Apesar de uma conquista, a comissão instalada nesse dia 16 de maio é ainda insuficiente para que a justiça seja feita
A presidente Dilma Rousseff anunciou nesta quinta-feira, dia 10 de maio, os nomes das sete pessoas que vão integrar a Comissão da Verdade. A cerimônia de posse dos novos integrantes acontece nesse dia 16, quarta-feira.
A formação desta Comissão da Verdade é uma conquista da luta de muitos brasileiros que se mobilizaram pela punição dos crimes cometidos durante a ditadura cívico-militar, mas é cercada de limitações.
A maior destas limitações é que a comissão é indicada direta e totalmente pela presidenta Dilma, e não pelas organizações de Direitos Humanos e do movimento sindical e popular, portanto, carece de independência perante o governo. Isso passa a ser um problema quando identificamos que, até o momento, o governo teve timidez em enfrentar os militares. Consequentemente, pouco podemos esperar dessa comissão.
Somente se os setores organizados da sociedade e da classe trabalhadora se mobilizarem poderemos conseguir que esta comissão vá mais além do que ela mesma se propõe.
Os limites da comissão
A Comissão da Verdade vai investigar e narrar violações aos Direitos Humanos ocorridos entre 1946 e 1988 (que abrange o período do Estado Novo até a publicação da Constituição Federal). O grupo apontará, sem o poder de punir, responsáveis por mortes, torturas e desaparecimentos na ditadura. Ao final de dois anos a Comissão deverá elaborar um relatório em que detalhará as circunstâncias das violações investigadas.
Como demonstração das vacilações no enfrentamento com os agentes da ditadura, ela nasce seis meses após a sanção da lei que a cria. Um atraso a mais, 26 anos depois da derrubada do regime militar pelo povo brasileiro. Atrasos que propiciam que alguns setores defendam a prescrição de certos crimes cometidos pelo Estado, apesar das Convenções Internacionais determinarem que crimes contra a humanidade sejam imprescritíveis.
Mas a maior debilidade da Comissão é que ela somente terá poderes para investigar os crimes cometidos, e não de aplicar punições aos agentes do Estado que torturaram, prenderam ilegal e arbitrariamente, seqüestraram e estupraram.
O Brasil precisa de uma Comissão da Verdade, Memória e Justiça que, além de identificar os agentes da repressão policial, civil e militar, que com apoio de empresários e políticos golpistas, participaram da repressão política, determine a responsabilização de cada um, realize seu julgamento e dê punições exemplares aos culpados. Não somente dos que realizaram diretamente os atos violentos contra os que lutaram contra a ditadura, mas também os que os apoiaram e financiaram.
Entre os obstáculos está o tempo de abrangência da investigação, que pode tirar o foco das violações ocorridas durante o regime militar. E o número de membros, de apenas sete, muito reduzido, ainda mais para trabalhar no curto período de dois anos.
Agregue-se a isso o fato de que a comissão não tem o poder de impor a obrigação para que os agentes do Estado testemunhem, além de poder manter em sigilo os depoimentos; por fim, seu relatório final não será encaminhado, necessariamente, ao Poder Judiciário.
Um projeto muito mais limitado do que o discutido no 11ª Conferência Nacional de Direitos Humanos, realizada pela própria Secretaria de Direitos Humanos, onde houve a participação de parentes de mortos e desaparecidos durante a repressão ditatorial. Mesmo assim, as investigações da Comissão da Verdade podem servir de base para a punição dos criminosos, com as mudanças a serem feitas na Lei da Anistia.
Mas para isso é necessário que organizações de Direitos Humanos, sindicatos e entidades populares, se mobilizem para que uma profunda investigação seja feita. Exigir a abertura dos arquivos secretos e documentos sigilosos das Forças Armadas, do SNI e do Itamaraty, além de identificar todos os funcionários envolvidos, desde policiais até embaixadores.
É obrigação desta comissão esclarecer como grandes empresas financiaram a tortura como meio de se conseguir informações sobre os opositores do regime, através da Operação Bandeirantes (OBAN) e, passar a limpo uma das mais tenebrosas articulações montadas no Cone Sul, pelos governos ditatoriais, elaborada, sustentada e apoiada pelo imperialismo norte americano: a Operação Condor.
Deve-se ainda esclarecer quais agentes do Estado brasileiro estiveram envolvidos nas atividades de seqüestro, tortura e troca de prisioneiros entre os órgãos de repressão destes regimes, adotando, inclusive, a política de “disposição final” para sentenciar a morte milhares de militantes de esquerda, considerados “irrecuperáveis”.
A Comissão da Verdade, além disso, deverá se pronunciar oficialmente se o que houve no país foram atos terroristas ou uma luta de resistência dos setores do povo brasileiro contra um regime de exceção.
