sábado, 23 de julho de 2011

Militante do PSTU lança livro em Natal

O militante do PSTU e diretor sindical no Rio Grande do Norte, Juary Chgas, lançou seu livro "Sociedade de Classe, Direito de Classe" na noite da última quarta-feira, dia 20, no Sindicato dos Bancários, em Natal. O livro traz uma abordagem sobre o conceito de direito na perspectiva marxista, sua relação com a troca de mercadorias e como ele é usado para assegurar a exploração dos trabalhadores.

O lançamento contou com a presença de cerca de 60 pessoas, entre militantes, estudantes de Direito, professores e dirigentes sindicais. Durante o evento, houve também uma exposição da obra seguida por um debate. O professor da UFRN e magistrado do TRT/RN, Zéu Palmeira, e a professora potiguar Amanda Gurgel prestigiaram a atividade.

O professor Zéu elogiou Juary pela coragem de se lançar em um debate tão difícil e ao mesmo tempo tão importante no âmbito do Direito. "Em um de seus versos, Renato Russo cantava: 'quem roubou nossa coragem?'. Neste livro, resgantando a perspectiva marxista da história do direito, Juary faz debate muito corajoso.", disse o professor.

Em sua exposição, Juary Chagas explicou que o direito surgiu junto com a troca de mercadorias entre os homens e afirmou que ele serve para manter o domínio das regras jurídicas de um classe dominante. "O direito existe para manter uma suposta harmonia social, serve para regular, vigiar e punir aqueles que transgridem essa ordem. O direito na sociedade de classe é também um direito de uma classe.", destacou.

O diretor do Sindicato dos Bancários concluiu dizendo que o futuro da sociedade cabe aos trabalhadores decidirem. "Será a luta de classes o aspecto determinante para sabermos se os trabalhadores conseguirão ou não construir um estado transitório a sua imagem e semelhança, assim como um direito transitório para garantir suas conquistas contra a burguesia.", finalizou.


Exposição do professor Zéu Palmeira: "Juary faz um debate corajoso.".

Autor da obra, Juary afirmou que o direito serve para regular, vigiar e punir.

Ao final do debate, Juary autografou os livros dos leitores

Cerca de 60 pessoas compareceram ao lançamento.

Professores elogiaram o trabalho de Juary

Estudantes de Direito estiveram presentes

A diretora do Sindicato dos Bancários, Marta Turra, prestigiou o companheiro de entidade

Defensora da educação, a professora Amanda Gurgel também participou do evento


Retirado do Blog do PSTU/RN

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Gays, lésbicas e travestis pobres no Rio: entre a cruz e a espada

Ser gay, lésbica, bissexual, travesti ou transexual (LGBT) e, ainda por cima, pobre implica em uma situação de alto risco, como demonstra a espantosa realidade nas comunidades pobres do Rio e da Baixada Fluminense.

 
Uma reportagem intitulada “Gays são caçados nas favelas do Rio pelo tráfico e pela milícia”, escrita pelo jornalista Mahomed Saigg para o “O Dia”, do Rio de Janeiro, no dia 5 de julho, deu nomes e rostos para uma realidade que, apesar de constantemente denunciada, muitas vezes é menosprezada: ser parte da comunidade LGBT neste país é sinônimo de situação de risco.

Um risco muitas vezes letal, como há décadas o Grupo Gay da Bahia vem denunciando através de pesquisas que demonstram que o Brasil detém o vergonhoso recorde de ser o país onde mais se matam homossexuais: desde 1980, já foram contabilizadas 3.300 mortes, o que significa que um membro da comunidade LGBT é assassinado a cada dois dias.

Ao contrário do que a propaganda oficial e as ilusões alimentadas por alguns setores do movimento nos querem fazer acreditar, a tendência não está diminuindo: em 2008, foram 189 assassinatos; em 2009, 198 mortes; e, em 2010, o número saltou para 254.

A “novidade”, ainda mais sórdida, revelada pela reportagem (baseada em uma pesquisa feita pela ONG Conexão G, localizada na Maré) é que, nas comunidades empobrecidas, a comunidade LGBT está sendo cercada e brutalizada por todos os lados (pelas milícias paramilitares, pelos narcotraficantes e pelos agentes das malfadadas Unidades Pacificadoras), o que tem provocado uma situação ainda pior: todos os dias pelo menos um homossexual é agredido e muitos deles são mortos, literalmente, com requintes de crueldade.

O terrível quadro descrito pelo repórter foi baseado em relatos e histórias pra lá de reais. Cabe citar algumas delas.


“Estupro corretivo” para lésbicas

Vergonhosamente, são inúmeros os exemplos mundo afora de situações em que o estupro é utilizado como forma de “punição” ou “lição”. Basta lembrar as barbáries do Vietnã, os horrores da Bósnia ou os absurdos praticados por fundamentalistas de vários credos religiosos.

Dentro da comunidade LGBT, há milhares de casos de mulheres que foram agredidas e violentadas “para aprenderem a ser mulher”. Algo geralmente ainda mais violento (e não raramente fatal) no caso das mulheres negras, já que os machistas/racistas acreditam que particularmente estas mulheres devem ser punidas por não aceitarem o papel que o mundo capitalista lhes reservou: o de objetos sexuais.

Na reportagem, esta situação foi exemplificada por Patrícia, ex-moradora da Zona Sul do Rio que, durante oito meses, mudou-se para o Morro da Previdência para viver com sua namorada. Obrigada a sair da comunidade, Patrícia explicou o porquê da decisão: “Além de bater nos gays e travestis, os bandidos ficam ameaçando estuprar as lésbicas. Fazem um terror psicológico insuportável (...), dizem que a garota só se tornou homossexual porque não conheceu homens de verdade. E que darão ‘um jeito’.”

Experiência semelhante foi vivenciada pela comerciante Jucyara Albuquerque, moradora de Mesquita, na Baixada Fluminense. Assumida desde os 16 anos, Jucyara tem um longo histórico de agressões: “Já sofri muito por causa da minha orientação sexual. Certa vez cheguei a ser espancada por dois homens que me agrediram enquanto eu trabalhava. Eles simplesmente chegaram, começaram a me xingar porque souberam que eu era lésbica e partiram para cima de mim. Fiquei com o corpo todo machucado”.


A violência das ruas, na própria vizinhança

Vitimadas pela discriminação, pelo preconceito e, consequentemente, empurradas para a marginalidade (inclusive para a prostituição), travestis são vítimas preferenciais da violência homofóbica. Dentre os 198 mortos em 2009, por exemplo, 72 (59%) eram travestis.

