sexta-feira, 22 de outubro de 2010

José Arbex deixa conselho editorial do Jornal Brasil de Fato

Jornalista critica apoio do jornal para a candidatura Dilma, ignorando outras posições, como a do voto nulo. Leia abaixo a carta de ruptura


Carta ao Conselho Editorial do Brasil de Fato

Acabo de ler a versão virtual da tiragem especial sobre eleições.

Tenho dois comentários e algumas considerações:

1. Tecnicamente, o jornal atingiu o auge. A apresentação está tecnicamente perfeita, bonita, agradável, acessível.

2. Politicamente, o jornal também atingiu o auge, no sentido de ter chegado a um limite: não se trata mais de um jornal, mas sim de um panfleto especial sobre as eleições. Para mim, isso significa a morte do jornal Brasil de Fato e o nascimento oficial de mais um órgão chapa branca. Um órgão tecnicamente perfeito, mas politicamente subordinado ao lulismo.

Sem entrar no mérito das posições, é conhecido o fato de que vários setores da esquerda não apoiam a candidatura Dilma, embora sejam contrários à candidatura Serra. Plínio de Arruda Sampaio, por exemplo, acaba de lançar um manifesto propondo o voto nulo. Eu mesmo me manifestei contrário ao apoio a Dilma, embora não tenha defendido o voto nulo. E a posição dos companheiros da Refundação Comunista é favorável ao voto em Dilma, mas com todos os “mas”, “senões” e “talvez” que desaparecem da edição especial: o lema da Refundação, se não estou enganado, é: “derrotar Serra nas urnas e a Dilma nas ruas”, o que está longe de transformar Dilma em ícone da redenção nacional (coisa que a edição especial faz, na pratica, sem o menor pudor).

O jornal Brasil de Fato, obviamente, só considera digno de publicação no especial sobre as eleições a posição que apóia explicitamente a candidatura Dilma. O jornal Brasil de Fato, ao fazê-lo, pratica a mesma operação que Altamiro Borges corretamente critica na própria edição especial, só que inverte o sinal: o Brasil de Fato se torna um palanque para a Dilma, precisamente como a “grande mídia” é um palanque de Serra. Pior ainda: ao considerar legítima e merecedora de publicação apenas uma determinada posição, descartando liminarmente todas as outras que existem no interior do Conselho Editorial, o jornal passa a impressão pública (exposta em 2 milhões de exemplares) de que há uma unanimidade no interior do conselho: trata-se de uma prática sórdida e bem conhecida, consagrada na época que um certo Josef comandava o regime de terror na URSS.

Diante disso, minha posição no Conselho Editorial se torna insustentável. Sei que ocorreu algo semelhante em 2006, mas voltei a integrar o jornal, na época, por considerar que o MST era muito maior, muito mais importante, muito mais vital do que eventuais divergências. Só que a situação agora é qualitativamente nova. O jornal Brasil de Fato transformou-se num planfletão lulista, e isso marca – na minha opinião, obviamente - reflexo de um processo de desmantelamento histórico do MST e de ruptura de uma boa parte da esquerda com sua própria história e princípios éticos. Trata-se de uma debandada tão grande e imunda que permite, entre outras coisas, que lideranças da “esquerda” declarem sem ruborizar o seu apoio ao agronegócio, à aliança com os neocompanheiros José Sarney e Michel Temer e o acobertamento cúmplice e conivente de manobras sórdidas nos corredores palacianos.

Já abordei várias vezes esse tema em reunião do Conselho Editorial e nunca fui levado suficientemente a sério. O MST, que era – sempre na minha opinião – o último grande bastião de resistência à cooptação oficial, está claramente sendo triturado pela máquina do Estado terrorista brasileiro, agora operada pelo lulismo. E tudo em nome do... “combate à direita”! A frase “Dilma não é o governo dos nossos sonhos, mas Serra é o governo de nossos pesadelos”, que consagra a posição editorial assumida pelo jornal, pode ser um bom achado de marketing, um ótimo recurso de oratória, uma bela saída para escapar de um dilema político. Mas se o critério for a boa oratória, que se convoque então Carlos Lacerda. Ele tem ótimas lições a dar nesse campo.

