Diante dos salários de US$ 18 mensais, as demissões em massa, o desmonte da saúde e da educação e o perigo de uma brutal repressão
Os trabalhadores, a juventude e o povo cubano – que protagonizaram a primeira e única revolução socialista vitoriosa na América – vivem hoje uma situação desesperadora. Eles passam fome porque não conseguem sobreviver com um salário de 18 dólares mensais. E essa situação tende a se agravar de forma qualitativa, pois o governo anunciou, para os próximos meses, novos ataques ao seu nível de vida, entre eles a demissão de um milhão e trezentos mil trabalhadores estatais.
Uma parte dos trabalhadores cubanos consegue sobreviver à custa de algum familiar que lhe envia dinheiro do exterior. Mas a maioria não tem essa ajuda. Por isso, são obrigados a se humilhar diante dos turistas (dois milhões e meio em 2010), a assediá-los pedindo gorjetas por qualquer tipo de serviço (real ou inventado), a vender os famosos charutos cubanos roubados, a pedir um sabão, um xampu ou uma simples bala, ao mesmo tempo em que crescem, de forma impressionante, dois flagelos que tinham desaparecido com a revolução: a mendicância e a prostituição.
Até agora, diferentemente do que ocorreu nos países do Leste Europeu, quando os partidos comunistas restauraram o capitalismo, em Cuba não houve grandes mobilizações contra o governo. O prestígio da direção cubana, por haver estado, no passado, à frente da revolução contra o capitalismo e o imperialismo, foi um importante freio à ação das massas contra o governo e contra o Partido Comunista. Mas a paciência dos cubanos parece estar chegando ao fim. Atualmente, o descontentamento com a situação e com o governo dos irmãos Castro é generalizado e não está descartado que, a curto ou médio prazo, aconteça em Cuba uma explosão similar à que ocorreu nos países do Leste Europeu no fim da década de 1980, ou às que estamos presenciando agora nos países árabes.
O governo e o Partido Comunista Cubano sabem desse perigo, por isso não permitem que chegue, por meio da televisão ou da rádio (ambas controladas pelo governo), qualquer tipo de informação sobre o que as massas estão fazendo nos países árabes. Além disso, é necessário lembrar que o povo cubano não tem acesso à Internet e que em Cuba não existem jornais nem revistas (a não ser os do Partido Comunista).
No entanto, diante de tanta exploração e humilhação, é muito difícil que a censura do governo para impedir que os cubanos saibam o que está ocorrendo no resto do mundo tenha sucesso.
De uma forma ou de outra, mais cedo ou mais tarde, os trabalhadores cubanos vão se rebelar contra essa situação, e quando isso acontecer, uma nova e grande ameaça vai se colocar sobre suas cabeças: a repressão. Por isso é que chamamos, desde já, a “rodear de solidariedade os trabalhadores e o povo cubano”.
Dizer a verdade, por mais dura que seja
Há milhares e milhares de trabalhadores, camponeses e estudantes em todo o mundo que consideram que Cuba e a sua direção, em especial Fidel Castro, são referência para todos aqueles que lutam pelo socialismo. Também são muitos os críticos à direção cubana, mas que consideram que em Cuba, ao contrário do que ocorreu nos outros ex-Estados operários (URSS, China e Leste Europeu), o capitalismo não foi restaurado.
Para esses milhares de companheiros, chegar à conclusão de que o capitalismo foi restaurado em Cuba seria uma grande desmoralização. Mas temos a obrigação de dizer a verdade para os trabalhadores, camponeses, estudantes e intelectuais de todo o mundo, por mais dura que ela seja. Porque só a verdade é revolucionária, e há duas grandes verdades que todos têm que saber e que explicam o drama vivido pelos trabalhadores e pelo povo cubano: a primeira é que a fome, o desemprego, os salários miseráveis, os mendigos e as prostitutas não são mais que as consequências de algo que já aconteceu na nossa querida Cuba: a volta do capitalismo. E a segunda verdade, que não pode continuar sendo ocultada, é que o odiado capitalismo não foi restaurado nem pelos gusanos1, nem por uma invasão ianque. Em Cuba, assim como na ex-URSS ou na China, o capitalismo foi restaurado, em nome do socialismo, pelo governo e pela direção do Partido Comunista.
Em Cuba, em 1959, as forças guerrilheiras, comandadas por Fidel Castro, Camilo Cienfuegos e Che Guevara, derrotaram as forças do ditador Batista. Pouco tempo depois, a Revolução Cubana enfrentou todos os capitalistas, nacionais e estrangeiros, e pôs os seus recursos econômicos a serviço do desenvolvimento do país. Para isso, foram tomadas três importantes medidas no terreno econômico: a expropriação e nacionalização de todos os meios de produção (fábricas, terras, comércio, bancos etc.), o monopólio do comércio exterior e a planificação centralizada da economia. Foi com base nessas medidas que os trabalhadores conseguiram uma série de conquistas, a maioria das quais não existia nem existe em outros países do continente (nem sequer nos EUA): o pleno emprego, moradia para todos, saúde pública gratuita e de alta qualidade (também para todos), o fim do analfabetismo, o fim da prostituição, altos índices de escolaridade (até hoje, 50% dos trabalhadores cubanos completam 12 anos de estudos) e, finalmente, os cubanos conquistaram o orgulho de ser um povo que foi capaz de mostrar, para os trabalhadores de todo o continente, que é possível enfrentar e derrotar o capitalismo e o imperialismo.
No entanto, essas três medidas (nacionalização dos meios de produção, monopólio do comércio exterior e planificação centralizada da economia) foram eliminadas no início dos anos 1990 pelo governo e pela direção do Partido Comunista, a tal ponto que a própria Constituição foi alterada para permitir a propriedade privada dos meios de produção. Assim, os “direitos” do capital, que tinham sido eliminados com a revolução, foram restabelecidos, e com a volta do capitalismo, as velhas mazelas do período do governo Batista voltaram.
Os defensores do governo cubano dizem que o capitalismo não foi restaurado, que o que se fez foi simplesmente permitir a atuação de empresas estrangeiras no país, mas respeitando as leis cubanas e que, além disso, a maioria das empresas é do Estado, que continua sendo “socialista”.