Para ajudar nesta pressão reivindicatória já foram criadas ou tramitam nos Legislativos estaduais 12 Comissões de Memória e Verdade. Em São Paulo, a Comissão Estadual da Verdade Rubens Paiva, formada a partir da iniciativa do deputado estadual, Adriano Diogo (PT), pretende impulsionar um movimento popular neste sentido, além de esclarecer, entre outras investigações, o modus operandi dos centros de repressão e as circunstâncias que foram criadas as valas comuns de Perus e Vila Formosa.
Romper o limite da Lei da Anistia e derrubar a decisão do STF
Quando o Congresso Nacional aprovou, em 1979, a Lei da Anistia, por apenas cinco votos, constituía na época um avanço, pois apesar de os militares estarem enfraquecidos, ainda mantinham o controle do país, e intimidavam os lutadores sociais. Mas esta lei pode e deve ser modificada, abrindo a possibilidade para que os agentes do Estado que cometeram crimes de lesa humanidade sejam punidos.
A deputada Luiza Erundina (PSB) é autora do projeto que revê a interpretação da Lei da Anistia para punir os criminosos que agiram na ditadura, mas o projeto está emperrado no Congresso.
Em 2010 o Supremo Tribunal Federal decidiu que Lei da Anistia impediria julgamentos de atos praticados durante o regime militar. A decisão do STF reverte o conceito de como devem ser julgados os crimes contra a humanidade ocorridos em qualquer ditadura, particularmente quando envolve crimes como ocultação de cadáver ou seqüestro. Um crime não cessa enquanto sua materialidade não for provada.
Uma legislação não pode estar acima da defesa dos cidadãos contra um Estado que tortura, seqüestra, estupra e assassina. Não pode servir para proteger criminosos ou encobertar crimes. Inclusive os tribunais penais internacionais há décadas trabalham com o postulado segundo o qual leis extremamente injustas não são jurídicas, motivo pelo qual devem ser afastadas se servem para isentar criminosos de seus delitos.
Por isso o Conselho Federal da OAB, com petição subscrita pela jurista Fabio Konder Comparato, apresentou um recurso que questiona a anistia de agentes do Estado acusados de crimes comuns. Sustentando que, além de tudo, a tese do STF não está de acordo com a normativa internacional que entende que crimes contra a humanidade cometidos por autoridades estatais não podem ser anistiados por leis nacionais.
O Brasil reconhece o conceito de “crime contra a humanidade”, sendo signatário de Convenções contra os Direitos Humanos, dentre os quais o Pacto de São José da Costa Rica, então, deve aceitar a jurisprudência das instâncias penais internacionais. Tanto é assim que esta Comissão Interamericana da OEA decidiu que o Estado brasileiro deve investigar a morte do jornalista Vladimir Herzog, ocorrida no DOI-Codi de São Paulo, em 1975.
E o Brasil foi condenado pela mesma Corte, em dezembro de 2010, pelo desaparecimento de militantes na Guerrilha do Araguaia. Este organismo determinou, entre outras coisas, que o Estado faça a investigação plena e puna os responsáveis por detenções arbitrárias, torturas e desaparecimentos de 70 pessoas, entre 1972 e 1975. Respaldando o entendimento que a Lei de Anistia não impede que se processem torturadores.
Os envolvidos em terrorismo de Estado devem sim ser punidos. Senão de fato esta anistia somente valerá para um lado, pois os que lutaram contra a ditadura e cometeram atos contra o regime de exceção, e em geral, já foram punidos.
Nem revanchismo ou cumplicidade: combate à impunidade
Exigir punição exemplar para agentes do Estado que cometem crimes, como prisões arbitrárias e tortura não tem nada a ver com revanchismo ou revirar o passado. Tem a ver com garantir o presente e o futuro. A certeza da impunidade é que faz com que agentes de Estado, continuem cometendo crimes e desacatando a legislação existente.
Ter a certeza da investigação e da punição, mesmo que seja futura, intimidará qualquer funcionário do Estado a cometer crimes e arbitrariedade em qualquer regime de exceção. Para onde quer que se olhe na sociedade brasileira o peso da repressão política vem aumentando: a liderança na ocupação militar promovida pela ONU no Haiti; a aprovação da lei que permite ao Exército exercer papel de polícia nas grandes cidades; a formação da Força Nacional de Segurança e a repressão às greves dos trabalhadores nas grandes obras, como Jirau e Belo Monte.
Com isso exemplos como a repressão aos estudantes da USP, Pinheirinho e Cracolândia se multiplicam. Por isso que os agentes da repressão não querem permitir a apuração e o julgamento dos crimes do passado. Punir os repressores do passado é fundamental para lutar contra os repressores de hoje e de amanhã, uma necessidade para defender as organizações operárias e populares.