Além da situação vulnerável, da impossibilidade de se esconderem dentro dos “armários” e, muitas vezes, da falta de apoio de setores do movimento LGBT (que também não escondem seus preconceitos), travestis são utilizadas como “alvos” nas ruas e, como a reportagem demonstra, não encontram sossego nem em suas próprias casas.

É o que relata Marcela Soares, moradora da Favela do Timbau, na Maré e que (infelizmente como uma exceção à regra que expulsa travestis também das escolas) é formada em Moda. Afirmando que teve muitas amigas torturadas e perdeu outras tantas, assassinadas, Marcela constata: “Isso já está se tornando comum nas favelas. E a gente não pode fazer nada senão morre também”.


Expulso, de novo, de casa

Ser expulso de casa é outra das experiências que fizeram e fazem parte da vida de milhões de LGBT’s. Em um ambiente mergulhado na violência institucional (das forças militares e policiais) e criminosa (dos narcotraficantes e das milícias), a forma de expulsão pode ser literalmente explosiva.

O professor Carlos (nome fictício), por exemplo, em 2007 viu sua casa, na Vila Cava (subúrbio carioca), ser incendiada e todos os seus bens consumidos pelo fogo: “Estava dormindo e acordei com a casa em chamas. O fogo já estava por toda parte (...) Na rua, havia várias pessoas que, mesmo com meus pedidos de ajuda, permaneceram de braços cruzados. Alguns até dizendo que ‘veado’ tinha que morrer mesmo”.


“Veado tem que morrer”

Já houve quem dissesse que o projeto das chamadas Unidades Pacificadoras que estão ocupando os morros cariocas é impor a “paz” através da eliminação (física, inclusive) de qualquer voz de protesto ou questionamento.

Algo evidente no caso dos LGBT´s, como exemplifica o relato do cabeleireiro Vando Silva, morador do Morro Santa Marta, ele próprio vítima da UPP: “Não aguento mais tanta repressão. Não consigo mais ser eu mesmo! Antes da ocupação, também tínhamos problemas, mas agora a situação piorou muito, porque com a polícia não tem conversa, estamos sempre errados. Eles me bateram porque disseram que ‘veado’ tinha que morrer”.

Ainda segundo o relato, se já é difícil para os moradores em geral denunciar as agressões e abusos, no caso de LGBT´s a situação é ainda pior, já que, além da tradicional recusa por parte das forças policias e da “justiça” em registrar os casos de homofobia, há o temor permanente de represálias.


Quanto o explorado também oprime...

Há uma crença de que o preconceito seja algo diferente nas comunidades mais pobres. Afinal, como as pessoas se movem por necessidades muito mais concretas (a sobrevivência, essencialmente), que demandam vínculos de solidariedade mais estreitos, não haveria tanto espaço para a discriminação.

Isto, no entanto, é apenas parte da realidade. Uma parte muito pequena, lamentavelmente. A verdade é que a homofobia corre solta, e a largos passos, nas comunidades pobres. E, por isso mesmo, tem que ser discutida e combatida.

O que, de forma alguma, significa perder a perspectiva de classe que está intimamente relacionada a toda esta história. Ou seja, o fato de gente pobre, majoritariamente negra, e, inclusive, mulheres discriminarem e atacarem homossexuais de sua própria classe não pode ser visto como uma “característica” da classe e muito menos como a principal fonte da homofobia.

As nefastas práticas relatadas pela reportagem são os resultados de séculos de propaganda ideológica feita pelos verdadeiros responsáveis por estes crimes: a classe dominante, seus meios de comunicação, suas escolas, suas instituições políticas e religiosas que, há séculos, “educam” a população a odiar, menosprezar e, se possível, eliminar gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais.

Por isso mesmo, por mais que seja urgente denunciar e combater a situação relatada, acima de tudo é necessário fazer um trabalho de esclarecimento e discussão política nestas comunidades, localizando a origem e as razões da opressão, identificando os verdadeiros inimigos (no caso, tanto as milícias, quanto as UPP´s e os narcotraficantes) e conquistando esta população para lutar, juntamente com todos os demais oprimidos e explorados contra o sistema que cria estas situações. Uma tarefa nada fácil. Mas fundamental, até mesmo porque de seu sucesso dependem as vidas de milhares de pessoas.


Entre a cruz e a espada, a única saída é a luta

Analisando os dados, Gilmar Santos, presidente do Grupo Conexão G, que realizou a pesquisa, não tem dúvidas de que os números da violência podem ser muito maiores: “A opressão contra os homossexuais nas favelas vem aumentando a cada dia. Nas pesquisas de campo a gente descobre que a maioria dos casos não é registrada. E, mesmo quando as vítimas resolvem procurar a polícia, muitos preferem não revelar sua orientação sexual por temer mais violência”.

Diante dos números, o presidente do Grupo Gay da Bahia, Marcelo Cerqueira, ameaçou denunciar o governo brasileiro à Organização das Nações Unidas e à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos, responsabilizando-o por aquilo que ele chamou de “homocausto” que está ocorrendo no Brasil.

Uma iniciativa prá lá de louvável, mas cuja eficiência todos nós conhecemos. Não só porque não temos a mínima confiança no compromisso da ONU no combate à opressão, mas também porque já sabemos o quanto o governo brasileiro está preocupado com o tema. Basta lembrar os destinos de dois de seus “projetos”, o “Brasil sem homofobia” e o “kit anti-homofobia”.

Por isso mesmo, a única saída é a luta. Tanto contra a “espada” impiedosa levantada pelas polícias, milícias, narcotraficantes e homofóbicos de todos os naipes, quanto a “cruzada sagrada” que, com a benção de Dilma, do Congresso e todas as instituições da classe dominante têm alimentado a homofobia que, agora, vemos explodir nas comunidades carentes do Rio.


Retirado do Site do PSTU>

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Assassino de Gildo Rocha tem mais uma vez o julgamento adiado

Militante do PSTU foi assassinado por policiais em 2000. Já são 11 anos de impunidade. Novo julgamento ainda não tem data para acontecer


Segundo informa a assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, o julgamento do policial que matou o gari Gildo Rocha em 2000 foi adiado pelo fato do réu alegar problemas de saúde. O julgamento seria nesta quinta-feira, dia 21, às 9 horas, e não tem nova data marcada.