Mas não é assim. É verdade que as empresas estrangeiras são obrigadas a respeitar as leis cubanas, mas também é verdade que novas leis foram aprovadas, entre elas a Lei de Investimentos Estrangeiros, para possibilitar que as empresas estrangeiras tenham muito mais direitos do que teriam em qualquer outro país do mundo. Por outro lado, as empresas que existem no país, sejam estatais, mistas ou de capital cubano ou estrangeiro, não trabalham para uma economia socialista (para um plano econômico central), mas para o mercado nacional e internacional. Também é necessário esclarecer que os cubanos que trabalham nas empresas internacionais não têm a proteção do Estado “socialista” cubano. Ao contrário, o trabalhador cubano não recebe o mesmo salário que essas empresas pagam em outras partes do mundo. Os cubanos só ganham os seus miseráveis 18 dólares mensais, sendo que a maioria dessas empresas é de propriedade mista (associadas com o Estado) Qual é, portanto, o papel do Estado cubano? Não só garantir os direitos do capital internacional para explorar cruelmente os trabalhadores cubanos, mas também ser sócio nessa exploração, que é qualitativamente superior àquela imposta na maioria dos países da América Latina e do mundo.
Cuba, o país das desigualdades
Os cubanos vivem no pior dos mundos. Trabalham, assim como os seus irmãos dos outros países, para uma economia de mercado, mas, em função dos seus salários, praticamente não têm acesso a esse mercado.
Talvez a cena mais triste para quem visita a Ilha seja ver as belas crianças cubanas sem brinquedos. Não com poucos brinquedos. Sem brinquedos. É que os brinquedos são proibidos. São artigos demasiado supérfluos para um pai ou uma mãe que ganham 18 dólares mensais.
Os salários dos trabalhadores cubanos, comparados com os dos trabalhadores do resto do mundo, sempre foram baixos, mas, como produto das medidas econômicas tomadas depois da revolução, o salário social era muito alto. O povo gastava muito pouco com a alimentação porque os trabalhadores comiam gratuitamente nas empresas e as crianças nas escolas, e os produtos básicos para a alimentação (e também para a limpeza) eram entregues pelo governo, a preços simbólicos, por meio da caderneta de abastecimento.
Hoje a realidade é oposta. Com a restauração da economia de mercado, os salários são mais baixos que antes e uma grande parte do salário social já desapareceu ou tende a desaparecer. Na maioria das empresas os refeitórios foram fechados, os novos planos do governo pretendem acabar com o período integral nas escolas e, finalmente, a maioria dos produtos que faziam parte da caderneta de abastecimento foi eliminada, ao mesmo tempo em que se anuncia o fim da própria caderneta.
Como produto da revolução, foi feita uma profunda reforma urbana que garantiu moradia a baixo custo para todos os cubanos. A partir daí, era responsabilidade do governo cuidar da manutenção das fachadas e responsabilidade dos moradores garantirem a manutenção da parte interna. No entanto, atualmente (há pelo menos duas décadas), nem o governo garante a manutenção das fachadas e nem os moradores dos bairros operários e populares, com os seus 18 dólares de salário, têm condições para garantir a manutenção interna. O resultado são bairros inteiros onde as casas estão cheias de vidros quebrados, goteiras, infiltração de água, paredes e andares semidestruídos, instalações elétricas expostas e em péssimas condições, buracos no lugar onde algum dia houve uma porta ou uma janela, inclusive casas mais antigas, que são demolidas pela falta de manutenção. Dessa forma, as condições de vida dessas famílias de trabalhadores cubanos são muito similares, ou até piores, às das famílias argentinas que vivem nas Villas Miseria ou das brasileiras que moram em favelas.
Mas nem tudo é miséria em Cuba. Existem bairros cheios de antigas mansões, muito bem conservadas, onde vivem os novos burgueses, os burocratas do governo e os representantes das empresas estrangeiras. Também existem vilas militares com casas muito boas, tão bem conservadas que, apesar de antigas, parecem que foram recém construídas. Existem milhões de turistas estrangeiros que lotam os hoteis, restaurantes e bares de Havana e de outras cidades, das quais o povo cubano não pode nem se aproximar, a não ser para oferecer serviços sexuais ou a sua bela música, para, ao final, sair pedindo, de mesa em mesa, uma gorjeta para poder comer, porque os artistas, que não se alimentam só da arte, não recebem nenhum tipo de pagamento pela sua atuação.
A partir da revolução, Cuba transformou-se no país mais igualitário da América, mas hoje é exatamente o contrário. A desigualdade social é tão chocante que cria uma mistura de surpresa, indignação e até mal-estar nos revolucionários que visitam a ilha. É triste escutar da boca de muitas pessoas desse admirado povo cubano, culto, alegre e musical, frases tão chocantes como estas: “Quando nos vestimos não comemos, e quando comemos não nos vestimos” ou “Nós, cubanos, dizemos que somos como os palhaços: rimos por fora e choramos por dentro.”
Argumentos falsos
Aqueles que, fora de Cuba, defendem o governo e o regime castrista (dentro de Cuba é muito difícil encontrar alguém que o faça), argumentam que o governo teve que abrir as portas para o capitalismo internacional para defender o “socialismo”, porque Cuba estava isolada após o fim da URSS e, portanto, não tinha alternativa.
Esse argumento é duplamente mentiroso. Em primeiro lugar, não é verdade que o governo cubano apelou ao capitalismo para defender o socialismo. Apelou ao capitalismo internacional para restaurar o capitalismo. Não foi para defender o socialismo que se acabou com a eliminação da propriedade estatal dos meios de produção, com a supressão do monopólio do comércio exterior e com o fim da planificação centralizada da economia. Da mesma maneira que não é uma medida socialista colocar na rua mais de um milhão de trabalhadores, ou desabastecer as farmácias populares para que os trabalhadores tenham que comprar remédios nas farmácias dos hoteis internacionais.
Em segundo lugar, cabe a pergunta: por que Cuba estava isolada quando ainda era um Estado operário? Foi por que os trabalhadores e os povos do resto do continente e do mundo não lutavam ou não faziam revoluções? Não. Não foi por isso, mas, sim, porque a direção cubana implementou a mesma política que tiveram as direções da URSS, China, Alemanha Oriental etc.: a coexistência pacífica com o imperialismo, ao invés da revolução latino-americana e mundial.
