Oposição de direita se mostra fragilizada
e o chavismo tampouco aparece coeso. Enquanto isso economia se
deteriora diante do agravamento da crise
As últimas semanas foram de expectativas e incertezas em
relação ao futuro da Venezuela. Desde que o presidente Hugo Chávez foi à
televisão no último dia 8 de dezembro anunciar mais uma reincidência de
seu câncer e uma nova operação em Cuba, poucas informações foram
divulgadas sobre seu real estado de saúde. Foi a 4ª operação realizada
desde que o mandatário revelou sofrer de câncer, em junho de 2011.
Ao contrário das outras vezes, porém, o último discurso de Chávez antes de partir para a nova bateria de tratamento em Havana, teve um outro tom. Foi a primeira vez que Chávez admitiu publicamente poder não voltar ao cargo, tomando o cuidado de indicar seu vice e chanceler, Nicolás Maduro, como sucessor no caso de novas eleições.
O governo venezuelano, por sua vez, divulgou informações esparsas e muitas vezes contraditórias após a internação do líder bolivariano. Primeiro, informou que a cirurgia realizada no dia 11 de dezembro havia sido bem-sucedida. Depois, revelou que o presidente havia sofrido uma grave hemorragia durante a intervenção, mas que já estaria se restabelecendo. Só após o "furo" de um jornal espanhol o governo admitiu que Chávez estaria passando por um grave quadro de insuficiência respiratória decorrente de uma infecção, e que estava “lutando por sua vida”.
As constantes viagens de Maduro e representantes de diversos países a Cuba, incluindo Evo Morales e Cristina Kirchner, além do assessor especial da presidência para assuntos internacionais do governo Dilma, Marco Aurélio Garcia, só aumentaram a apreensão sobre o que ocorria em Havana. Chegou-se a difundir a notícia de que o presidente estaria em coma, com seus familiares e aliados políticos apenas esperando o momento certo para decidir o desligamento dos aparelhos.
Mas qual o real estado de saúde de Chavez? Estaria mesmo em um estado terminal? Estaria vivo ainda? O governo venezuelano, em um modus operandi típico de ditaduras (incluindo a ditadura militar brasileira) sonega informações para garantir a sua autopreservação e mantém o povo em uma cortina de fumaça.
Batalha política em Caracas
Se em Havana o presidente venezuelano lutava pela vida, em Caracas abria-se uma batalha política e jurídica em torno do mandato. A direita através da Mesa de Unidade Democrática (MUD), liderada por Ramón Guillermo Aveledo, pressionou para que, diante da ausência de Chávez na cerimônia oficial de posse marcada para o dia 10 de janeiro, fosse declarada a “ausência absoluta” do presidente eleito. Diante disso, a Constituição prevê a posse interina do presidente da Assembleia Nacional e a convocação de novas eleições em 30 dias.
Os chavistas, porém, rechaçaram essa medida e, com a anuência do Tribunal Supremo de Justiça, atrelado ao chavismo, postergaram indefinidamente a posse do novo mandato. Na prática, o atual governo estendeu seu mandato até que o presidente eleito apareça, no que muitos viram um golpe de Estado. No entanto, apesar de setores da oposição terem convocado manifestações nas ruas contra essa medida, o próprio ex-candidato à presidência nas eleições de outubro e principal figura da direita no país, Henrique Capriles, governador de Miranda (importante e mais populoso estado), concordou com a decisão do tribunal. Assim como a OEA.
Mesmo assim, a fim de se contrapor às convocatórias da direita, o governo patrocinou manifestações de apoio à Chavez no dia em que o presidente deveria tomar posse, levando dezenas de milhares às ruas de Caracas. A direita, por sua vez, conseguiu reunir apenas 2 mil pessoas em um protesto contra o governo.
A atual conjuntura venezuelana, aliás, permite observar situações de extrema hipocrisia, como setores da direita que impulsionaram a tentativa de golpe em 2002 agora se arvorar como os grandes defensores do Estado de Direito. No âmbito internacional não é diferente e até mesmo o governo paraguaio, que depôs arbitrariamente o presidente eleito Fernando Lugo, cobrou do governo da Venezuela o “respeito à Constituição”.
Para onde vai a Venezuela?
Mas, para além do estado de saúde de Chavez, o que aponta a Venezuela? Apesar de a situação ser extremamente complexa, pode-ser afirmar que comoção criada e insuflada pelo governo em torno da figura de Chávez e seu drama pessoal vem conseguindo reverter parte do desgaste enfrentado pelo governo no último período.
Basta lembrar as eleições presidenciais de outubro último e as regionais em dezembro e compará-las. Apesar de Chávez ter vencido Capriles com relativa folga, a vantagem (54% contra 44%) foi a menor desde que assumiu o poder em 1998. Já nas eleições para os governos dos estados realizadas em 16 de dezembro, após a internação de Chávez, o PSUV (Partido Socialista Unido da Venezuela) obteve uma vitória acachapante, ganhando em 20 dos 23 estados, conquistando quatro estados da oposição.