Gildo Rocha foi barbaramente assassinado durante uma atividade sindical por dois policiais civis, um deles já falecido. O caso, de grande repercussão, chamou atenção na época pela arbitrariedade da ação, que inclusive contou com a prática de forjar provas falsas. Os policiais alegaram que Gildo estava armado e sob o efeito de drogas. Perícia comprovou que nenhuma das alegações era verdade.




Gildo era militante do PSTU e membro do Sindicato dos Servidores do Governo do Distrito Federal. Deixou mulher e dois filhos. Desconsolada, a viúva de Gildo, Gleicimar Souza, não acreditava em mais um adiamento do julgamento e na impunidade que já dura 11 anos. ”Não tenho nem palavras para descrever o que estou sentindo agora, é muito revoltante”, afirmou.


SAIBA MAIS

  • Julgamento ocorre após 11 anos do assassinato de Gildo

  • Arquivo: entrevista com viúva de Gildo: ‘Para Justiça, meu marido foi culpado pela própria morte


  • Retirado do Site do PSTU

    Abuso sexual não tem graça

    Talvez você não perceba. Talvez até ache graça. Mas a violência contra as mulheres está sendo incentivada dentro da sua casa, de forma nada sutil, no humorístico Zorra Total. No principal quadro do programa, chamado “Metrô Zorra Brasil”, todos os sábados à noite, duas amigas travam um diálogo dentro do vagão lotado. Na fórmula do roteiro, lá pelas tantas, em todos os episódios, um sujeito se aproxima, encosta e bolina a mulher de várias formas. No episódio do dia 9 de julho, o quadro mostrou a mulher sendo “tocada” em suas partes íntimas com a “batuta” de um maestro.

    A mulher atacada, Janete (Thalita Carauta), cochicha com sua amiga Valéria (Rodrigo Sant’anna), que, ao invés de defendê-la, diz: “aproveita. Tu é muito ruim, babuína. Se joga”. A claque ri.

    O ataque relatado pelo programa acontece todos os dias com milhares de mulheres no nosso país. Só nós mulheres podemos medir a humilhação pela qual passamos nos trens e ônibus lotados e suas consequências. Não tem graça.

    No metrô de São Paulo, o mais lotado do mundo, numa manhã de abril, uma jovem trabalhadora foi violentada sexualmente num vagão da linha verde, considerada uma das melhores. Um crápula a segurou pelo braço, ameaçou, enfiou a mão sob sua saia, rasgou sua calcinha e a tocou. Os passageiros perceberam, tentaram agir, mas o homem fugiu. O caso foi registrado como estupro na 78º DP da capital paulista. Impossível rir disso.

    É sabido que a Rede Globo nunca foi uma defensora das mulheres e da diversidade. Neste momento mesmo, o diretor-geral da emissora exigiu que os autores da novela Insensato Coração acabassem com comentários favoráveis às bandeiras gays, e recomendou menos ousadia nas cenas entre os dois personagens homossexuais.

    Mas o Zorra Total foi longe demais. O quadro do programa incentiva a violência contra às mulheres e o estupro, de uma forma sistemática, já que o ataque é parte da estrutura permanente do texto. Ou seja, todas as semanas, a Rede Globo diz que as mulheres que sofrem abuso sexual devem “aproveitar” e “agradecer”, como se fosse uma dádiva.

    Repete a lógica do humorista Rafinha Bastos que, pelo Twitter, escreveu que as feias deveriam agradecer ao serem estupradas. E está sendo processado por isso.

    O quadro tem alcançado liderança de audiência nas noites de sábado, atingindo cerca de 25 pontos de audiência. Ou seja, milhões de lares recebem toda semana a mensagem de que é natural abusar sexualmente de mulheres no metrô, nos trens, nos ônibus. Não é preciso muito para saber que o quadro certamente terá efeitos sobre esse público, naturalizando a violência contra a mulher, diminuindo a gravidade de um crime, tornando-o algo menor, sem importância.

    Essa brincadeira não tem graça. É no mínimo lamentável que o talento da dupla de humoristas esteja sendo desperdiçado em um quadro que incentiva o ataque às mulheres trabalhadoras. É revoltante que a emissora líder mantenha um programa que defende práticas tão nefastas, num país onde uma mulher é violentada a cada 12 segundos; onde uma mulher é assassinada a cada duas horas; onde 43% das mulheres sofrem violência doméstica.


    Retirado do Site do PSTU

    quarta-feira, 20 de julho de 2011

    "O direito é um instrumento de manutenção da ordem social que sempre atendeu a um interesse de classe"

    Entrevista com Juary Chagas, autor de 'Sociedade de classe, direito de classe'


    Capa do livro de Juary Chagas
    O jovem potiguar Juary Chagas tem apenas 30 anos, mas já acumula uma intensa história militante em defesa dos trabalhadores e do socialismo. Em 2000, entrou para o movimento estudantil da UFRN e passou a lutar contra as reformas neoliberais na universidade. Quatro anos depois, começou a trabalhar no setor bancário e em 2006, participou da fundação da Conlutas (hoje CSP-Conlutas). Posteriormente, ingressou no PSTU e foi eleito para a direção do Sindicato dos Bancários do Rio Grande do Norte. Bacharel em Direito e pós-graduando em Serviço Social (ambos pela UFRN), Juary Chagas está lançando seu livro Sociedade de Classe, Direito de Classe pela editora Sundermann. Em entrevista ao Portal, Juary falou sobre o conceito de direito, sua relação com a troca de mercadorias e como ele é usado para assegurar a exploração dos trabalhadores.


    Portal do PSTU: De que forma você poderia definir o conceito de direito?

    Juary Chagas:
    Há uma frase fabulosa de Karl Marx que diz que “os homens fazem sua história, mas não como querem e sim sob determinadas circunstâncias herdadas e transmitidas pelo passado”. Pensar sobre essa reflexão significa entender que os homens, entendido como ser humano, e, portanto, contemplando os homens e as mulheres, atuam sobre a realidade e a modificam, mas o fazem partindo do que existe materialmente na realidade. O direito, portanto, não foi criado porque simplesmente alguém, em um determinado tempo da história, entendeu que seria importante produzir leis, regras e instrumentos punitivos para manter uma suposta “harmonia social”. O direito surge porque o homem, em um dado tempo histórico, se envolveu em relações de trocas mercantis.