O exemplo mais evidente dessa política é o da Revolução Sandinista na Nicarágua. A direção sandinista, depois de derrotar o exército de Somoza e tomar o poder, dirigiu-se a Cuba para encontrar-se com Fidel Castro, que lhe deu o seguinte conselho: “Não façam da Nicarágua uma nova Cuba”. Isto é, não expropriem a burguesia nacional nem o imperialismo. E aí estão os resultados. A Nicarágua, governada pelo ex-comandante guerrilheiro e atual multimilionário Daniel Ortega, não só é um Estado capitalista como também é um dos países do mundo onde reina a maior desigualdade social.
Foi justamente essa política, de coexistência pacífica com o imperialismo em um mundo dominado por ele, que levou todas as economias dos ex-Estados operários à crise, e a todas as burocracias dirigentes a procurar, no fim da década de 1980, o apoio das potências imperialistas para sair dessa crise. Não só na forma de empréstimos, como tinham feito há alguns anos, mas também com a restauração dos direitos do capital para superexplorar os trabalhadores desses Estados. Cuba, por ser governada por uma burocracia, com interesses muito diferentes aos dos trabalhadores, não foi uma exceção.
A “democracia” em Cuba
Os defensores do governo cubano, de fora de Cuba, dizem que nesse país há democracia. Afirmam que é verdade que não há democracia para os gusanos, mas que há democracia para os trabalhadores e para o povo.
Em Cuba ninguém diz isso porque se arriscaria, no melhor dos casos, a receber como resposta uma sonora gargalhada. Quem diz que em Cuba há democracia para os trabalhadores tem que dizer: que organismo dos trabalhadores votou o salário de 18 dólares? Que organismo votou que um milhão e trezentos mil trabalhadores tinham que ser demitidos? Que organismo dos trabalhadores votou que os cubanos não podem ler nenhum jornal, a não ser o Granma, o órgão oficial do Partido Comunista? Que organismo dos trabalhadores votou que o povo cubano não pode acessar a Internet?
Mas sobre esse tema da democracia operária também é necessário dizer a verdade, por mais dura que ela seja. E a verdade é que nunca houve democracia para os trabalhadores e o povo cubano, nem mesmo na “época dourada” da revolução, quando estavam expropriando os capitalistas e o imperialismo, e isso explica muito do que está acontecendo atualmente.
Cuba era um Estado operário porque, a partir da expropriação da burguesia, o direito do capital de explorar os trabalhadores foi eliminado, mas nunca foram os trabalhadores, por meio dos seus organismos, que controlaram os destinos do país.
O que existia e existe em Cuba é um regime idêntico ao que existia na ex-URSS e ao que existe na China: um regime baseado em um partido único, o Partido Comunista, apoiado nas Forças Armadas. Mas, na realidade, seria errado afirmar que o Partido Comunista dirigia ou dirige Cuba. Quem está à frente do Estado cubano é um pequeno grupo em torno de Fidel e de Raúl Castro, porque, para que o Partido Comunista pudesse dirigir, deveria ter algum tipo de democracia interna, e isso não existe. O Partido Comunista Cubano praticamente não realiza congressos. Agora, no mês de abril, vão realizar um após 16 anos, mas, na verdade, esse “Congresso” será uma reunião de burocratas, pois os delegados, segundo informa o Granma, serão eleitos por uma plenária de secretários-gerais.
A restauração do capitalismo na Ilha, combinada com a total falta de democracia, teve como resultado a existência de uma ditadura muito similar às piores e mais sanguinárias ditaduras do mundo. Na realidade, em alguns aspectos é uma ditadura muito pior que aquelas. Por exemplo, durante a ditadura de Mubarak, no Egito, havia alguns partidos legais de oposição, havia vários jornais submetidos à censura, mas havia. Havia pleno acesso à Internet e havia alguns poucos sindicatos independentes. Tudo isso é impensável em Cuba.
Seria possível argumentar, contra o que dizemos, que naquelas ditaduras, de Mubarak no Egito, Pinochet no Chile ou de Videla na Argentina, havia milhares de presos políticos, de sequestrados, torturados e assassinados, e que isso não existe em Cuba. É verdade. Mas o que vai acontecer em Cuba quando surgirem greves, mobilizações, grupos guerrilheiros e confrontos com a polícia, como ocorreu naqueles países? O que a ditadura cubana vai fazer? Vai se retirar do poder? Vai abandonar os seus fabulosos privilégios obtidos com a restauração do capitalismo? Ou vai reprimir violentamente as ações das massas quando questionarem seus privilégios?
Para dar só um exemplo, vejamos o que está acontecendo na Líbia. Nesse país, como nos demais países árabes, as massas saíram para se mobilizar contra a miséria e contra o ditador, o coronel Kadafi. Diante disso, Kadafi, assim como a direção cubana no passado, teve sérios confrontos com o imperialismo (hoje é seu sócio), mas hoje está reprimindo sanguinariamente essas mobilizações a tal ponto que provocou uma guerra civil. De que lado Fidel Castro está nesta guerra? Do lado do genocida Kadafi.
Não é a primeira vez que Fidel adota uma posição desse tipo. Quando, em 1967, os tanques soviéticos esmagaram a revolução tchecoslovaca contra a burocracia (que acabou levando esse país à restauração do capitalismo), Fidel se pôs do lado dos tanques soviéticos contra os trabalhadores e o povo da Tchecoslováquia. Mas, em relação à guerra civil na Líbia, não se trata somente de uma nova posição equivocada. Trata-se de uma ameaça às futuras e inevitáveis mobilizações das massas em Cuba.
Fidel disse que não é o povo líbio que está querendo derrubar Kadafi, mas o imperialismo. Para isso, usa como argumento os bombardeios da OTAN e dos Estados Unidos, ocultando que o objetivo do imperialismo é retomar o controle do país (do petróleo), o que foi questionado não por Kadafi, mas pelas massas insurretas que se levantaram contra ele.