Não vou ser cúmplice disso. Nesse mesmo sentido – e embora não seja essa lista o palco para esse debate – coloco em questão a legitimidade de minha permanência à frente da Associação dos Amigos da Escola Nacional Florestan Fernandes (e por isso envio esta carta com cópia à diretoria da AAENFF, a quem peço que remete ao conjunto de seus associados). Encaminho também a algumas outras listas, para que se marque publicamente a minha ruptura com esse trágico desfecho.

Aos vencedores, as batatas.

Abraços

Jose Arbex Jr.


Retirado do Site do PSTU

França: aumento da repressão não contém mobilização contra reforma

Apesar do recrudescimento da repressão, os protestos contra a reforma das aposentadorias não recuam na França. Nesse dia 21 de outubro, enquanto a medida era discutida no Senado, algo em torno de 1 milhão de franceses protestavam nas ruas, principalmente estudantes.


Protesto em Lyon, sul da França
Só em Paris marcharam 15 mil estudantes nessa quinta. Até aqui as mobilizações estudantis eram puxadas sobretudo por secundaristas, já que as universidades estavam em férias. Com o retorno às aulas, os universitários devem também engrossar as fileiras da juventude que lutam ao lado dos trabalhadores contra os ataques de Sarkozy.

O governo, por sua vez, mantém irredutível e, além de ordenar o desbloqueio das refinarias, ocupadas pelos trabalhadores, determinou a aceleração da aprovação da reforma no Senado. Inicialmente prevista para ocorrer nesse dia 21, o governo espera votar a medida até essa sexta-feira, 22.


Repressão

Acuado pela entrada da juventude nos protestos, o governo francês vem aumentando a repressão e as prisões de manifestantes. Só nesse dia 21, foram presas 266 pessoas. Ao todo, até agora, 2.257 ativistas foram detidos, grande parte menores de idade. Após uma dura repressão policial em Lyon, Sarkozy lançou uma ameaça aos manifestantes: “Serão localizados, presos e castigados, tanto em Lyon como em outros lugares”

O movimento, porém, não dá sinais de que irá arrefecer. Continuam paralisadas 12 refinarias, o que afeta o abastecimento. Além disso, outros setores estão em greve por tempo indeterminado. “O movimento vai muito além das duas áreas destacadas pela mídia”, afirma a Central “Solidaire”, destacando que as paralisações atingem tanto setores públicos como privados.



Segundo a central, vinte fábricas de borracha estão paradas, incluindo grandes multinacionais como a Goodyear e a Michelin. Empresas de energia e instalações de gás também estão paralisadas. O transporte urbano está parcialmente parado em diversas regiões e, em todo o país, os caminhoneiros organizam bloqueios.

Sarkozy aposta na aprovação da medida nesste dia 22 e no próximo feriado para desmobilizar os protestos. Já a direção dos principais sindicatos convocaram novas jornadas de lutas para os dias 28 de outubro e 6 de novembro. A juventude os trabalhadores, porém, podem não esperar.


Retirado do Site do PSTU

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Dilma confirma: seu compromisso é com os conservadores

Candidata petista divulga mensagem se comprometendo com a não-legalização do aborto e contra a criminalização da homofobia e os direitos dos homossexuais


“Sou pessoalmente contra o aborto e defendo a manutenção da legislação atual sobre o assunto”. Este é o segundo item da mensagem de dilma Rousseff dirigida aos religiosos. Na carta, Dilma diz que resolveu “pôr um fim definitivo à campanha de calúnias e boatos” contra ela. Na verdade, ela pôs uma pá de cal nas ilusões de que o PT e seu governo vão garantir os direitos de mulheres e de homossexuais.

Dilma atende às reivindicações dos religiosos e ignora a pauta histórica dos movimentos sociais. “Eleita presidente da República, não tomarei a iniciativa de propor alterações de pontos que tratem da legislação do aborto e de outros temas concernentes à família e à livre expressão de qualquer religião no País”, diz o texto.

