Ao menos 400 pessoas já foram deslocadas de suas casas por conta da repentina cheia causada pelo barramento provisório da Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Publicado em 29 de fevereiro de 2012
Desde o final de janeiro, 400 pessoas já foram deslocadas de suas casas por conta da repentina cheia causada pelo barramento provisório de um canal do Rio Xingu, na área de construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte. O alagamento tem atingido inúmeras moradias dos chamados baixões, os bairros mais pobres da periferia da cidade, ocupados por casas de palafita, às margens do rio e canais d’água.
Boa parte dos moradores foram deslocados pela prefeitura para o Parque de Exposições Agropecuárias de Altamira (Expoalta). Uma parcela menor foi para o Ginásio Poliesportivo da cidade.
As famílias foram pegas de surpresa pela enchente. “Estamos acostumados a sair no final de março, começo de abril, quando já choveu bastante e o rio enche muito”, comenta o pescador Manuel, do bairro Invasão dos Padres, que teve sua casa destruída pela cheia e está vivendo precariamente no Parque.
Precariedade
“Eu nunca vinha pra cá. Sempre que enchia, eu alugava uma coisa pra minha família, aí a gente ficava lá uns dois meses. Mas com essa barragem o aluguel subiu demais e a gente veio pra cá”, conta Ronaldo, morador do bairro Boa Esperança. “Aqui é muito ruim”.
As instalações improvisadas pela prefeitura são precárias – no Parque, apenas dois banheiros atendem às cerca de 80 famílias lá instaladas. As caixas d’água chegaram a ficar uma semana sem água. Quedas de energia são constantes. As residências foram construídas dentro de estábulos, stands de exibição de animais e tratores, e barraquinhas de comida.
“A gente acha que eles enchem as caixas com água do [igarapé] Ambé. Muitas crianças aqui, e alguns adultos, estão com diarreia por causa da água ruim”, conta Azenir, moradora do bairro Açaizal, atingida pela cheia.
Ela também explica as dificuldades que a nova moradia implicou no modo de vida de sua família. “Minha filha provavelmente vai perder o ano na escola, porque não tem transporte pra levar ela daqui pro colégio”, lamenta.
“Eu e meu marido também estamos andando uns 4, 5 quilômetros a mais pra ir pro trabalho. Antes eu chegava em 10 minutinhos, contados no relógio”, explica Azenir. Também relata que este caminho é bastante perigoso. O parque de Exposições fica às margens da estrada que vai para os canteiros de obras da hidrelétrica, por onde passam dezenas de ônibus que levam os cerca de 5 mil trabalhadores de Belo Monte. “Um ônibus do CCBM [Consórcio Construtor Belo Monte] vinha ‘disputando carreira’ com o outro, aí veio pro nosso rumo. Pra não cair pra debaixo do carro, eu tive que jogar a bicicleta pra fora da pista. A gente se arrebentou todinho. Perdi meu celular e as coisas que estavam na cesta da bicicleta”, conta a moradora.
Barramento
Especialistas concordam com a opinião dos moradores de que a cheia antecipada é decorrente do barramento provisório (ensecadeira) do canal do Arroz Cru, na Volta Grande do Rio Xingu. A professora e diretora do curso de Geografia da Universidade Federal do Pará (UFPA) de Altamira, Rita Denize de Oliveira, defende que o barramento está diretamente relacionado à cheia súbita do Xingu e seus braços d’água. “Geralmente, a visão dos engenheiros é de que, se você fazendo uma intervenção localmente, ela não vai refletir sobre a bacia hidrográfica. Essa ideia é equivocada. Essas intervenções locais tomam uma amplitude, em termos de bacia hidrográfica, muito grande, sobretudo porque na area da Volta Grande você tem uma morfologia bastante diferenciada”, explica.
“Um barramento significa uma interrupção no fluxo natural das águas do rio. Interrompendo esse, reduz-se a capacidade do rio de liberar a quantidade de água que ele recebe”, pontua. No inverno amazônico, onde a quantidade de chuvas no mês de fevereiro é bastante elevada, a situação é mais problemática. “As perdas de água do rio, que aconteceriam naturalmente se não houvesse barramento, não acontecerão porque há essa intervenção nos canais do Xingu. A profundidade do rio foi reduzida, e assim, também se diminui a capacidade dele de receber água e de escoar, de liberar essa água. Com a redução da capacidade destes canais, você muda essa dinâmica, voce gera um excesso de água que vai atuar diretamente sobre essa população que não era afetada neste período, e agora já está sendo.”
A professora alerta que é possível que, com os barramentos, ocorram acidentes mais trágicos no decurso das obras. “Não se pode descartar a possibilidade de um acidente muito mais grave. Em fevereiro, já estamos enfrentando estas cheias. Se o volume de água tem aumentado, obviamente que a capacidade do rio e destes barramentos podem ser excedidas. As barragens podem se romper e teremos problemas sérios, como nas enchentes que ocorreram alguns anos atrás em Altamira, que geraram consequências gravíssimas”, conclui.
As famílias desalojadas moram nos igarapés – pequenos braços de rio comuns na região amazônica – Ambé, Panelas e Altamira, e também nas margens urbanas do Rio Xingu. Os principais bairros afetados foram o Boa Esperança, Baixão do Tufi, Açaizal, Invasão dos Padres e Jardim Idependente II.