Ao se colocar do lado de Kadafi, Fidel não está só anunciando que fará o mesmo em Cuba quando as massas questionarem o seu poder. Já está adiantando os argumentos que usará para justificar a repressão contra os trabalhadores e a juventude. Dirá que tudo é obra dos gusanos e da CIA.
Não havia nem há outro caminho?
Não é verdade que Cuba não tinha ou não tem outra alternativa a não ser cair nos braços do capitalismo mundial. Se os impressionantes recursos gerados pela indústria turística, pela produção e reservas de níquel, pela produção de açúcar, café e tabaco estivessem novamente nas mãos do Estado, e se este voltasse a funcionar com base em uma economia planificada, seria suficiente, no mínimo, para que os cubanos tivessem acesso aos alimentos e aos medicamentos.
Claro que, por mais que expropriasse a nova burguesia nacional e as empresas imperialistas, seria impossível para Cuba, de forma isolada, superar os países capitalistas da região e muito menos as grandes potências imperialistas. Mas por que Cuba teria que continuar isolada? Explodiram dezenas de revoluções em todo o mundo contra o capitalismo. O que aconteceria se a direção cubana apoiasse essas revoluções para que triunfassem? Cuba não ficaria isolada. Por exemplo, na Líbia, as massas estão levando a cabo uma revolução armada contra o ditador Kadafi muito similar à que os cubanos fizeram contra o ditador Batista no fim da década de 1950. O que aconteceria se a direção cubana apoiasse essa revolução? As possibilidades de vitória seriam muito superiores e, dessa forma, Cuba ficaria cada vez menos isolada. Mas, lamentavelmente, já faz muitos anos que a direção cubana não quer “novas Cubas”, por isso foi contra a expropriação da burguesia na Nicarágua e em El Salvador, e agora é contra a expropriação dos fabulosos bens do Coronel Kadafi. Pior ainda, está a favor do genocida.
Não é verdade que Cuba não tinha outro caminho a não ser abraçar o capitalismo. Quem não tinha outro caminho é a direção cubana por não ter defendido, há várias décadas, o caminho da revolução internacional e, sim, o da coexistência com o capitalismo.
Rodear os trabalhadores e o povo cubano de solidariedade
Chamamos os operários, os camponeses, os estudantes e os intelectuais, da América Latina e do mundo, a ser solidários com um povo cubano que está passando fome, suportando uma brutal ditadura, e que está sendo ameaçado de ser massacrado quando começar a se levantar contra os seus exploradores e opressores.
Essa solidariedade deve começar por conhecer e divulgar o que realmente acontece em Cuba. Isso será uma barreira importante para evitar que os futuros lutadores cubanos sejam acusados de agentes da CIA e, com esse pretexto, sejam feridos, presos ou fuzilados, como está fazendo o amigo dos irmãos Castro, o coronel Kadafi, na Líbia.
Estendemos este chamado ao conjunto das direções das organizações de esquerda, inclusive àquelas que são defensoras do atual regime. Fazemos isso porque acreditamos que essas organizações, que estão sendo cúmplices da brutal exploração a que estão submetidos os trabalhadores cubanos, ainda não mancharam suas mãos com o sangue desses trabalhadores.
Chamamos, em especial, os milhares de ativistas honestos que em toda a parte do mundo, sem conhecer bem a realidade cubana, acreditam que Cuba é o bastião do socialismo.
Pode ser que não confiem no que dizemos, porque, embora sempre estivemos do lado da revolução cubana, nunca defendemos o regime dos irmãos Castro. Por isso, insistimos em que se informem pelos seus próprios meios e que, se for possível, viajem a Cuba para ver como vivem e o que pensam os trabalhadores e o povo cubano, para assim verificar se o que estamos dizendo nesta declaração corresponde à verdade ou não. A partir daí, a única coisa que pedimos é que contem a verdade aos seus companheiros de trabalho ou estudo.
O regime cubano está manchando as gloriosas bandeiras do socialismo
Talvez o mais nefasto de tudo o que acontece em Cuba é o fato de que o governo justifica todo o seu projeto contrarrevolucionário (restauração do capitalismo por meio de uma brutal ditadura) em nome do socialismo, porque isso provoca estragos na consciência das massas, em primeiro lugar das próprias massas cubanas.
Em Cuba, resta muito pouco, ou quase nada, da revolução. A revolução agora só pode ser encontrada nos museus, e os seus símbolos – os retratos de Che, de Fidel e de Camilo Cienfuegos – transformaram-se em suvenires, mas só para os turistas, porque, por mais que se procure, é praticamente impossível encontrar um jovem cubano com uma camiseta com o retrato de Che Guevara, com uma bandeira cubana e menos ainda com o retrato de Fidel.
Assim, os cubanos mostram, não só pelo que dizem, a toda hora e em todo momento, como também em suas próprias roupas, que não querem saber nada do governo. Mas, além disso, a nefasta política do governo e do Partido Comunista faz com que muitos se afastem não só do governo, mas também do socialismo, porque é inevitável que, lamentavelmente, muitos pensem: “se isto é o socialismo, eu não sou socialista,” ou, pior ainda, que digam: “se isto é socialismo, sou a favor do capitalismo”.
No entanto, não temos o direito de ser pessimistas. As revoluções que derrubaram as ditaduras dos partidos comunistas do Leste Europeu, as mobilizações de massas da Europa e a revolução árabe não nos dão esse direito. Nem mesmo em Cuba, porque, embora seja verdade que a Revolução de 1959 só possa ser encontrada nos museus, também é verdade que está se gestando uma nova e poderosa revolução, contra o atual regime ditatorial e restauracionista. Por enquanto, ela se expressa em descontentamento contra a ditadura, mas não vai demorar muito tempo para que esse descontentamento, que já está se transformando em ódio em muitos setores, se transforme em ação. E, quando isso acontecer, se entenderá por que os cubanos têm tanto orgulho de seu povo e do seu país, apesar das humilhações diárias a que são submetidos.
Comitê Executivo Internacional da LIT-QI (Liga Internacional dos Trabalhadores – IV Internacional)
São Paulo, 19 de março de 2011
Nota:
1. Gusanos significa literalmente vermes. Assim é conhecida a burguesia reacionária de Cuba que se exilou na Flórida, EUA.