LEIA MAIS
Punição exemplar para os torturadores da Ditadura Militar
Retirado do Site do PSTU
Agência Brasil | ||
Cerimônia de instalação da Comissão da Verdade, no Palácio do Planalto |
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A maior destas limitações é que a comissão é indicada direta e totalmente pela presidenta Dilma, e não pelas organizações de Direitos Humanos e do movimento sindical e popular, portanto, carece de independência perante o governo. Isso passa a ser um problema quando identificamos que, até o momento, o governo teve timidez em enfrentar os militares. Consequentemente, pouco podemos esperar dessa comissão.
Somente se os setores organizados da sociedade e da classe trabalhadora se mobilizarem poderemos conseguir que esta comissão vá mais além do que ela mesma se propõe.
Os limites da comissão
A Comissão da Verdade vai investigar e narrar violações aos Direitos Humanos ocorridos entre 1946 e 1988 (que abrange o período do Estado Novo até a publicação da Constituição Federal). O grupo apontará, sem o poder de punir, responsáveis por mortes, torturas e desaparecimentos na ditadura. Ao final de dois anos a Comissão deverá elaborar um relatório em que detalhará as circunstâncias das violações investigadas.
Como demonstração das vacilações no enfrentamento com os agentes da ditadura, ela nasce seis meses após a sanção da lei que a cria. Um atraso a mais, 26 anos depois da derrubada do regime militar pelo povo brasileiro. Atrasos que propiciam que alguns setores defendam a prescrição de certos crimes cometidos pelo Estado, apesar das Convenções Internacionais determinarem que crimes contra a humanidade sejam imprescritíveis.
Mas a maior debilidade da Comissão é que ela somente terá poderes para investigar os crimes cometidos, e não de aplicar punições aos agentes do Estado que torturaram, prenderam ilegal e arbitrariamente, seqüestraram e estupraram.
O Brasil precisa de uma Comissão da Verdade, Memória e Justiça que, além de identificar os agentes da repressão policial, civil e militar, que com apoio de empresários e políticos golpistas, participaram da repressão política, determine a responsabilização de cada um, realize seu julgamento e dê punições exemplares aos culpados. Não somente dos que realizaram diretamente os atos violentos contra os que lutaram contra a ditadura, mas também os que os apoiaram e financiaram.
Entre os obstáculos está o tempo de abrangência da investigação, que pode tirar o foco das violações ocorridas durante o regime militar. E o número de membros, de apenas sete, muito reduzido, ainda mais para trabalhar no curto período de dois anos.
Agregue-se a isso o fato de que a comissão não tem o poder de impor a obrigação para que os agentes do Estado testemunhem, além de poder manter em sigilo os depoimentos; por fim, seu relatório final não será encaminhado, necessariamente, ao Poder Judiciário.
Um projeto muito mais limitado do que o discutido no 11ª Conferência Nacional de Direitos Humanos, realizada pela própria Secretaria de Direitos Humanos, onde houve a participação de parentes de mortos e desaparecidos durante a repressão ditatorial. Mesmo assim, as investigações da Comissão da Verdade podem servir de base para a punição dos criminosos, com as mudanças a serem feitas na Lei da Anistia.
Mas para isso é necessário que organizações de Direitos Humanos, sindicatos e entidades populares, se mobilizem para que uma profunda investigação seja feita. Exigir a abertura dos arquivos secretos e documentos sigilosos das Forças Armadas, do SNI e do Itamaraty, além de identificar todos os funcionários envolvidos, desde policiais até embaixadores.
É obrigação desta comissão esclarecer como grandes empresas financiaram a tortura como meio de se conseguir informações sobre os opositores do regime, através da Operação Bandeirantes (OBAN) e, passar a limpo uma das mais tenebrosas articulações montadas no Cone Sul, pelos governos ditatoriais, elaborada, sustentada e apoiada pelo imperialismo norte americano: a Operação Condor.
Deve-se ainda esclarecer quais agentes do Estado brasileiro estiveram envolvidos nas atividades de seqüestro, tortura e troca de prisioneiros entre os órgãos de repressão destes regimes, adotando, inclusive, a política de “disposição final” para sentenciar a morte milhares de militantes de esquerda, considerados “irrecuperáveis”.
A Comissão da Verdade, além disso, deverá se pronunciar oficialmente se o que houve no país foram atos terroristas ou uma luta de resistência dos setores do povo brasileiro contra um regime de exceção.