Sobre os direitos civis de homossexuais, Dilma é mais sutil na forma, mas não menos reacionária no conteúdo. De maneira velada, a candidata se refere a “temas concernentes à família”. Porém fica claro que temas são esses ao citar o Projeto de Lei 122 e o Plano Nacional de Direitos Humanos 3.

O PL 122 é o projeto que prevê a criminalização da homofobia para impedir que homossexuais sejam agredidos, humilhados, discriminados de qualquer maneira ou impedidos de trabalhar por causa de sua orientação sexual. O compromisso de Dilma é sancionar o projeto, mas apenas “nos artigos que não violem a liberdade de crença, culto e expressão e demais garantias constitucionais individuais existentes no Brasil”.

O problema é que, para as igrejas, o fato de ser gay já é um atentado à família. Todos sabemos quais violações as igrejas estão defendendo, e todas atentam, na verdade, contra as mulheres e os homossexuais. As mulheres vão continuar morrendo nas clínicas clandestinas, e os gays continuarão sendo espancados e tratados como demônios ou doentes.

Quanto ao PNDH3, ao qual se refere Dilma, sua publicação por si só já tinha sido um retrocesso. O governo retirou da versão o apoio à descriminalização do aborto e as cláusulas que permitiam ampliar os casos de aborto legal.


Mais uma vez, não basta ser mulher

Completamente desmoralizadas pelo próprio PT, as feministas governistas assumem o vale-tudo eleitoral. O secretário de Comunicação do PT, André Vargas, disse que “foi um erro ter se pautado internamente por algumas feministas”.

Mesmo assim, de forma constrangedora, a Marcha Mundial de Mulheres, principal organização feminista abertamente governista, limita-se a defender a eleição de Dilma. A manchete do site da Marcha, desde sábado, 16, é “Vamos eleger Dilma Rousseff Presidenta do Brasil”. O texto foi publicado um dia depois de Dilma lançar seu manifesto e é assinado por várias organizações além da Marcha, como a Via Campesina, MST, Movimento dos Atingidos por Barragens, Uneafro etc. As palavras aborto, homofobia e homossexuais não aparecem uma vez sequer na declaração.

Detalhe do site da MMM

No balaio das organizações governistas, os religiosos também entram sem nenhuma distinção para setores progressivos, como as Católicas pelo Direito de Decidir: “Queremos nos juntar aos movimentos sindicais, populares, estudantis, religiosos e progressistas para promover debates com a sociedade, desmascarar a propaganda enganosa dos neoliberais e autoritários (...)”. Fica evidente que essas organizações querem a simpatia dos setores conservadores aos quais Dilma se aliou.

Essa postura é consciente e enganosa. O governo Lula sempre foi tratado por elas como aliado. Assim, enganam as mulheres trabalhadoras e as conduzem à própria cova. Abandonam, na prática, a luta feminista.

Isso coloca na pauta do dia a necessidade e a urgência de se construir um movimento que represente as mulheres trabalhadoras, em que elas possam se organizar e lutar pelos seus direitos. O episódio nos ensina que só é possível garantir direitos com independência total de governos e de religiões.


Muitos passos atrás

Numa coisa Dilma tem razão: a campanha de Serra contra ela é caluniosa. O governo de Dilma, continuando a política de Lula, não tem nenhuma intenção de se confrontar com setores religiosos.

Quanto a Serra, antes mesmo de começar a campanha, ele já tinha assumido o compromisso que Dilma oficializou no segundo turno: “Eu não sou a favor do aborto. Não sou a favor de mexer na legislação”. Essa declaração foi desnecessária, pois sua história e do PSDB e aliados dispensam apresentações.

Ficam sem justificativas os setores da esquerda, como PSOL e PCB, que defendem voto crítico. Votando em Dilma, se está votando contra o conservadorismo? Quem respondeu foi a própria Dilma... As diferenças entre ela e Serra não existem. Assim, só resta o voto nulo como voto contra o conservadorismo.