    Quando este homem passou, há muito tempo, a produzir bens para além da sua capacidade de consumir, estes objetos foram transformados em mercadorias, em algo com um valor de troca. Essa troca mercantil, a partir da qual os indivíduos se vinculam socialmente por meio de um contrato privado, é o que dá origem às primeiras relações jurídicas e é daí que todo o resto se desenvolve. O direito então passa a ser um instrumento que não apenas estabelece uma mediação contratual nessas relações econômicas, mas se volta para a proteção da posse dos meios sociais de produção (a terra, as matérias-primas e, posteriormente, as manufaturas, as indústrias, etc.) através dos quais o homem transforma a natureza e produz as riquezas.

    Como forma de garantir essa proteção das mercadorias e dos meios de produção, foram então criadas as ferramentas jurídicas (o aparato judiciário, os tribunais, etc.) para coagir e punir, através dos instrumentos estatais, aqueles que porventura fossem de encontro a essas relações sociais que se estabeleceram. Portanto, podemos definir o direito como um conjunto de relações que expressam e se originam das formas mercantis, devidamente asseguradas pelo poder organizado do Estado. Mas esta é apenas parte da definição. E é aí que entra com força o pensamento marxista para explicar com profundidade o caráter dessas relações a partir do antagonismo entre as classes sociais e, dessa forma, revelar o papel do direito.


    Portal: De fato, seu livro ressalta claramente uma perspectiva marxista do direito. No que consiste essa perspectiva?

    Juary Chagas:
    Consiste precisamente nessa iniciativa de revelar o direito como um objeto rico em determinações, vinculado à estrutura material da sociedade e às modificações históricas operadas pelo homem como um ser social. Isto significa que o direito, além de um produto de determinações materiais (no caso, principalmente a mercadoria), é também um instrumento que se vincula aos interesses dos grupos sociais que detém a propriedade dos meios de produção e ditam o funcionamento do circuito mercantil. O principal mérito da teoria marxista não é somente, portanto, o de estabelecer uma explicação científica do direito, buscando explicitar todos os elementos que o constituem.

    Além disso – que já seria um legado muito mais notável do que o de qualquer outra teoria que se ocupou em explicar o direito –, o marxismo é a teoria e o método que dissolve a hipocrisia do direito e retira-lhe a máscara de “universal”. Sobretudo no capitalismo, o direito é entendido no senso comum como um instrumento realizador de justiça, como algo criado pelos homens e mulheres para que se mantenha o “equilíbrio” social, em base a um interesse geral, comum a todos. É como se a sociedade funcionasse como um organismo saudável e as ações humanas que venham perturbar essa “saúde” fossem os objetos merecedores da regulação do direito enquanto ferramenta de manutenção de uma “harmonia” social promovedora do “bem comum”. Essa harmonia social não pode existir numa sociedade dividida em classes. Daí o título “Sociedade de classe, direito de classe”.

    Analisando o direito a partir do surgimento da mercadoria e localizando historicamente este fato social como vinculado a uma luta travada entre as classes pela posse dos meios sociais de produção através do qual o homem produz – por meio do trabalho – as riquezas, é que o marxismo mostra como o direito além de advir da mercadoria e ser assegurado pelo poder do Estado, também é um conjunto de relações que corresponde à manutenção dos interesses da classe dominante, na medida em que existe para assegurar essas relações mercantis que lhe deram origem.


    Portal: E por que o direito não pode ser universal? Não há possibilidade de um direito igual, acima das classes?

    Juary Chagas:
    O direito não pode ser universal porque ele surge precisamente para regular a forma da mercadoria e assegurar sua livre circulação. Quando Marx e Engels disseram que “a história da humanidade [após o comunismo primitivo] é a história da luta de classes”, eles não estavam jogando palavras no vazio. Existiu um tempo em que os homens, por razões históricas, produziam apenas para a sua sobrevivência. Ali não existiam classes sociais, pois os meios de produção eram coletivos e a apropriação do produto do trabalho coletivo era igualmente coletiva. Da mesma forma, não existiam mercadorias, pois não existia excedente de produção para ser trocado. Também não existia o direito, pois não havia a necessidade de estabelecer contratos privados em razão da ausência da mercadoria. As regras e as “leis” sequer poderiam ser consideradas como direito tal qual conhecemos, uma vez que existiam em base aos costumes e não havia nenhum poder organizado, no caso o Estado, para garantir sua aplicação.

    Ocorre que, com o desenvolvimento das técnicas, o homem passou a produzir para além da sua subsistência, fazendo surgir a mercadoria e as primeiras relações jurídicas. Isso criou a possibilidade de que determinados grupos sociais – também por razões sócio-históricas e não morais – aspirassem a apropriação dos meios de produção a partir dos quais os homens poderiam produzir tais mercadorias e, posteriormente, trocá-las. A partir daí, a luta entre as classes produziu o Estado, e o direito começa a se desenvolver com suas relações jurídicas contratuais e de propriedade passando a ser asseguradas pelo aparato estatal. Ora, na medida em que as normas jurídicas se voltam para assegurar as relações de uma sociedade em que determinada classe conquistou o poder e escravizou outras para que estas produzissem valores de uso e de troca em interação com os meios de produção que passaram a ser privados; o direito vincula-se ao asseguramento da ordem atual e dos interesses de classe que mantém tais relações, muitas vezes inclusive justificando sua existência ideologicamente nas crenças e religiões.

    Na sociedade feudal, essa dinâmica também não foi diferente. A transição do escravismo para o feudalismo foi marcado pela mudança do trabalho escravo para o trabalho servil e o direito feudal também existia claramente como mantenedor das relações mercantis vigentes e do domínio dos suseranos sobre os vassalos. E no capitalismo essa característica também se mantém. A diferença fundamental é que no capitalismo o trabalho é assalariado, ou seja, a própria força de trabalho é também uma mercadoria e isso coloca o direito num patamar superior e muito mais mistificado. Na medida em que os trabalhadores são supostamente livres para vender sua força de trabalho, o direito passou também a assegurar a própria relação de assalariamento, mas obscurecendo o fato de que a propriedade privada dos meios de produção segue existindo.

    Assim, o direito no capitalismo é, da mesma forma, um direito que se vincula à mercadoria e que assegura a sua livre circulação, em base à propriedade e as relações que existem na estrutura da sociedade. Não há, no capitalismo, direito que questione a propriedade privada, a exploração do trabalho, a mais-valia ou o mecanismo de reprodução do capital. Pelo contrário, o direito, na medida em que está vinculado à forma mercantil, assegura essas relações e, conseqüentemente, protege os interesses da burguesia. Não é por acaso, portanto, que o direito condene as manifestações que vão de encontro à dinâmica das relações estruturantes de uma determinada sociedade.