Retirado do Site do PSTU
Os trabalhadores, a juventude e o povo cubano – que protagonizaram a primeira e única revolução socialista vitoriosa na América – vivem hoje uma situação desesperadora. Eles passam fome porque não conseguem sobreviver com um salário de 18 dólares mensais. E essa situação tende a se agravar de forma qualitativa, pois o governo anunciou, para os próximos meses, novos ataques ao seu nível de vida, entre eles a demissão de um milhão e trezentos mil trabalhadores estatais.
Uma parte dos trabalhadores cubanos consegue sobreviver à custa de algum familiar que lhe envia dinheiro do exterior. Mas a maioria não tem essa ajuda. Por isso, são obrigados a se humilhar diante dos turistas (dois milhões e meio em 2010), a assediá-los pedindo gorjetas por qualquer tipo de serviço (real ou inventado), a vender os famosos charutos cubanos roubados, a pedir um sabão, um xampu ou uma simples bala, ao mesmo tempo em que crescem, de forma impressionante, dois flagelos que tinham desaparecido com a revolução: a mendicância e a prostituição.
Até agora, diferentemente do que ocorreu nos países do Leste Europeu, quando os partidos comunistas restauraram o capitalismo, em Cuba não houve grandes mobilizações contra o governo. O prestígio da direção cubana, por haver estado, no passado, à frente da revolução contra o capitalismo e o imperialismo, foi um importante freio à ação das massas contra o governo e contra o Partido Comunista. Mas a paciência dos cubanos parece estar chegando ao fim. Atualmente, o descontentamento com a situação e com o governo dos irmãos Castro é generalizado e não está descartado que, a curto ou médio prazo, aconteça em Cuba uma explosão similar à que ocorreu nos países do Leste Europeu no fim da década de 1980, ou às que estamos presenciando agora nos países árabes.
O governo e o Partido Comunista Cubano sabem desse perigo, por isso não permitem que chegue, por meio da televisão ou da rádio (ambas controladas pelo governo), qualquer tipo de informação sobre o que as massas estão fazendo nos países árabes. Além disso, é necessário lembrar que o povo cubano não tem acesso à Internet e que em Cuba não existem jornais nem revistas (a não ser os do Partido Comunista).
No entanto, diante de tanta exploração e humilhação, é muito difícil que a censura do governo para impedir que os cubanos saibam o que está ocorrendo no resto do mundo tenha sucesso.
De uma forma ou de outra, mais cedo ou mais tarde, os trabalhadores cubanos vão se rebelar contra essa situação, e quando isso acontecer, uma nova e grande ameaça vai se colocar sobre suas cabeças: a repressão. Por isso é que chamamos, desde já, a “rodear de solidariedade os trabalhadores e o povo cubano”.
Dizer a verdade, por mais dura que seja
Há milhares e milhares de trabalhadores, camponeses e estudantes em todo o mundo que consideram que Cuba e a sua direção, em especial Fidel Castro, são referência para todos aqueles que lutam pelo socialismo. Também são muitos os críticos à direção cubana, mas que consideram que em Cuba, ao contrário do que ocorreu nos outros ex-Estados operários (URSS, China e Leste Europeu), o capitalismo não foi restaurado.
Para esses milhares de companheiros, chegar à conclusão de que o capitalismo foi restaurado em Cuba seria uma grande desmoralização. Mas temos a obrigação de dizer a verdade para os trabalhadores, camponeses, estudantes e intelectuais de todo o mundo, por mais dura que ela seja. Porque só a verdade é revolucionária, e há duas grandes verdades que todos têm que saber e que explicam o drama vivido pelos trabalhadores e pelo povo cubano: a primeira é que a fome, o desemprego, os salários miseráveis, os mendigos e as prostitutas não são mais que as consequências de algo que já aconteceu na nossa querida Cuba: a volta do capitalismo. E a segunda verdade, que não pode continuar sendo ocultada, é que o odiado capitalismo não foi restaurado nem pelos gusanos1, nem por uma invasão ianque. Em Cuba, assim como na ex-URSS ou na China, o capitalismo foi restaurado, em nome do socialismo, pelo governo e pela direção do Partido Comunista.
Em Cuba, em 1959, as forças guerrilheiras, comandadas por Fidel Castro, Camilo Cienfuegos e Che Guevara, derrotaram as forças do ditador Batista. Pouco tempo depois, a Revolução Cubana enfrentou todos os capitalistas, nacionais e estrangeiros, e pôs os seus recursos econômicos a serviço do desenvolvimento do país. Para isso, foram tomadas três importantes medidas no terreno econômico: a expropriação e nacionalização de todos os meios de produção (fábricas, terras, comércio, bancos etc.), o monopólio do comércio exterior e a planificação centralizada da economia. Foi com base nessas medidas que os trabalhadores conseguiram uma série de conquistas, a maioria das quais não existia nem existe em outros países do continente (nem sequer nos EUA): o pleno emprego, moradia para todos, saúde pública gratuita e de alta qualidade (também para todos), o fim do analfabetismo, o fim da prostituição, altos índices de escolaridade (até hoje, 50% dos trabalhadores cubanos completam 12 anos de estudos) e, finalmente, os cubanos conquistaram o orgulho de ser um povo que foi capaz de mostrar, para os trabalhadores de todo o continente, que é possível enfrentar e derrotar o capitalismo e o imperialismo.
No entanto, essas três medidas (nacionalização dos meios de produção, monopólio do comércio exterior e planificação centralizada da economia) foram eliminadas no início dos anos 1990 pelo governo e pela direção do Partido Comunista, a tal ponto que a própria Constituição foi alterada para permitir a propriedade privada dos meios de produção. Assim, os “direitos” do capital, que tinham sido eliminados com a revolução, foram restabelecidos, e com a volta do capitalismo, as velhas mazelas do período do governo Batista voltaram.
Os defensores do governo cubano dizem que o capitalismo não foi restaurado, que o que se fez foi simplesmente permitir a atuação de empresas estrangeiras no país, mas respeitando as leis cubanas e que, além disso, a maioria das empresas é do Estado, que continua sendo “socialista”.