Um salto atrás

Nas últimas duas décadas de neoliberalismo temos assistido a uma degeneração moral da sociedade, combinada com um retrocesso brutal dos direitos de mulheres e homossexuais. Vivemos numa sociedade que transforma as mulheres em mercadorias, que podem ser usadas e abusadas. Essa mesma sociedade as joga na fogueira e as deixa morrer aos milhares; se utiliza do mercado rosa por um lado, e mantém a homofobia por outro.

Se estávamos caminhando para trás no terreno moral, podemos dizer que estas eleições foram um grande salto nesse sentido. Só mesmo num sistema podre uma eleição se pauta por estes preceitos, que deveriam ser direitos fundamentais. Este grau de interferência das religiões no Estado é o que de fato ameaça a liberdade de crença, e não a criminalização da homofobia. É isso que atenta contra a vida, e não a descriminalização do aborto.

Dilma e o PT cedem às pressões da bancada evangélica, que ganha cada vez mais espaço no Congresso, defendendo políticas contra os trabalhadores. Cedem às pressões da Igreja católica, contaminada pela pedofilia e pelo abuso sexual, que não é capaz de se manifestar contra a violência às mulheres.

Nós, do PSTU, temos orgulho de defender as políticas que o PT e as organizações governistas jogaram no lixo. Queremos tirar a sujeira de baixo do tapete, porque somos a favor da vida das mulheres que morrem nas clínicas e dos homossexuais espancados, humilhados e assassinados.


Retirado do Site do PSTU

Cuba: Em nome do “socialismo”, 500 mil empregados estatais são demitidos

Defendamos os trabalhadores cubanos contra o ajuste capitalista


Recentemente, tornou-se público que o Estado cubano vai demitir 500.000 trabalhadores (10% da força trabalhista do país), como parte de um plano de ajuste bem mais profundo. Gerou-se um grande debate na esquerda mundial sobre o significado desta medida, que se soma à polêmica já existente, há vários anos, sobre qual é a verdadeira realidade em Cuba.

Para o governo cubano e seus defensores nacionais e internacionais, essas medidas são apresentadas como uma necessidade para “defender” e “modernizar o socialismo”, adequando-o às atuais condições econômicas e políticas internacionais. Pelo contrário, a única explicação real é que estas medidas são a consequência inevitável do fato de o capitalismo já ter sido restaurado em Cuba, e só podem ser entendidas nesse marco, como uma resposta de um governo capitalista à atual crise econômica internacional e cubana em particular.


Criar “exército industrial de reserva”

A demissão de meio milhão de trabalhadores integra um plano de ajuste bem mais global e contínuo: à cifra inicial se somará um número igual de demissões nos próximos cinco anos. Isto é, o Estado cubano vai despedir 20% da força de trabalho do país. Qual será o destino dos trabalhadores estatais demitidos? Em Cuba não há o seguro-desemprego. A propaganda oficial fala de “realocá-los em outros setores”, isto é, na economia privada.

Ao mesmo tempo, foram liberadas 178 novas atividades ou profissões para realizar trabalhos autônomos ou por conta própria (TCP), das quais cerca da metade terão autorização para contratar empregados.

O próprio diário oficial Granma estima que umas 250.000 pessoas deverão se estabelecer como TCP e a outra metade deverá ser realocada em cooperativas formadas pelos demitidos (como as que já existem de táxis e de salões de beleza) ou diretamente na atividade privada.

Tal qual a experiência de outros países indica, grande parte destes trabalhadores por conta própria e cooperativas quebrarão em um prazo mais ou menos curto. O que, inclusive, é reconhecido por um documento interno do Partido Comunista Cubano: “Muitos podem quebrar antes do fim do ano” (Clarín, 15/09/2010). Em outras palavras, a maioria passará a engrossar a massa de exploração das empresas privadas ou se somarão aos 400.000 trabalhadores desempregados já existentes, ampliando assim o que Marx chamou de “exército industrial de reserva”.