    O direito da sociedade escravocrata se ergueu contra a instituição do trabalho feudal. O direito dos regimes absolutistas apoiados no feudalismo se enfrentou com as revoluções da burguesia que clamavam por “liberdade, igualdade e fraternidade”. Da mesma forma, o direito no capitalismo amaldiçoa as greves, as mobilizações e as tentativas de revolução socialista. Por isso, não existe e nem pode existir um direito igual para todos. Porque o direito é um instrumento de manutenção da ordem social – que depois do comunismo primitivo sempre atendeu a um interesse de classe – e não de mudança, de subversão dessa ordem.


    Portal: Mas no livro você questiona se o direito pode ser emancipatório. A que conclusão chegou?

    Juary Chagas:
    Na verdade, não é um questionamento propriamente. Optei por utilizar o título “Poderá o direito ser emancipatório?”, no capítulo 4 do livro, para estabelecer uma polêmica com o Boaventura de Sousa Santos, um intelectual lusitano pós-moderno que escreveu um artigo com esse mesmo título defendendo que o direito pode ser utilizado como um instrumento de emancipação. Foi uma “provocação” que fiz justamente para concluir que o direito não só não pode ser emancipatório, como é contra-revolucionário. Isso não significa que não devamos utilizar o direito e nem disputar as eleições defendendo a classe trabalhadora, uma vez que esses instrumentos ainda não estão desmistificados aos olhos do conjunto da classe.

    A discussão é sobre que estratégia devemos orientar programaticamente os trabalhadores: se vamos fazê-los acreditar que o direito pode libertá-los ou não. Muitos acreditam que com o advento da democracia representativa, bastaria que os trabalhadores elegessem seus parlamentares e alcançassem os postos de juízes para mudar a sociedade a partir de reformas do Estado. Dessa forma, a partir de uma radicalização da democracia e da participação nesses espaços, se conseguiria aprovar leis que aumentariam os salários e os direitos dos trabalhadores progressivamente, até por fim à exploração do capitalismo. O grande problema dessa concepção é que ela não observa a condição material dos trabalhadores antes de acessarem os espaços democráticos e isso gera, fundamentalmente, dois equívocos. O primeiro é o de ignorar o mecanismo cíclico de funcionamento do capitalismo.

    O motor da sociedade capitalista é uma corrida anárquica pelo lucro, onde todos os donos dos meios de produção competem entre si para realizar a mais-valia gerada na produção através da circulação de mercadorias. Essa competição implica numa constante luta pela redução dos preços e dos custos produtivos, dentre eles o gasto com os salários. Além disso, é preciso cada vez mais substituir a mão de obra humana pela máquina, também com o objetivo de reduzir custos. Ocorre que essa é uma dinâmica que não se dá isoladamente, mas repetida pelo conjunto dos capitalistas. Com o tempo, o custo fixo com as máquinas e as ferramentas aumenta numa proporção superior ao trabalho humano, que é o único a gerar valor. Isso desencadeia um processo que Marx chamou de “queda tendencial da taxa de lucro”. Quando essa tendência chega a um nível em que a realização dos preços das mercadorias é insuficiente para produzir uma lucratividade que garanta novos investimentos, o ciclo de acumulação de capital é acometido de uma crise de superprodução. É assim que o capitalismo funciona e por isso as crises aparecem.

    Assim, com a lucratividade comprometida de tempos em tempos, como as mudanças nas leis que garantiriam aumento de salário e direitos aos trabalhadores poderiam se concretizar progressivamente e ininterruptamente? Sob o capitalismo, não podem. A única saída seria aprovar leis que colocassem fim à propriedade privada e ao trabalho assalariado, mas isso o direito não pode fazer, pois ele se assenta e protege – por meio do Estado, que também é um instrumento de classe – justamente as relações que dão origem à circulação de mercadorias, bem como os interesses das classes que dominam esse circuito. Trata-se, portanto, de uma utopia.

    O segundo equívoco é o de entender a democracia atual também como algo universal, acima das classes, como se fosse a última conquista para a libertação dos trabalhadores. Mais uma vez, um erro que desconsidera a materialidade das condições postas no capitalismo. Tanto o acesso ao poder judiciário quanto as eleições são instrumentos – por maior que sejam essas conquistas e por mais democráticas que pareçam – controlados pela classe dominante, a partir do domínio que têm do capital e do Estado. Quando os trabalhadores disputam as eleições, enfrentam não somente as regras formuladas pela burguesia e para ela. Enfrentam também os candidatos que, financiados pelos grandes empresários, têm todas as condições de chegar aos locais mais longínquos, de se tornar visíveis e comprar os pobres. Da mesma forma, para se transformarem em juízes, procuradores e advogados, os trabalhadores precisam superar a falta de uma educação pública, gratuita e de qualidade, que seja capaz de garantir o acesso em condições de igualdade nos concorridos cursos de direito.

    Trata-se de uma luta desigual, em razão da própria estrutura da sociedade, em que as possibilidades de vitória dos trabalhadores como classe, por dentro do regime, são muito remotas. E mais, ainda que os socialistas vencessem as eleições e conseguissem a maioria dos postos do judiciário, não poderiam colocar o direito contra as relações de produção que atravessam o circuito mercantil e dão sentido à sua própria existência no capitalismo, como a propriedade privada, a livre concorrência, o trabalho assalariado, etc. Como o direito no capitalismo foi forjado sobre essas bases, movê-lo contra as mesmas significaria negá-lo, o que tornaria legítimo a coerção, a movimentação da força organizada do Estado, através das forças armadas, polícias, etc., ara assegurar sua existência.

    Assim, em última instância, é a luta entre as classes que decide se determinadas relações são subvertidas ou mantidas, pois cabe ao direito vigente apenas protegê-las, sob pena da utilização da coerção por parte de quem detém o poder. Isso significa que o direito não pode ser emancipatório simplesmente porque a emancipação de uma classe pressupõe a destruição de determinadas relações de produção e de troca que são a base do próprio direito. A luta dos trabalhadores até pode se utilizar do direito, mas temos que ter clareza de que levar essa luta até o fim significa travar um combate estratégico pela destruição do direito vigente e pela construção de outro direito que corresponda a novas relações mediadas pelo domínio da nossa classe.


    Portal: Em que exemplos históricos você se apoia para defender a viabilidade de um direito da classe trabalhadora ou socialista?