Para ajudar nesta pressão reivindicatória já foram criadas ou tramitam nos Legislativos estaduais 12 Comissões de Memória e Verdade. Em São Paulo, a Comissão Estadual da Verdade Rubens Paiva, formada a partir da iniciativa do deputado estadual, Adriano Diogo (PT), pretende impulsionar um movimento popular neste sentido, além de esclarecer, entre outras investigações, o modus operandi dos centros de repressão e as circunstâncias que foram criadas as valas comuns de Perus e Vila Formosa.
Romper o limite da Lei da Anistia e derrubar a decisão do STF
Quando o Congresso Nacional aprovou, em 1979, a Lei da Anistia, por apenas cinco votos, constituía na época um avanço, pois apesar de os militares estarem enfraquecidos, ainda mantinham o controle do país, e intimidavam os lutadores sociais. Mas esta lei pode e deve ser modificada, abrindo a possibilidade para que os agentes do Estado que cometeram crimes de lesa humanidade sejam punidos.
A deputada Luiza Erundina (PSB) é autora do projeto que revê a interpretação da Lei da Anistia para punir os criminosos que agiram na ditadura, mas o projeto está emperrado no Congresso.
Em 2010 o Supremo Tribunal Federal decidiu que Lei da Anistia impediria julgamentos de atos praticados durante o regime militar. A decisão do STF reverte o conceito de como devem ser julgados os crimes contra a humanidade ocorridos em qualquer ditadura, particularmente quando envolve crimes como ocultação de cadáver ou seqüestro. Um crime não cessa enquanto sua materialidade não for provada.
Uma legislação não pode estar acima da defesa dos cidadãos contra um Estado que tortura, seqüestra, estupra e assassina. Não pode servir para proteger criminosos ou encobertar crimes. Inclusive os tribunais penais internacionais há décadas trabalham com o postulado segundo o qual leis extremamente injustas não são jurídicas, motivo pelo qual devem ser afastadas se servem para isentar criminosos de seus delitos.
Por isso o Conselho Federal da OAB, com petição subscrita pela jurista Fabio Konder Comparato, apresentou um recurso que questiona a anistia de agentes do Estado acusados de crimes comuns. Sustentando que, além de tudo, a tese do STF não está de acordo com a normativa internacional que entende que crimes contra a humanidade cometidos por autoridades estatais não podem ser anistiados por leis nacionais.
O Brasil reconhece o conceito de “crime contra a humanidade”, sendo signatário de Convenções contra os Direitos Humanos, dentre os quais o Pacto de São José da Costa Rica, então, deve aceitar a jurisprudência das instâncias penais internacionais. Tanto é assim que esta Comissão Interamericana da OEA decidiu que o Estado brasileiro deve investigar a morte do jornalista Vladimir Herzog, ocorrida no DOI-Codi de São Paulo, em 1975.
E o Brasil foi condenado pela mesma Corte, em dezembro de 2010, pelo desaparecimento de militantes na Guerrilha do Araguaia. Este organismo determinou, entre outras coisas, que o Estado faça a investigação plena e puna os responsáveis por detenções arbitrárias, torturas e desaparecimentos de 70 pessoas, entre 1972 e 1975. Respaldando o entendimento que a Lei de Anistia não impede que se processem torturadores.
Os envolvidos em terrorismo de Estado devem sim ser punidos. Senão de fato esta anistia somente valerá para um lado, pois os que lutaram contra a ditadura e cometeram atos contra o regime de exceção, e em geral, já foram punidos.
Nem revanchismo ou cumplicidade: combate à impunidade
Exigir punição exemplar para agentes do Estado que cometem crimes, como prisões arbitrárias e tortura não tem nada a ver com revanchismo ou revirar o passado. Tem a ver com garantir o presente e o futuro. A certeza da impunidade é que faz com que agentes de Estado, continuem cometendo crimes e desacatando a legislação existente.
Ter a certeza da investigação e da punição, mesmo que seja futura, intimidará qualquer funcionário do Estado a cometer crimes e arbitrariedade em qualquer regime de exceção. Para onde quer que se olhe na sociedade brasileira o peso da repressão política vem aumentando: a liderança na ocupação militar promovida pela ONU no Haiti; a aprovação da lei que permite ao Exército exercer papel de polícia nas grandes cidades; a formação da Força Nacional de Segurança e a repressão às greves dos trabalhadores nas grandes obras, como Jirau e Belo Monte.
Com isso exemplos como a repressão aos estudantes da USP, Pinheirinho e Cracolândia se multiplicam. Por isso que os agentes da repressão não querem permitir a apuração e o julgamento dos crimes do passado. Punir os repressores do passado é fundamental para lutar contra os repressores de hoje e de amanhã, uma necessidade para defender as organizações operárias e populares.
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