Mais medidas

Outras medidas de ajuste são o fechamento dos restaurantes populares subsidiados e o fim da caderneta de entrega de produtos alimentícios básicos a baixíssimos preços, um componente muito importante na cesta básica de consumo dos setores mais pobres.

A isto se soma o recente anúncio de que educação e saúde públicas deixarão de ser universalmente gratuitas e que vai começar a ser aplicado “um pagamento total ou parcial” dos ditos serviços. Como em outros governos capitalistas de todo mundo, tratam de dourar a pílula e dizem que “somente pagarão os setores de maiores rendimentos”, um argumento que já sabemos como termina pela experiência de outros países.

Finalmente, todas estas medidas se dão, ademais, no marco de um processo de contínua e profunda deterioração do valor do salário dos trabalhadores públicos (que oscila na maioria em um valor equivalente de 10 a 15 dólares mensais até uma minoria que atinge de 35 a 40), muito abaixo do que obtêm (por diversas vias) os trabalhadores privados do turismo ou do comércio.

Um economista governamental, Omar Everleny Pérez Villanueva, calcula que, comparado com o ano de 1989, “o salário real equivalia a 24%”, em 2009. Isto é, a grande maioria dos trabalhadores cubanos perdeu, nestes 20 anos, mais de ¾ de seu poder aquisitivo.

Ao mesmo tempo, o governo cubano está prestes a autorizar ao grupo britânico Esencia Hotels & Resorts, associado com a empresa cubana Palmares S.A., a construção de 16 novos campos de golf privados nos quais, além disso, terão moradias de luxo para estrangeiros, em lugares paradisíacos como Varadero e Pinar del Rio.

Se enumerássemos estas medidas, sem dizer em que país são aplicadas, todo mundo chegaria à conclusão de que se trata de um clássico plano de ajuste capitalista que ataca os trabalhadores em benefício das empresas e seus lucros, como o que aplicam os governos da Grécia, Espanha ou França. Sem dúvidas, toda a esquerda chamaria a lutar contra esses planos e apoiaria as greves e manifestações que fizessem os trabalhadores, como acaba de acontecer na Europa.

Mas ao serem aplicadas em Cuba, o governo e muitos militantes e organizações de esquerda que o apoiam em todo mundo dizem que essas medidas não fazem parte de um “ajuste capitalista”, senão de uma “defesa do socialismo”.

Raúl Castro afirmou: “Devemos apagar para sempre a noção de que Cuba é o único país do mundo no qual pode se viver sem trabalhar” (Granma, 2/8/2010). A posição de Raúl parece por demais com a de qualquer patrão ou governo capitalista: os trabalhadores empregados pelo Estado são “bons vivants” que não querem trabalhar e o Estado deve livrar-se deles para que continuem suas vidas.


O segundo pós-guerra e o processo cubano

A revolução cubana, iniciada em 1959, foi parte de uma série de processos do segundo pós-guerra que deram origem a novos Estados operários com economias de transição ao socialismo (como Iugoslávia, China e Cuba), grandes conquistas dos trabalhadores, chegando a abarcar a um terço da humanidade.

Em Cuba, a direção de Fidel e Raúl Castro e a de Che Guevara não era oriunda dos partidos comunistas, senão da pequena-burguesia que lutava contra a ditadura de Batista e pela democracia. Uma vez tomado o poder, empurrada pela pressão de circunstâncias, esta direção definiu avançar além de seu programa inicial, romper com o imperialismo e a burguesia cubana e expropriá-los, e iniciar a construção do primeiro Estado operário da América Latina.

O povo cubano conseguiu avanços imensos na educação e na saúde públicas, com níveis comparáveis aos países imperialistas, e superou, nestes aspectos, o Brasil, México ou Argentina. Eliminaram-se a pobreza extrema e a miséria, algo reconhecido pelos próprios estudos dos organismos internacionais imperialistas.

Cuba converteu-se em um símbolo do que era capaz de conseguir uma revolução socialista, nas próprias barbas do imperialismo. Seus dirigentes, Fidel e Che Guevara, passaram a ser a referência política de milhões de lutadores e revolucionários no mundo.