    Juary Chagas:
    Primeiro, precisamos entender que do ponto de vista conceitual do marxismo não pode existir um “direito socialista”. O socialismo é uma sociedade de transição entre o capitalismo e o comunismo (uma sociedade sem classes) e, portanto, nesse patamar de desenvolvimento histórico o direito só pode ser uma coisa a ser combatida, uma vez que a supressão das classes sociais em direção ao comunismo pressupõe o fim das trocas mercantis (o produto do trabalho socialmente produzido é também socialmente planejado e distribuído), o que poria fim ao direito e estabeleceria uma sociedade regulada novamente pelos costumes, tal qual o comunismo primitivo, só que num patamar de desenvolvimento das forças produtivas infinitamente superior e em quantidade e qualidade suficientes para todos viverem muito bem.

    Ocorre que o socialismo é um horizonte possível, mas ainda muito distante dos dias de hoje. Antes de construirmos de fato essa sociedade que rume ao comunismo, que por sua vez libertaria verdadeiramente os homens e as mulheres de toda a exploração e opressão, precisamos avançar para destruir o capitalismo e edificar o socialismo. E isso, como já disse, só é possível através da luta de classes, de uma revolução. Só que as revoluções são iniciadas na arena nacional e, mesmo que tenham caráter socialista, não podem decretar o socialismo em um só país, pois o capitalismo é uma forma social enraizada mundialmente.

    Assim, quando os trabalhadores fazem uma revolução em determinado território, eles não podem dar um salto no desconhecido. É preciso organizar um Estado e um direito transitórios, que atenda a seus interesses, para assegurar as conquistas da revolução e fazê-las avançar para a arena internacional. Nesse momento, o capitalismo ainda segue existindo e este Estado segue se envolvendo em relações capitalistas, como as trocas mercantis, no entanto, ao ser edificado como um instrumento que atende aos interesses da classe que está no seio da contradição existente entre o trabalho social e a apropriação privada, esse direito “de transição”, como eu prefiro denominar, é o que pode não somente coagir a ação da burguesia que insistentemente se enfrenta com a revolução para fomentar o pleno resgate do capitalismo e todas as suas relações; mas, sobretudo, proteger os interesses igualitaristas dos trabalhadores dentro dessa sociedade de transição.

    Um exemplo real que expressa bem esse contexto é a Revolução Russa de 1917. Após a tomada do poder pelos bolcheviques, foi construído um Estado operário e o direito, até então genuinamente burguês, foi modificado. Os trabalhadores, através dos sovietes, incorporaram poderes executivo, legislativo e judiciário, elegendo seus representantes diretamente e podendo revogar seus mandatos. Uma das primeiras leis elaboradas pela revolução foi o decreto que expropriou os latifundiários, sem indenização. Isso só foi possível porque o Estado controlado pela burguesia foi destruído e foi edificado outro em seu lugar, que daí em diante passou a assegurar um direito diferente, que não era nem genuinamente burguês e nem “socialista”, mas que naquele momento foi fundamental para manter as conquistas da revolução e, sem dúvidas, poderia cumprir um papel muito superior caso todas essas vitórias não tivessem sido destruídas pelo stalinismo – que transformou o Estado operário numa ditadura contra o povo e, posteriormente, restabeleceu todas as relações capitalistas na Rússia.

    Hoje, como não temos mais nenhum Estado operário erguido no mundo, incluindo nesse rol Cuba, China e Coréia, a tarefa colocada para os trabalhadores é seguir lutando, resistindo contra as investidas dos patrões e dos governos, e acumulando forças na direção de novas revoluções – como as que ocorrem hoje no norte da África e no Oriente Médio, e que, sem qualquer sombra de dúvida, se enfrentam com o direito ali vigente.


    Portal: Seu livro “Sociedade de Classe, Direito de Classe” é resultado de seu trabalho final no curso de direito. De que modo você espera contribuir na elaboração teórica desta área do conhecimento?

    Juary Chagas:
    Este livro tem uma história interessante. Na verdade, em nenhum momento planejei escrevê-lo. Tudo começou em 2010, com a monografia de conclusão do meu curso de direito, na UFRN. Sendo uma tarefa obrigatória, resolvi fazê-la unindo-a a um interesse de classe, contribuindo com elaborações teóricas que pudessem ajudar a luta dos trabalhadores pela transformação da sociedade. Depois de concluído o trabalho é que surgiu o interesse de transformá-lo num livro e publicá-lo. Eu acredito profundamente naquele ensinamento de Lenin que diz que a luta da classe trabalhadora pelo socialismo tem três dimensões: econômica, política e teórica.

    Essas três dimensões só podem ser divididas para efeitos analíticos, pois a ausência de qualquer uma delas torna nossa luta contra o capitalismo incompleta. Digo isso porque, antes de pensar em contribuir teoricamente como marxista para o ramo do direito, a minha intenção foi de somar forças na luta prática da classe trabalhadora, contra toda a mistificação que difunde o direito nessa sociedade. Por isso que tenho dito que esta não é somente uma produção teórica, mas uma obra militante e em defesa da revolução socialista. Isto antes de qualquer coisa.

    Mas tenho ficado muito contente com a recepção que este trabalho teve também no meio jurídico. Fiz o lançamento do livro recentemente durante o 1º Congresso da Assembléia Nacional dos Estudantes Livre (ANEL) e lá esteve presente uma quantidade considerável de estudantes de direito. Todos estavam interessados em conhecer o marxismo e se munir de teoria para construir uma atuação revolucionária dentro desse meio, que é dominado por forças conservadoras. Tenho notícias de que o livro está sendo bem vendido nas universidades e também tenho recebido convites para realizar palestras, debates e até cursos sobre o conteúdo da publicação. E isso tem sido muito bom.

    Acho que ainda é cedo para fazer uma avaliação sobre uma possível contribuição minha para esta área do conhecimento, mas espero que a obra possa ajudar em alguma coisa, nem que seja levantar o debate, dentro da disputa que os revolucionários travam também na Academia. Por ser essa uma disputa que se dá numa dupla via, desvendando a hipocrisia do direito vigente e travando uma luta estratégica contra o próprio direito em si, é evidente que não é uma tarefa fácil. Mas, como diria Lenin, para os que querem um dia ver construída uma sociedade socialista, as tarefas a nós reservadas nem de longe são fáceis. Este é um desafio coletivo de todos nós, revolucionários.


