso. O fundamental é que na antiga URSS, principalmente nos primeiros anos de poder soviético, praticamente todas as empresas tinham seu time de futebol, de hockey, sua equipe de ginástica, de xadrez etc etc etc., e os torneios entre empresas, entre escolas, entre cidades, eram a forma predominante de confraternização esportiva. Fenômenos como doping, assédio, violência de torcidas, brigas em campo etc., eram simplesmente inimagináveis naquela situação.


O socialismo e o futuro do esporte

O mesmo capitalismo que promove o esporte de competição ou de “alto rendimento” é o que mantém uma parte significativa da população subnutrida, sedentária e doente. Uns poucos fazem coisas inacreditáveis, para que milhões e milhões apenas paguem o “pay per view”, comprem as camisetas e compareçam aos estádios. A famosa frase de Lula, gravada por uma câmera escondida, onde ele diz para um menino pobre do Rio de Janeiro, que reclamava do fechamento da quadra de tênis de um Complexo Esportivo do Governo do Estado, que “tênis é esporte da burguesia” é o triste retrato da concepção de esporte predominante em nossa sociedade. “Da burguesia” quer dizer “não é para você”, “vá fazer outra coisa”. Além disso, o capitalismo sonha com “super-atletas” que atraiam aos estádios e para a frente da TV multidões ainda maiores. E se esses super-atletas não surgem de maneira espontânea, o capitalismo está disposto a fabricá-los genética ou quimicamente.

Para o marxismo, as coisas são diferentes. A tarefa do socialismo em relação ao esporte é, em primeiro ligar, massificá-lo de uma maneira jamais sonhada. O esporte deve ser parte integrante e inseparável da educação do ser humano, tão importante quanto sua formação científica ou artística.

Obviamente, para isso será preciso um grande e permanente investimento estatal, tanto nos níveis fundamentais da formação esportiva (como atividade recreativa para crianças e adolescentes em idade escolar), quanto nos níveis mais qualificados. Mas esse investimento estatal de grande porte não pode estar em contradição com as demais necessidades da população, como moradia, saúde, transporte etc. A ideia de grandes espetáculos e competições esportivas construídas sobre o sofrimento e a exclusão da maioria (seja em função de remoções forçadas das populações, seja em função da falta de investimento em outras áreas) deve ser radicalmente abolida da prática social.

Da enorme massa da população que terá acesso ao esporte, se destacarão de forma mais ou menos natural os novos talentos e grandes desportistas do socialismo. Surgirão não um ou dois, mas inúmeros “Usain Bolt”, não dois ou três, mas incontáveis “Michael Phelps”.

O esporte voltará a ser um espetáculo de verdade, mas sua base não será mais a destruição do adversário ou a auto-negação do atleta enquanto ser humano completo. O esporte será novamente espetáculo porque será uma confraternização universal, da qual todos os cidadãos socialistas poderão participar ativamente.

Em uma sociedade socialista, igualitária por excelência, a competição desaparecerá por completo? Os placares deixarão de ser contados? Tornar-se-á o esporte apenas brincadeira, como é para as crianças? É difícil dizer. Somente as gerações que chegarem ao socialismo, e depois ao comunismo, poderão decidir o que fazer com esse grande legado do passado que é o esporte. O certo é que a competição, caso se mantenha, deixará de ser feita às custas da saúde física e psíquica dos atletas e seus familiares. E obviamente, conceitos como “dinheiro”, “patrocínio”, “marca” e outros – deixarão de ter qualquer relação com a prática esportiva. O esporte será esporte e nada mais.

Os desportistas do socialismo não serão ídolos intocáveis e inatingíveis. Serão pessoas comuns, que, além do esporte, realizarão atividades produtivas e intelectuais úteis para toda a sociedade. Não serão apenas atletas, mas seres humanos completos, universais, porque o esporte deixará de ser um fim em si, para se tornar um meio de educar e formar os cidadãos socialistas.

O socialismo não quer super-humanos; quer apenas seres humanos melhores. Desde que se livre das amarras impostas pelo capital, pela propriedade privada e pelo lucro, o esporte pode ser uma ferramenta fundamental nessa construção.


Retirado do Site do PSTU