Retirado do Site do PSTU
Desde o final de janeiro, 400 pessoas já foram deslocadas de suas casas por conta da repentina cheia causada pelo barramento provisório de um canal do Rio Xingu, na área de construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte. O alagamento tem atingido inúmeras moradias dos chamados baixões, os bairros mais pobres da periferia da cidade, ocupados por casas de palafita, às margens do rio e canais d’água.
Boa parte dos moradores foram deslocados pela prefeitura para o Parque de Exposições Agropecuárias de Altamira (Expoalta). Uma parcela menor foi para o Ginásio Poliesportivo da cidade.
As famílias foram pegas de surpresa pela enchente. “Estamos acostumados a sair no final de março, começo de abril, quando já choveu bastante e o rio enche muito”, comenta o pescador Manuel, do bairro Invasão dos Padres, que teve sua casa destruída pela cheia e está vivendo precariamente no Parque.
Precariedade
“Eu nunca vinha pra cá. Sempre que enchia, eu alugava uma coisa pra minha família, aí a gente ficava lá uns dois meses. Mas com essa barragem o aluguel subiu demais e a gente veio pra cá”, conta Ronaldo, morador do bairro Boa Esperança. “Aqui é muito ruim”.
As instalações improvisadas pela prefeitura são precárias – no Parque, apenas dois banheiros atendem às cerca de 80 famílias lá instaladas. As caixas d’água chegaram a ficar uma semana sem água. Quedas de energia são constantes. As residências foram construídas dentro de estábulos, stands de exibição de animais e tratores, e barraquinhas de comida.
“A gente acha que eles enchem as caixas com água do [igarapé] Ambé. Muitas crianças aqui, e alguns adultos, estão com diarreia por causa da água ruim”, conta Azenir, moradora do bairro Açaizal, atingida pela cheia.
Ela também explica as dificuldades que a nova moradia implicou no modo de vida de sua família. “Minha filha provavelmente vai perder o ano na escola, porque não tem transporte pra levar ela daqui pro colégio”, lamenta.
“Eu e meu marido também estamos andando uns 4, 5 quilômetros a mais pra ir pro trabalho. Antes eu chegava em 10 minutinhos, contados no relógio”, explica Azenir. Também relata que este caminho é bastante perigoso. O parque de Exposições fica às margens da estrada que vai para os canteiros de obras da hidrelétrica, por onde passam dezenas de ônibus que levam os cerca de 5 mil trabalhadores de Belo Monte. “Um ônibus do CCBM [Consórcio Construtor Belo Monte] vinha ‘disputando carreira’ com o outro, aí veio pro nosso rumo. Pra não cair pra debaixo do carro, eu tive que jogar a bicicleta pra fora da pista. A gente se arrebentou todinho. Perdi meu celular e as coisas que estavam na cesta da bicicleta”, conta a moradora.
Barramento
Especialistas concordam com a opinião dos moradores de que a cheia antecipada é decorrente do barramento provisório (ensecadeira) do canal do Arroz Cru, na Volta Grande do Rio Xingu. A professora e diretora do curso de Geografia da Universidade Federal do Pará (UFPA) de Altamira, Rita Denize de Oliveira, defende que o barramento está diretamente relacionado à cheia súbita do Xingu e seus braços d’água. “Geralmente, a visão dos engenheiros é de que, se você fazendo uma intervenção localmente, ela não vai refletir sobre a bacia hidrográfica. Essa ideia é equivocada. Essas intervenções locais tomam uma amplitude, em termos de bacia hidrográfica, muito grande, sobretudo porque na area da Volta Grande você tem uma morfologia bastante diferenciada”, explica.
“Um barramento significa uma interrupção no fluxo natural das águas do rio. Interrompendo esse, reduz-se a capacidade do rio de liberar a quantidade de água que ele recebe”, pontua. No inverno amazônico, onde a quantidade de chuvas no mês de fevereiro é bastante elevada, a situação é mais problemática. “As perdas de água do rio, que aconteceriam naturalmente se não houvesse barramento, não acontecerão porque há essa intervenção nos canais do Xingu. A profundidade do rio foi reduzida, e assim, também se diminui a capacidade dele de receber água e de escoar, de liberar essa água. Com a redução da capacidade destes canais, você muda essa dinâmica, voce gera um excesso de água que vai atuar diretamente sobre essa população que não era afetada neste período, e agora já está sendo.”
A professora alerta que é possível que, com os barramentos, ocorram acidentes mais trágicos no decurso das obras. “Não se pode descartar a possibilidade de um acidente muito mais grave. Em fevereiro, já estamos enfrentando estas cheias. Se o volume de água tem aumentado, obviamente que a capacidade do rio e destes barramentos podem ser excedidas. As barragens podem se romper e teremos problemas sérios, como nas enchentes que ocorreram alguns anos atrás em Altamira, que geraram consequências gravíssimas”, conclui.
As famílias desalojadas moram nos igarapés – pequenos braços de rio comuns na região amazônica – Ambé, Panelas e Altamira, e também nas margens urbanas do Rio Xingu. Os principais bairros afetados foram o Boa Esperança, Baixão do Tufi, Açaizal, Invasão dos Padres e Jardim Idependente II.
Retirado do Site do PSTU