Mas, desde o início, essa direção reproduziu em Cuba o modelo burocrático e antidemocrático do stalinismo soviético, conhecido como “socialismo em um só país”. Coerente com essa posição, em sua política externa sempre primou pela defesa de seu próprio Estado e pela busca de acordos com governos burgueses “amigos” em detrimento do desenvolvimento dos processos revolucionários, como o mostram seu apoio aos governos de Juan Perón, na Argentina, e de Velasco Alvarado, no Peru, na década de 1970. Essa foi sua orientação à direção sandinista em 1979, de não avançar para a expropriação da burguesia e a construção de um novo Estado operário na Nicarágua.


A restauração em Cuba

A partir da segunda metade dos anos 70, os desastres da direção burocrática e a mudança nas condições econômicas internacionais levaram à estagnação e às crises das economias de transição nacionais em todo o Leste. A burocracia stalinista abandonou qualquer defesa das bases dessas economias e começou a aplicar, de modo cada vez mais acelerado, planos restauracionistas.

Em Cuba, entre 1977 e 1983, foram feitas uma série de reformas pró-capitalistas isoladas e parciais, que prepararam o caminho, mas que ainda não significavam a restauração do capitalismo. Nesse período, legalizaram-se as cooperativas e liberaram-se uma série de trabalhos e profissões à atividade privada.

Mas, a partir de 1990, teve uma mudança de qualidade: depois da restauração capitalista na URSS, em 1986, e a queda da própria URSS, em 1991. A crise da economia cubana deu um salto, debilitada ainda mais pela suspensão da ajuda que antes lhes prestava a burocracia soviética.

A direção castrista, com o próprio Fidel no comando, passou a aplicar uma política plena de desmonte das bases essenciais do Estado operário. Com essa política, deixaram de existir: a expropriação das principais alavancas da economia, sua centralização em mãos do Estado, o plano econômico estatal planificado centralmente e também se terminou com o monopólio do comércio exterior. Foram todas medidas tomadas nos anos 90, como a dissolução da Junta Central de Planejamento (1992), a autorização às empresas para comercializar livremente com o exterior e a Lei de Investimentos Estrangeiros (1995) que permitiu a existência de empresas privadas estrangeiras com direito a repatriar até 100% de seus lucros. Cuba voltou a ser um Estado capitalista porque sua economia ordena-se agora ao redor do pleno funcionamento da lei do valor e da busca do lucro privado.


A penetração imperialista na ilha

A restauração não se expressou na volta da velha burguesia gusana [1] de Miami, senão no domínio cada vez maior de sua economia por parte dos imperialismos europeus, especialmente o espanhol e o canadense, em ramos centrais como o turismo e o comércio, com uma dinâmica cada vez mais semi-colonial.

No setor de turismo, o que mais contribui ao país com rendimentos em dólares, quase a metade dos quartos disponíveis são administradas por empresas estrangeiras, com forte peso espanhol, por meio dos grupos Sol-Meliá e Barceló.

Na mineração de níquel e cobalto (Cuba ocupa o primeiro e segundo lugar mundial em reservas, respectivamente), a empresa cubano-canadense Metalúrgica de Moa, com participação da multinacional Sherritt, controla 40% da exportação total do níquel.

No setor petroleiro, abriu-se a exploração de áreas do golfo do México para Repsol- YPF, Petrobrás, Ocean Rig (Noruega) e Sherritt Gordon (Canadá). Na construção, começam a ter peso os capitais israelenses, que, por meio da empresa Waknine e Beresousky, também controlam 68% da comercialização de cítricos e sucos. O mesmo ocorre nas tradicionais produções de fumo e rum. A principal produtora de charutos de Cuba vendeu 50% a Altadis, hoje parte do grupo inglês Imperial Tobacco, e a empresa fabricante do famoso rum Havana Club passou a ser controlada pelo grupo francês Pernod-Ricard.