Mas não é assim. É verdade que as empresas estrangeiras são obrigadas a respeitar as leis cubanas, mas também é verdade que novas leis foram aprovadas, entre elas a Lei de Investimentos Estrangeiros, para possibilitar que as empresas estrangeiras tenham muito mais direitos do que teriam em qualquer outro país do mundo. Por outro lado, as empresas que existem no país, sejam estatais, mistas ou de capital cubano ou estrangeiro, não trabalham para uma economia socialista (para um plano econômico central), mas para o mercado nacional e internacional. Também é necessário esclarecer que os cubanos que trabalham nas empresas internacionais não têm a proteção do Estado “socialista” cubano. Ao contrário, o trabalhador cubano não recebe o mesmo salário que essas empresas pagam em outras partes do mundo. Os cubanos só ganham os seus miseráveis 18 dólares mensais, sendo que a maioria dessas empresas é de propriedade mista (associadas com o Estado) Qual é, portanto, o papel do Estado cubano? Não só garantir os direitos do capital internacional para explorar cruelmente os trabalhadores cubanos, mas também ser sócio nessa exploração, que é qualitativamente superior àquela imposta na maioria dos países da América Latina e do mundo.
Cuba, o país das desigualdades
Os cubanos vivem no pior dos mundos. Trabalham, assim como os seus irmãos dos outros países, para uma economia de mercado, mas, em função dos seus salários, praticamente não têm acesso a esse mercado.
Talvez a cena mais triste para quem visita a Ilha seja ver as belas crianças cubanas sem brinquedos. Não com poucos brinquedos. Sem brinquedos. É que os brinquedos são proibidos. São artigos demasiado supérfluos para um pai ou uma mãe que ganham 18 dólares mensais.
Os salários dos trabalhadores cubanos, comparados com os dos trabalhadores do resto do mundo, sempre foram baixos, mas, como produto das medidas econômicas tomadas depois da revolução, o salário social era muito alto. O povo gastava muito pouco com a alimentação porque os trabalhadores comiam gratuitamente nas empresas e as crianças nas escolas, e os produtos básicos para a alimentação (e também para a limpeza) eram entregues pelo governo, a preços simbólicos, por meio da caderneta de abastecimento.
Hoje a realidade é oposta. Com a restauração da economia de mercado, os salários são mais baixos que antes e uma grande parte do salário social já desapareceu ou tende a desaparecer. Na maioria das empresas os refeitórios foram fechados, os novos planos do governo pretendem acabar com o período integral nas escolas e, finalmente, a maioria dos produtos que faziam parte da caderneta de abastecimento foi eliminada, ao mesmo tempo em que se anuncia o fim da própria caderneta.
Como produto da revolução, foi feita uma profunda reforma urbana que garantiu moradia a baixo custo para todos os cubanos. A partir daí, era responsabilidade do governo cuidar da manutenção das fachadas e responsabilidade dos moradores garantirem a manutenção da parte interna. No entanto, atualmente (há pelo menos duas décadas), nem o governo garante a manutenção das fachadas e nem os moradores dos bairros operários e populares, com os seus 18 dólares de salário, têm condições para garantir a manutenção interna. O resultado são bairros inteiros onde as casas estão cheias de vidros quebrados, goteiras, infiltração de água, paredes e andares semidestruídos, instalações elétricas expostas e em péssimas condições, buracos no lugar onde algum dia houve uma porta ou uma janela, inclusive casas mais antigas, que são demolidas pela falta de manutenção. Dessa forma, as condições de vida dessas famílias de trabalhadores cubanos são muito similares, ou até piores, às das famílias argentinas que vivem nas Villas Miseria ou das brasileiras que moram em favelas.
Mas nem tudo é miséria em Cuba. Existem bairros cheios de antigas mansões, muito bem conservadas, onde vivem os novos burgueses, os burocratas do governo e os representantes das empresas estrangeiras. Também existem vilas militares com casas muito boas, tão bem conservadas que, apesar de antigas, parecem que foram recém construídas. Existem milhões de turistas estrangeiros que lotam os hoteis, restaurantes e bares de Havana e de outras cidades, das quais o povo cubano não pode nem se aproximar, a não ser para oferecer serviços sexuais ou a sua bela música, para, ao final, sair pedindo, de mesa em mesa, uma gorjeta para poder comer, porque os artistas, que não se alimentam só da arte, não recebem nenhum tipo de pagamento pela sua atuação.
A partir da revolução, Cuba transformou-se no país mais igualitário da América, mas hoje é exatamente o contrário. A desigualdade social é tão chocante que cria uma mistura de surpresa, indignação e até mal-estar nos revolucionários que visitam a ilha. É triste escutar da boca de muitas pessoas desse admirado povo cubano, culto, alegre e musical, frases tão chocantes como estas: “Quando nos vestimos não comemos, e quando comemos não nos vestimos” ou “Nós, cubanos, dizemos que somos como os palhaços: rimos por fora e choramos por dentro.”
Argumentos falsos
Aqueles que, fora de Cuba, defendem o governo e o regime castrista (dentro de Cuba é muito difícil encontrar alguém que o faça), argumentam que o governo teve que abrir as portas para o capitalismo internacional para defender o “socialismo”, porque Cuba estava isolada após o fim da URSS e, portanto, não tinha alternativa.
Esse argumento é duplamente mentiroso. Em primeiro lugar, não é verdade que o governo cubano apelou ao capitalismo para defender o socialismo. Apelou ao capitalismo internacional para restaurar o capitalismo. Não foi para defender o socialismo que se acabou com a eliminação da propriedade estatal dos meios de produção, com a supressão do monopólio do comércio exterior e com o fim da planificação centralizada da economia. Da mesma maneira que não é uma medida socialista colocar na rua mais de um milhão de trabalhadores, ou desabastecer as farmácias populares para que os trabalhadores tenham que comprar remédios nas farmácias dos hoteis internacionais.
Em segundo lugar, cabe a pergunta: por que Cuba estava isolada quando ainda era um Estado operário? Foi por que os trabalhadores e os povos do resto do continente e do mundo não lutavam ou não faziam revoluções? Não. Não foi por isso, mas, sim, porque a direção cubana implementou a mesma política que tiveram as direções da URSS, China, Alemanha Oriental etc.: a coexistência pacífica com o imperialismo, ao invés da revolução latino-americana e mundial.