Temos então uma oposição de direita dividida e sem muita capacidade de mobilização e um chavismo conjunturalmente fortalecido. Porém, se isso aparece de forma clara hoje, não é provável que se mantenha a longo prazo. Para começar o próprio PSUV é um palco de encarniçadas batalhas de setores do próprio chavismo. Exemplo máximo dessa divisão é o vice Maduro e o presidente da Assembleia Nacional, Diosdalo Cabello. Apesar das forçadas poses para a imprensa, é mais do que conhecido a disputa política entre os dois pelo espólio de Chávez. A própria demora em se informar o estado de saúde do presidente seria uma medida para ganhar tempo e aparar minimamente as arestas do chavismo para a composição de um futuro governo.
Em segundo lugar, o desgaste do governo expresso nas eleições de outubro pode estar revelando o início de um processo mais estrutural. O modelo no qual Chávez governou os últimos 14 anos parece estar perdendo fôlego. Apesar do discurso socialista, o governo nacionalista de Chavez administra um capitalismo que prevê a estatização parcial de setores da economia de um lado e, de outro, a expansão de programa sociais “focalizados” e compensatórios, como ocorre no Brasil com o Bolsa Família (de fato a pobreza extrema urbana teve uma redução de 49% em 1999 para 29% em 2010, segundo a ONU). De resto, o país continua pagando a dívida externa e garantindo o lucro das grandes empresas.
Não é por menos que a situação atual de Chávez assuste não só os chavistas. O diretor para mercados emergentes do Eurasia Group, Christopher Garman, expressou ao jornal Estado de S. Paulo do dia 9 de janeiro seus temores diante do atual quadro: “Existe a percepção de que uma Venezuela pós-Chávez pode ser melhor para os negócios, mas nós temos de lembrar que as instituições políticas foram criadas em torno de Chávez” , explicou, para depois afirmar: “Com a oposição ou com um chavismo sem Chávez, nossa preocupação é que a instabilidade política e institucional possa afastar os investimentos e a confiança do investidor” .
O analista de mercado expressa o que deve estar pensando o imperialismo e parte significativa do mercado financeiro internacional: os EUA tem o petróleo que tanto necessita, os credores da dívida pública recebem em dia, as multinacionais lucram e isso tudo em um ambiente de estabilidade política garantida pelo governo. Nem que para isso ele tenha que reprimir o movimento sindical que não se submete à disciplina chavista. Para que mudar?
Sem ruptura com o capitalismo ou o imperialismo, porém, o país permanece com os problemas estruturais de sempre, como a desigualdade social e a pobreza, além de estar vulnerável às crises econômicas internacionais. Essa é uma realidade que os discursos apaixonados pró-Chavez e seu “Socialismo do Século XXI” não são capazes de esconder. Em 2012, por exemplo, a Venezuela aliou baixo crescimento com uma alta inflação que superou os 20% e que come o poder de compra da população. Além disso, o país segue pagando uma dívida externa que passou de 14% do PIB em 2008 para 30% em 2010. O endividamento público como um todo chega hoje a 51% do PIB (segundo dados oficiais baseados em um câmbio manipulado) e o déficit fiscal, 20%. A violência urbana explodiu, quase triplicando no governo de Chávez.
A Venezuela, após 14 anos de Chávez, é um país desigual e mais dependente que nunca. Programas assistencialistas, estatizações parciais e um discurso pretensamente radical e anti-imperialista garantiram até agora o apoio de grande parte da população. Já o alto preço do petróleo no mercado internacional concedeu relativa tranquilidade ao país que é o oitavo maior produtor da commoditie. Mas a permanência de problemas estruturais e o reflexo do agravamento de uma crise econômica internacional no país podem minar esse apoio popular. Conseguirá o chavismo governar apoiando-se somente nas Forças Armadas?
Manter seu domínio e uma estabilidade política no país vai ser para o chavismo um milagre tão maior quanto Chávez se levantar do leito da UTI em Havana e voltar ao governo em Caracas.
Retirado do Site do PSTU
Missa na Venezuela pela saúde do presidente Chavez |
Ao contrário das outras vezes, porém, o último discurso de Chávez antes de partir para a nova bateria de tratamento em Havana, teve um outro tom. Foi a primeira vez que Chávez admitiu publicamente poder não voltar ao cargo, tomando o cuidado de indicar seu vice e chanceler, Nicolás Maduro, como sucessor no caso de novas eleições.
O governo venezuelano, por sua vez, divulgou informações esparsas e muitas vezes contraditórias após a internação do líder bolivariano. Primeiro, informou que a cirurgia realizada no dia 11 de dezembro havia sido bem-sucedida. Depois, revelou que o presidente havia sofrido uma grave hemorragia durante a intervenção, mas que já estaria se restabelecendo. Só após o "furo" de um jornal espanhol o governo admitiu que Chávez estaria passando por um grave quadro de insuficiência respiratória decorrente de uma infecção, e que estava “lutando por sua vida”.