    Retirado do Site do PSTU

    terça-feira, 19 de julho de 2011

    Os EUA entre o impasse político e o aprofundamento da crise econômica

    Em meio a impasse, Democratas e Republicanos concordam que os mais pobres paguem o preço da crise


    Presidente Obama durante pronunciamento na Casa Branca
    O impasse político que se arrasta nos EUA há algumas semanas fez acender o sinal vermelho da economia mundial ao mesmo tempo em que mostra que a crise desatada em 2007 está muito longe de terminar. No centro do imperialismo, a crise econômica se desdobra em uma grave luta política.

    Em resumo, o governo Obama precisa aumentar o teto do endividamento público, que lá é definido por lei, para continuar pagando as contas, principalmente os serviços da dívida pública. O impasse está nos condicionantes para tal manobra. A fim de autorizar Obama a elevar o endividamento para além dos já inacreditáveis 14 trilhões de dólares, o Partido Republicano exige um rígido programa de cortes fiscais do Estado, atingindo, sobretudo os gastos sociais. Os democratas, por outro lado, a fim de resguardar parte de seu eleitorado, querem que uma pequena parte desse ajuste, ou 20%, venha de aumento de impostos.

    Ambos, porém, concordam na meta de se reduzir em 4 trilhões de dólares o déficit público nos próximos 10 anos. No entanto, o prazo para a elevação do teto da dívida se encerra no dia 2 de agosto. O governo Obama e grande parte da mídia internacional anunciam o apocalipse caso não se chegue a um acordo até esse dia. A megapotência teria que declarar moratória em parte de suas dívidas. Investidores da dívida norte-americana ficariam a ver navios e velhinhos não receberiam suas aposentadorias. Tentam, assim, responsabilizar os fundamentalistas de direita do Tea Party pelo impasse, diferenciando-os dos democratas, supostos reféns desse jogo. Mas será mesmo assim?


    Duas faces de uma mesma política

    Os republicanos aparecem como os grandes defensores das contas públicas, enquanto o Partido Democrata tenta encarnar uma política supostamente progressiva, preocupada com os mais pobres. Tal imagem, no entanto, longe de representar duas alternativas realmente distintas, serve mais como marketing político, criando uma ilusão de alternância de poder no sistema bipartidário. Exemplos: o governo Clinton foi marcado pelo rigor fiscal, fechando seu mandato em 2000 com um superávit de mais de 5 trilhões de dólares. O início da era Bush e sua política de intervenção e ocupação militar no Afeganistão e Iraque fizeram explodir os gastos públicos e transformaram em poucos anos o superávit em déficit. Situação agravada pelo corte nos impostos dos mais ricos.

    No final de seu governo, com a popularidade desgastada e diante de um país tomado pela crise econômica, anunciou um megapacote de estímulos ao sistema financeiro de 700 bilhões de dólares. Para fazê-lo aprovar no Congresso, contou com a ajuda do já presidente eleito Barack Obama que, pessoalmente, conclamou os parlamentares a aprovarem o pacote. Ou seja, o déficit público causado pelas guerras e isenções de Bush foi aprofundado com os pacotes de ajuda a Wall Street e às empresas. O déficit passou de 2,7% do PIB em 2007 para 12,7% em 2010. Já o tal da dívida foi de 62% para quase 100% hoje. Isso significa que o valor total da dívida norte-americana é o equivalente ao valor de tudo o que o país produz em um ano.

    Mais do que rupturas, o que se pode perceber nesses anos é uma linha de continuidade cuja a essência é o privilégio aos grandes bancos e empresas. Talvez o maior exemplo disso seja a “estatização” da então combalida General Motors, salva da falência com recursos do tesouro norte-americano.

    Mas se por um lado o conjunto de pacotes e estímulos ajudaram a impedir que a recessão evoluísse para uma depressão como a dos anos 1930, por outro a anêmica recuperação já vem dando sinais de esgotamento. O crescimento do primeiro trimestre deste ano foi de 1,9%, enquanto no mesmo período de 2010 foi de 2,8%. O desemprego, que havia recuado, voltou a avançar com a desaceleração. E o horizonte não é nada alentador.


    Crise política

    A falta de perspectiva de uma solução para a crise vem se transformando cada vez em uma crise política nos Estados Unidos. Por um lado amplos setores populares que se moveram durante a campanha de Obama à presidência se desiludiram com o seu governo. À permanência das tropas no Afeganistão e a demora na retirada do Iraque se juntam a continuidade da base de Guantánamo, os programas sociais limitados, como o sistema de Saúde alardeado pelo presidente e, principalmente, o alto desemprego e a economia cambaleante. Entre Wall Street, que financiou sua campanha, e os milhares de voluntários que se moveram para elegê-lo, Obama ficou com o primeiro.

    Ao mesmo tempo tem-se o fortalecimento do Tea Party, movimento surgido em 2009 da “América profunda” e que vocaliza o pensamento mais conservador, xenófobo e racista do país. O movimento vem ganhando força, impulsiona o Partido Republicano enquanto o empurra ainda mais à direita. Se não chega a representar de conjunto uma política econômica alternativa à atual, ajuda a radicalizar a disputa política entre democratas e republicanos e pode desatar graves crises.

    Foi assim que, no final de 2010, os republicanos tiveram a maioria nas eleições legislativas e conquistaram o controle da Câmara dos Representantes. Em abril deste ano o governo quase fechou em meio a um impasse entre democratas e republicanos na aprovação do Orçamento para a administração federal. E agora, caminha-se para a mais grave crise até agora e o que poderia parecer impensável há algum tempo, os EUA declararem “default”, começa a ser cogitado.


    O que vem a seguir

    É evidente que uma moratória dos EUA não interessa aos democratas e nem aos republicanos. Como estamos cansados de ver por aqui, no jogo da disputa política entre o governo e a oposição de direita, há um limite que se esbarra na defesa dos interesses da burguesia. No caso dos EUA, se trata dos interesses do Imperialismo hegemônico no planeta.

    Os dois lados concordam em cortar gastos, inclusive sociais. Obama colocou na roda até mesmo o Medicare (serviço público de saúde para os idosos) e o Medicaid (serviço de saúde dos mais pobres) e a Previdência Pública, medidas que aumentaram ainda mais seu desgaste com os setores que o apoiavam, principalmente as centrais, como a chapa-branca AFL-CIO. O Partido Republicano, porém, exige que nem um centavo desse ajuste venha do aumento de impostos e ameaça barrar a elevação do teto da dívida.

    Uma solução, porém, já começa a ser desenhada pelo próprio lado republicano. O senador Mitch McConnell propôs que o legislativo concedesse a Obama uma autorização para que ele, unilateralmente, aumente o teto do endividamento público. Assim, o país continuaria pagando suas contas e os republicanos colocariam na conta de Obama a elevação da dívida, arrastando a crise até as próximas eleições, o significado real desse impasse.