O exemplo mais evidente dessa política é o da Revolução Sandinista na Nicarágua. A direção sandinista, depois de derrotar o exército de Somoza e tomar o poder, dirigiu-se a Cuba para encontrar-se com Fidel Castro, que lhe deu o seguinte conselho: “Não façam da Nicarágua uma nova Cuba”. Isto é, não expropriem a burguesia nacional nem o imperialismo. E aí estão os resultados. A Nicarágua, governada pelo ex-comandante guerrilheiro e atual multimilionário Daniel Ortega, não só é um Estado capitalista como também é um dos países do mundo onde reina a maior desigualdade social.
Foi justamente essa política, de coexistência pacífica com o imperialismo em um mundo dominado por ele, que levou todas as economias dos ex-Estados operários à crise, e a todas as burocracias dirigentes a procurar, no fim da década de 1980, o apoio das potências imperialistas para sair dessa crise. Não só na forma de empréstimos, como tinham feito há alguns anos, mas também com a restauração dos direitos do capital para superexplorar os trabalhadores desses Estados. Cuba, por ser governada por uma burocracia, com interesses muito diferentes aos dos trabalhadores, não foi uma exceção.
A “democracia” em Cuba
Os defensores do governo cubano, de fora de Cuba, dizem que nesse país há democracia. Afirmam que é verdade que não há democracia para os gusanos, mas que há democracia para os trabalhadores e para o povo.
Em Cuba ninguém diz isso porque se arriscaria, no melhor dos casos, a receber como resposta uma sonora gargalhada. Quem diz que em Cuba há democracia para os trabalhadores tem que dizer: que organismo dos trabalhadores votou o salário de 18 dólares? Que organismo votou que um milhão e trezentos mil trabalhadores tinham que ser demitidos? Que organismo dos trabalhadores votou que os cubanos não podem ler nenhum jornal, a não ser o Granma, o órgão oficial do Partido Comunista? Que organismo dos trabalhadores votou que o povo cubano não pode acessar a Internet?
Mas sobre esse tema da democracia operária também é necessário dizer a verdade, por mais dura que ela seja. E a verdade é que nunca houve democracia para os trabalhadores e o povo cubano, nem mesmo na “época dourada” da revolução, quando estavam expropriando os capitalistas e o imperialismo, e isso explica muito do que está acontecendo atualmente.
Cuba era um Estado operário porque, a partir da expropriação da burguesia, o direito do capital de explorar os trabalhadores foi eliminado, mas nunca foram os trabalhadores, por meio dos seus organismos, que controlaram os destinos do país.
O que existia e existe em Cuba é um regime idêntico ao que existia na ex-URSS e ao que existe na China: um regime baseado em um partido único, o Partido Comunista, apoiado nas Forças Armadas. Mas, na realidade, seria errado afirmar que o Partido Comunista dirigia ou dirige Cuba. Quem está à frente do Estado cubano é um pequeno grupo em torno de Fidel e de Raúl Castro, porque, para que o Partido Comunista pudesse dirigir, deveria ter algum tipo de democracia interna, e isso não existe. O Partido Comunista Cubano praticamente não realiza congressos. Agora, no mês de abril, vão realizar um após 16 anos, mas, na verdade, esse “Congresso” será uma reunião de burocratas, pois os delegados, segundo informa o Granma, serão eleitos por uma plenária de secretários-gerais.
A restauração do capitalismo na Ilha, combinada com a total falta de democracia, teve como resultado a existência de uma ditadura muito similar às piores e mais sanguinárias ditaduras do mundo. Na realidade, em alguns aspectos é uma ditadura muito pior que aquelas. Por exemplo, durante a ditadura de Mubarak, no Egito, havia alguns partidos legais de oposição, havia vários jornais submetidos à censura, mas havia. Havia pleno acesso à Internet e havia alguns poucos sindicatos independentes. Tudo isso é impensável em Cuba.
Seria possível argumentar, contra o que dizemos, que naquelas ditaduras, de Mubarak no Egito, Pinochet no Chile ou de Videla na Argentina, havia milhares de presos políticos, de sequestrados, torturados e assassinados, e que isso não existe em Cuba. É verdade. Mas o que vai acontecer em Cuba quando surgirem greves, mobilizações, grupos guerrilheiros e confrontos com a polícia, como ocorreu naqueles países? O que a ditadura cubana vai fazer? Vai se retirar do poder? Vai abandonar os seus fabulosos privilégios obtidos com a restauração do capitalismo? Ou vai reprimir violentamente as ações das massas quando questionarem seus privilégios?
Para dar só um exemplo, vejamos o que está acontecendo na Líbia. Nesse país, como nos demais países árabes, as massas saíram para se mobilizar contra a miséria e contra o ditador, o coronel Kadafi. Diante disso, Kadafi, assim como a direção cubana no passado, teve sérios confrontos com o imperialismo (hoje é seu sócio), mas hoje está reprimindo sanguinariamente essas mobilizações a tal ponto que provocou uma guerra civil. De que lado Fidel Castro está nesta guerra? Do lado do genocida Kadafi.
Não é a primeira vez que Fidel adota uma posição desse tipo. Quando, em 1967, os tanques soviéticos esmagaram a revolução tchecoslovaca contra a burocracia (que acabou levando esse país à restauração do capitalismo), Fidel se pôs do lado dos tanques soviéticos contra os trabalhadores e o povo da Tchecoslováquia. Mas, em relação à guerra civil na Líbia, não se trata somente de uma nova posição equivocada. Trata-se de uma ameaça às futuras e inevitáveis mobilizações das massas em Cuba.
Fidel disse que não é o povo líbio que está querendo derrubar Kadafi, mas o imperialismo. Para isso, usa como argumento os bombardeios da OTAN e dos Estados Unidos, ocultando que o objetivo do imperialismo é retomar o controle do país (do petróleo), o que foi questionado não por Kadafi, mas pelas massas insurretas que se levantaram contra ele.