Portanto, hoje Cuba não está isolada comercialmente e, pelo contrário, recebe investimentos de todo o resto do mundo.

Na verdade, teve um período inicial em que, devido à expropriação da burguesia, o imperialismo tratou Cuba como sua inimiga, fez tentativas de invasões como a da Baía dos Porcos, planejou atentados e construiu um forte bloqueio político e comercial. Mas a partir dos anos 80 e 90, com as aberturas ao mercado e depois a restauração do capitalismo, cada vez mais setores do próprio imperialismo passaram a comerciar e investir em Cuba, em especial o imperialismo europeu.

Somente o imperialismo norte-americano mantém um bloqueio comercial, em função da burguesia gusana que tem força dentro dos EUA e que exige a manutenção do bloqueio para garantir a recuperação de seus bens expropriados depois da revolução. Mas inclusive em relação aos EUA, em que pese às leis que impedem um comércio completo com Cuba, o comércio com a ilha vem crescendo principalmente no que está permitido. Isto ocorre porque cada vez mais setores da burguesia ianque querem liberdade para poder investir e comercializar com Cuba e não perder para os seus competidores essas oportunidades. Por isso, os EUA já estão hoje entre os 5 maiores sócios comerciais de Cuba.


As similaridades com a China

Pode parecer estranho que falemos de restauração capitalista quando permanecem no poder os mesmos dirigentes que encabeçaram a revolução e que falam permanentemente da “defesa do socialismo”. Este último não significa nada: Gorbachov, na ex-URSS, e os dirigentes do Partido Comunista chinês trataram de esconder sua política de restauração com discursos "socialistas".

Mas se na Rússia e no Leste da Europa os PCs (Partidos Comunistas) perderam o poder, o processo chinês mostrou que pode ser restaurado o capitalismo sem mudar o regime político. O PC chinês conservou seu poder hegemônico, mas o país deixou de ser um Estado operário e passou a ser um país capitalista administrado pelos dirigentes do PC, que se beneficiam com os novos negócios.

Na China, o fato de que o regime político seja dominado de modo ditatorial pelo PC, longe de frear a restauração capitalista, favoreceu-a dando lugar a um dos maiores níveis de exploração dos trabalhadores no mundo.

A verdade é que, para além das diferenças entre ambos os países, em Cuba se deu um processo similar à "via chinesa” ao capitalismo: a restauração foi impulsionada pelo PC. Não é casual que o mesmo Fidel Castro fale de modo elogioso do “modelo chinês”.


Basta de manchar o nome do socialismo

Tanto o governo cubano como seus defensores nacionais e internacionais reconhecem a existência destas medidas. Mas dizem que se trata da “defesa do socialismo”! Basta de manchar o nome do socialismo chamando de “transformações necessárias” a brutal exploração dos trabalhadores na China ou o plano de ajuste capitalista do governo dos Castro!

Aqueles que honestamente crêem defender o socialismo apoiando e justificando estas medidas prestam um desserviço à verdadeira luta pelo socialismo. Porque milhões de trabalhadores no mundo, ao ver a realidade cubana ou chinesa, vão pensar: “para que lutar pelo socialismo se significa a mesma exploração ou o mesmo plano de ajuste que vivo sob o capitalismo?”.

A verdadeira defesa do socialismo passa hoje em Cuba por impulsionar a luta dos trabalhadores contra este plano de ajuste e contra o governo que o aplica, e apoiá-las e defendê-las quando essas lutas comecem a surgir. Passa também por exigir as liberdades democráticas, o direito de greve e a possibilidade de organizar livremente sindicatos independentes do estado para que os trabalhadores possam se defender dos ataques do governo.

Somente desenvolvendo as lutas contra o ajuste capitalista do governo cubano, será possível preparar as bases para uma revolução socialista que realmente leve a classe operária ao poder.

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Notas:
[1] Gusanos: a palavra significa literalmente vermes. Assim é conhecida a burguesia reacionária de Cuba que se exilou na Flórida, EUA.


Retirado do Site do PSTU