    De fundo, os dois lados concordam que é necessário conter o monstruoso déficit. Após a gastança desenfreada para salvar empresas e banqueiros, alguém deve pagar a conta. E tanto democratas como republicanos também concordam sobre quem deve recair esse peso: nas costas dos trabalhadores e da maioria da população.


    Retirado do Site do PSTU

    Estudante defende teorias racistas em trabalhos acadêmicos

    Publicamos o artigo da companheira Vera Rosane de Oliveira, servidora da Universidade Federal do Rio Grade do Sul (UFRGS) e militante do Quilombo Raça e Classe da CSP-Conlutas, escrito em resposta às atrocidades que vem sendo ditas pelo estudante de História José Francisco Alff.

    Desde o início do ano letivo, Alff vem defendendo teorias raciais eugênicas, que beiram o nazismo, dentro das salas de aula da UFRGS. Essa postura vem revoltando a comunidade acadêmica, em especial os estudantes, que estão organizando uma série de iniciativas que exigem a expulsão imediata de Alff da Universidade, além de processos externos, que se deram devido às ameaças feitas pelo mesmo a professores do curso e estudantes do CHIST (Centro de Estudantes de História).


    Em resposta às agressões racistas

    Vera Rosane de Oliveira

    É extremamente revoltante, em pleno século XXI, vermos “teorias eugênicas” terem veiculação em espaços produtores de opinião pública, seja na academia (UFRGS) ou em veículos de comunicação de massas. Ao dizer isto, não falo de um lugar monolítico ou em detrimento ao legítimo direito de liberdade de expressão, mas me refiro à defesa patética da concepção de “boa raça”, como sugere a eugenia ao se utilizar de termos como hibridismo e de genocídio racial, expresso por este aluno de 50 anos do curso de história da UFRGS que está causando, com propriedade, repúdio e revolta de seus colegas. Antes de tudo, enfatizo e faço questão de salientar a idade do aluno, para que não venhamos a recair no equívoco de pensar que se trata de um jovem adolescente desinformado. As expressões por ele utilizadas tem um peso histórico para toda e qualquer sociedade.

    A expressão Hibridismo nos remete a ideologias racistas como as utilizadas no início do século por cientistas sociais da época; por exemplo, o médico e sociólogo Nina Rodrigues (1862-1906), que ficou famoso especialmente devido às suas teses que defendiam a radical divisão da sociedade entre raças superiores e inferiores, e a ideia de que a miscigenação racial era um dos fatores que não permitiria que o país se desenvolvesse, apresentando “argumentos” como os seguintes [1]:

    “A raça negra no Brasil, por maiores que tenham sido os seus incontestes serviços à nossa civilização, por mais justificadas que sejam as simpatias de que a cercou o revoltante abuso da escravidão (...) há de constituir sempre um dos fatores da nossa inferioridade como povo”.

    “A constituição orgânica do negro, modelado pelo habitat físico e moral em que se desenvolveu, não comporta uma adaptação à civilização das raças superiores, produtos de meios físicos e culturais diferentes”.


    Ou mesmo o historiador Silvio Romero (1851-1914), o qual, inclusive, escreveu o prefácio de Africanos no Brasil, afirmando que “o negro não é só uma máquina econômica; ele é antes de tudo, e malgrado sua ignorância, um objeto de sciencia”.

    Assim percebemos que chamar negros e mulatos de híbridos é antes de mais nada um desrespeito, pois não se trata apenas de fazer alusão a um termo científico entre dois organismos vivos. Ao lermos no dicionário de Relações Étnicas e Raciais o termo híbrido vemos que ele desenvolveu-se a partir de origens biológicas e botânicas, contudo, tornou-se um termo-chave na crítica cultural contemporânea. Se formos à etimologia da palavra, no latim hybrida significa originalmente o cruzamento de uma porca mansa com um javali selvagem... É a isto que este aluno respeitosamente denomina os “pardos, mulatos”? Isto é científico ou racista?

    Outro elemento que me deixa perplexa é a comparação que senhor Alff faz da relação interracial ou a miscigenação com o genocídio. Dei-me o trabalho de mais uma vez voltar ao dicionário de Relações Étnico-Raciais e buscar saber a origem e significado do termo genocídio, pois cheguei a pensar que este aluno talvez desejasse falar dos 150 jovens negros que morrem assassinados a cada dia em nosso país, como diz o documentário Falcão: Meninos do tráfico. No entanto, ao ver que a etimologia do termo combina do grego a palavra genos (grupo, tribo) com latim cide (matar) e que, em 1944, o jurista Raphael Lemkin buscou consubstanciar as práticas e políticas de extermínios das nações e grupos étnicos, utilizados pelo Terceiro Reich, como genocídio [...] e ainda que, o genocídio é considerado crime perante as leis internacionais, condenadas pelo mundo civilizado e cujos autores e cúmplices são passíveis de punição; realmente, não consigo aceitar que um ser racional consiga dizer que “o interracialismo é uma forma de genocídio, ainda que involuntariamente”, a menos que se esteja perante alguém que realmente acredite que existam raças/pessoas superiores ou inferiores.

    Não se trata aqui de uma defesa desenfreada pelas cotas em um momento ímpar vivido pela sociedade brasileira pós-declarações racistas e homofóbicas do “Senhor Deputado” Bossonaro ou mesmo posterior aprovação do malfadado Estatuto da Igualdade Racial, que retira do corpo do texto aprovado a obrigatoriedade das cotas e de todo e qualquer termo que faça o país lembrar sua herança escravocrata e racista. Como se ao não estar escrito ninguém saberá ou lembrará que a Sociedade Brasileira se constituiu através da herança escravocrata e que o racismo é uma prática e realidade no Brasil e no Mundo.

    Antes de tudo, trata-se de dizer em alto e bom tom que a luta e resistência dos negros e negras em nosso país não se refreará diante dos racistas de plantão, sejam eles governantes, deputados, alunos, teóricos ou cientificistas, pois como diz o poema de Bertolt Brecht – “De quem depende que a opressão prossiga? De nós, De quem depende que ela acabe? Também de nós.”


  • Assine a Petição Pública que exige a punição imediata a Alff

  • Leia um trecho do texto publicado por Alff no jornal Zero Hora, principal periódico gaúcho


  • Retirado do Site do PSTU