Ao se colocar do lado de Kadafi, Fidel não está só anunciando que fará o mesmo em Cuba quando as massas questionarem o seu poder. Já está adiantando os argumentos que usará para justificar a repressão contra os trabalhadores e a juventude. Dirá que tudo é obra dos gusanos e da CIA.
Não havia nem há outro caminho?
Não é verdade que Cuba não tinha ou não tem outra alternativa a não ser cair nos braços do capitalismo mundial. Se os impressionantes recursos gerados pela indústria turística, pela produção e reservas de níquel, pela produção de açúcar, café e tabaco estivessem novamente nas mãos do Estado, e se este voltasse a funcionar com base em uma economia planificada, seria suficiente, no mínimo, para que os cubanos tivessem acesso aos alimentos e aos medicamentos.
Claro que, por mais que expropriasse a nova burguesia nacional e as empresas imperialistas, seria impossível para Cuba, de forma isolada, superar os países capitalistas da região e muito menos as grandes potências imperialistas. Mas por que Cuba teria que continuar isolada? Explodiram dezenas de revoluções em todo o mundo contra o capitalismo. O que aconteceria se a direção cubana apoiasse essas revoluções para que triunfassem? Cuba não ficaria isolada. Por exemplo, na Líbia, as massas estão levando a cabo uma revolução armada contra o ditador Kadafi muito similar à que os cubanos fizeram contra o ditador Batista no fim da década de 1950. O que aconteceria se a direção cubana apoiasse essa revolução? As possibilidades de vitória seriam muito superiores e, dessa forma, Cuba ficaria cada vez menos isolada. Mas, lamentavelmente, já faz muitos anos que a direção cubana não quer “novas Cubas”, por isso foi contra a expropriação da burguesia na Nicarágua e em El Salvador, e agora é contra a expropriação dos fabulosos bens do Coronel Kadafi. Pior ainda, está a favor do genocida.
Não é verdade que Cuba não tinha outro caminho a não ser abraçar o capitalismo. Quem não tinha outro caminho é a direção cubana por não ter defendido, há várias décadas, o caminho da revolução internacional e, sim, o da coexistência com o capitalismo.
Rodear os trabalhadores e o povo cubano de solidariedade
Chamamos os operários, os camponeses, os estudantes e os intelectuais, da América Latina e do mundo, a ser solidários com um povo cubano que está passando fome, suportando uma brutal ditadura, e que está sendo ameaçado de ser massacrado quando começar a se levantar contra os seus exploradores e opressores.
Essa solidariedade deve começar por conhecer e divulgar o que realmente acontece em Cuba. Isso será uma barreira importante para evitar que os futuros lutadores cubanos sejam acusados de agentes da CIA e, com esse pretexto, sejam feridos, presos ou fuzilados, como está fazendo o amigo dos irmãos Castro, o coronel Kadafi, na Líbia.
Estendemos este chamado ao conjunto das direções das organizações de esquerda, inclusive àquelas que são defensoras do atual regime. Fazemos isso porque acreditamos que essas organizações, que estão sendo cúmplices da brutal exploração a que estão submetidos os trabalhadores cubanos, ainda não mancharam suas mãos com o sangue desses trabalhadores.
Chamamos, em especial, os milhares de ativistas honestos que em toda a parte do mundo, sem conhecer bem a realidade cubana, acreditam que Cuba é o bastião do socialismo.
Pode ser que não confiem no que dizemos, porque, embora sempre estivemos do lado da revolução cubana, nunca defendemos o regime dos irmãos Castro. Por isso, insistimos em que se informem pelos seus próprios meios e que, se for possível, viajem a Cuba para ver como vivem e o que pensam os trabalhadores e o povo cubano, para assim verificar se o que estamos dizendo nesta declaração corresponde à verdade ou não. A partir daí, a única coisa que pedimos é que contem a verdade aos seus companheiros de trabalho ou estudo.
O regime cubano está manchando as gloriosas bandeiras do socialismo
Talvez o mais nefasto de tudo o que acontece em Cuba é o fato de que o governo justifica todo o seu projeto contrarrevolucionário (restauração do capitalismo por meio de uma brutal ditadura) em nome do socialismo, porque isso provoca estragos na consciência das massas, em primeiro lugar das próprias massas cubanas.
Em Cuba, resta muito pouco, ou quase nada, da revolução. A revolução agora só pode ser encontrada nos museus, e os seus símbolos – os retratos de Che, de Fidel e de Camilo Cienfuegos – transformaram-se em suvenires, mas só para os turistas, porque, por mais que se procure, é praticamente impossível encontrar um jovem cubano com uma camiseta com o retrato de Che Guevara, com uma bandeira cubana e menos ainda com o retrato de Fidel.
Assim, os cubanos mostram, não só pelo que dizem, a toda hora e em todo momento, como também em suas próprias roupas, que não querem saber nada do governo. Mas, além disso, a nefasta política do governo e do Partido Comunista faz com que muitos se afastem não só do governo, mas também do socialismo, porque é inevitável que, lamentavelmente, muitos pensem: “se isto é o socialismo, eu não sou socialista,” ou, pior ainda, que digam: “se isto é socialismo, sou a favor do capitalismo”.
No entanto, não temos o direito de ser pessimistas. As revoluções que derrubaram as ditaduras dos partidos comunistas do Leste Europeu, as mobilizações de massas da Europa e a revolução árabe não nos dão esse direito. Nem mesmo em Cuba, porque, embora seja verdade que a Revolução de 1959 só possa ser encontrada nos museus, também é verdade que está se gestando uma nova e poderosa revolução, contra o atual regime ditatorial e restauracionista. Por enquanto, ela se expressa em descontentamento contra a ditadura, mas não vai demorar muito tempo para que esse descontentamento, que já está se transformando em ódio em muitos setores, se transforme em ação. E, quando isso acontecer, se entenderá por que os cubanos têm tanto orgulho de seu povo e do seu país, apesar das humilhações diárias a que são submetidos.
Comitê Executivo Internacional da LIT-QI (Liga Internacional dos Trabalhadores – IV Internacional)
São Paulo, 19 de março de 2011
Nota:
1. Gusanos significa literalmente vermes. Assim é conhecida a burguesia reacionária de Cuba que se exilou na Flórida, EUA.
Retirado do Site do PSTU
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