Metamorfose | ||
Operários em greve marcham pelas ruas de Fortaleza |
Em princípio, a greve deveria começar em 8 de maio, mas em alguns canteiros, sem esperar pelo sindicato, os operários iniciaram o movimento paredista já no dia sete. Daí até o final as ações grevistas alcançaram os dias 4 e 5 de junho, dependendo do canteiro de obra, até a assinatura da Convenção Coletiva no último dia 6.
Em primeiro lugar, foi uma greve de resistência. Resistimos ao tempo que castigou corpos e mentes de sindicalistas, trabalhadores de base e apoiadores que concentraram os seus esforços para garantir os piquetes e as manifestações de rua durante aproximadamente quatro semanas. E isso se deu de forma forte, ora debaixo de chuva, ora debaixo de um sol escaldante.
Em segundo lugar, foi uma luta que ganhou o apoio de sindicatos, oposições e minorias sindicais classistas e combativas, um fator que impediu que os grevistas caíssem no isolamento em meio a uma tempestade de ataques sofridos pelos trabalhadores da construção civil. Estiveram presentes os rodoviários, professores, trabalhadoras da confecção feminina, construção civil de Belém e tantos outros.
Em terceiro lugar, a ação grevista conseguiu unificar – na maior parte do tempo – a burguesia de Fortaleza, que não se furtou de empregar os maiores veículos de comunicação da cidade para atacar duramente os trabalhadores e as suas ações. Essa ofensiva patronal ganhou amplitude maior depois do incidente ocorrido em frente à sede do complexo de comunicação Verdes Mares (onde funciona o jornal Diário do Nordeste, que, via de regra, cumpre o papel de panfleto do empresariado do ramo da construção), traduzido na quebra de uma vidraça. Esse fato foi vendido a toda população como uma investida contra a liberdade de imprensa, até como uma forma de escamotear que esse mesmo complexo usou da prerrogativa do direito à mentira durante toda campanha salarial da construção civil.
Em quarto lugar, a greve trouxe à tona o que é a sociedade em que vivemos: rigorosamente dividida em classes sociais contraditórias e antagônicas. De um lado, se colocou uma parte da sociedade, atacando e denunciando os operários; de outro, uma parcela impressionante da população se colocou ao lado dos grevistas, apesar de toda propaganda empresarial.
Em quinto lugar, essa divisão por baixo gerou uma polarização por cima, quer dizer, na chamada superestrutura, onde estão, por exemplo, os governos, a justiça, o parlamento e os partidos políticos. Luizianne Lins (PT), prefeita de Fortaleza e Cid Gomes (PSB), governador do Ceará, na única vez em que se pronunciaram acerca dos acontecimentos, se disseram “indignados” com os operários. A justiça exigiu a volta ao trabalho e lançou mãos de multas e mais multas para aplastar os grevistas, sem, no entanto, obter os resultados esperados. Já o parlamento se sentiu compungido a mediar uma negociação que forçou a patronal a sentar-se à mesa.
A página mais espetacular, do ponto de vista da experiência da luta de classe, foi a conduta dos partidos políticos. O PT, que dirige a capital do estado, que se encontra à frente da Câmara de Vereadores e é parte do governo estadual, quando não silenciou, tomou o lado dos que tentavam criminalizar o operariado. E assim se comportaram os partidos da ordem. O que surpreendeu foi uma nota do PSOL, no momento em que a greve era mais atacada, depois do episódio em frente ao jornal Diário do Nordeste. Em sua nota, o PSOL se rendeu à chamada “opinião pública” e não deixou de fazer coro à ofensiva dos que queriam sepultar o heróico embate dos trabalhadores.
Em sexto lugar, a estratégia patronal de derrotar a campanha salarial da construção civil fez com que a indignação dos operários atingisse o seu ápice, explicando a radicalização que se ampliou e aprofundou ao longo das ações de rua, principalmente quando se postavam diante dos canteiros, expressão material e simbólica da exploração e da opressão que sofrem cotidianamente.
Em sétimo lugar, essa foi a greve da organização de base. Em sintonia com o espírito da letra das resoluções do Congresso da CSP-Conlutas, os trabalhadores se organizaram em um comando de base, que se reuniu do começo ao fim dessa verdadeira guerra de classe, discutindo e votando os ajustes táticos e garantindo o êxito da mobilização. Várias táticas foram adotadas ao longo da luta e elas passavam sempre pelo crivo do comando que, em geral, reunia entre 40 e 60 ativistas. Sem esse fato novo, dificilmente, os diretores sindicais teriam tido reais condições de sustentar um combate tão difícil. Pela primeira vez, a diretoria se diluiu em uma direção de base e se submeteu às suas decisões.
Em oitavo lugar, essa foi a campanha salarial das grandes marchas pelas ruas de Fortaleza, Maracanaú, Caucaia e outras cidades da região metropolitana. Os operários da construção civil não se contentavam em parar os canteiros, em ocupar a Praça Portugal e fazer as suas assembleias permanentes. Queriam e ganhavam as ruas com passeatas que chegaram a aglutinar entre 4 e 5 mil trabalhadores.
Em nono lugar, quebrou-se o acordo nacional dos patrões que queriam que o reajuste do índice de São Paulo (7,43%) servisse de parâmetro para toda e qualquer campanha salarial da categoria e em qualquer parte do país. Além de conseguir o índice de 8%, a categoria conseguiu para os pisos de servente, meio-profissional e profissional (mais de 95% do setor), índices que superam o patamar de 10%, e consequentemente, atingindo o nível de dois dígitos. Com os exemplos de Salvador e Fortaleza, o paradigma patronal começou a fazer água por todos os lados. Além disso, os patrões foram obrigados a negociar os dias parados, questão que eles se negaram a tratar ao longo de todas as conversações.
Exceto os acordos específicos nos estádios de futebol em obra, a maioria dos outros setores da indústria, e mesmo da construção, em qualquer parte do país, fez acordo que mal repõe o INPC ou obtiveram aumentos reais que, em linhas gerais, não estão muito distantes do que se conquistou em Fortaleza. Efetivamente, foram poucos os que conseguiram índices superiores aos acertados na Região Metropolitana de Fortaleza no ramo da construção civil. Além disso, os quase trinta dias de greve não afetarão as férias dos trabalhadores e nem a PLR. Não custa lembrar que a cesta básica (conquistada no ano passado) passou de 35 para 50 reais.
Em décimo lugar, os trabalhadores realizaram uma nova experiência com as instituições da democracia dos ricos. A consciência política já não se encontra no mesmo lugar. Isso explica porque os oradores do PSTU puderam expressar a sua posição em relação ao governo Dilma sem que fossem molestados. Inversamente, os operários ouviam atentamente os militantes do PSTU e isso também elucida um dos episódios mais marcantes da greve: quando a quinzena foi cortada, muitos membros da categoria fizeram questão de comprar o jornal Opinião Socialista, ainda que reconhecessem as dificuldades que passavam naquele momento.
Essa, de feito, foi a greve da superação.
Retirado do Site do PSTU
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