As constantes viagens de Maduro e representantes de diversos países a Cuba, incluindo Evo Morales e Cristina Kirchner, além do assessor especial da presidência para assuntos internacionais do governo Dilma, Marco Aurélio Garcia, só aumentaram a apreensão sobre o que ocorria em Havana. Chegou-se a difundir a notícia de que o presidente estaria em coma, com seus familiares e aliados políticos apenas esperando o momento certo para decidir o desligamento dos aparelhos.
Mas qual o real estado de saúde de Chavez? Estaria mesmo em um estado terminal? Estaria vivo ainda? O governo venezuelano, em um modus operandi típico de ditaduras (incluindo a ditadura militar brasileira) sonega informações para garantir a sua autopreservação e mantém o povo em uma cortina de fumaça.
Batalha política em Caracas
Se em Havana o presidente venezuelano lutava pela vida, em Caracas abria-se uma batalha política e jurídica em torno do mandato. A direita através da Mesa de Unidade Democrática (MUD), liderada por Ramón Guillermo Aveledo, pressionou para que, diante da ausência de Chávez na cerimônia oficial de posse marcada para o dia 10 de janeiro, fosse declarada a “ausência absoluta” do presidente eleito. Diante disso, a Constituição prevê a posse interina do presidente da Assembleia Nacional e a convocação de novas eleições em 30 dias.
Os chavistas, porém, rechaçaram essa medida e, com a anuência do Tribunal Supremo de Justiça, atrelado ao chavismo, postergaram indefinidamente a posse do novo mandato. Na prática, o atual governo estendeu seu mandato até que o presidente eleito apareça, no que muitos viram um golpe de Estado. No entanto, apesar de setores da oposição terem convocado manifestações nas ruas contra essa medida, o próprio ex-candidato à presidência nas eleições de outubro e principal figura da direita no país, Henrique Capriles, governador de Miranda (importante e mais populoso estado), concordou com a decisão do tribunal. Assim como a OEA.
Mesmo assim, a fim de se contrapor às convocatórias da direita, o governo patrocinou manifestações de apoio à Chavez no dia em que o presidente deveria tomar posse, levando dezenas de milhares às ruas de Caracas. A direita, por sua vez, conseguiu reunir apenas 2 mil pessoas em um protesto contra o governo.
A atual conjuntura venezuelana, aliás, permite observar situações de extrema hipocrisia, como setores da direita que impulsionaram a tentativa de golpe em 2002 agora se arvorar como os grandes defensores do Estado de Direito. No âmbito internacional não é diferente e até mesmo o governo paraguaio, que depôs arbitrariamente o presidente eleito Fernando Lugo, cobrou do governo da Venezuela o “respeito à Constituição”.
Para onde vai a Venezuela?
Mas, para além do estado de saúde de Chavez, o que aponta a Venezuela? Apesar de a situação ser extremamente complexa, pode-ser afirmar que comoção criada e insuflada pelo governo em torno da figura de Chávez e seu drama pessoal vem conseguindo reverter parte do desgaste enfrentado pelo governo no último período.
Basta lembrar as eleições presidenciais de outubro último e as regionais em dezembro e compará-las. Apesar de Chávez ter vencido Capriles com relativa folga, a vantagem (54% contra 44%) foi a menor desde que assumiu o poder em 1998. Já nas eleições para os governos dos estados realizadas em 16 de dezembro, após a internação de Chávez, o PSUV (Partido Socialista Unido da Venezuela) obteve uma vitória acachapante, ganhando em 20 dos 23 estados, conquistando quatro estados da oposição.
Temos então uma oposição de direita dividida e sem muita capacidade de mobilização e um chavismo conjunturalmente fortalecido. Porém, se isso aparece de forma clara hoje, não é provável que se mantenha a longo prazo. Para começar o próprio PSUV é um palco de encarniçadas batalhas de setores do próprio chavismo. Exemplo máximo dessa divisão é o vice Maduro e o presidente da Assembleia Nacional, Diosdalo Cabello. Apesar das forçadas poses para a imprensa, é mais do que conhecido a disputa política entre os dois pelo espólio de Chávez. A própria demora em se informar o estado de saúde do presidente seria uma medida para ganhar tempo e aparar minimamente as arestas do chavismo para a composição de um futuro governo.
Em segundo lugar, o desgaste do governo expresso nas eleições de outubro pode estar revelando o início de um processo mais estrutural. O modelo no qual Chávez governou os últimos 14 anos parece estar perdendo fôlego. Apesar do discurso socialista, o governo nacionalista de Chavez administra um capitalismo que prevê a estatização parcial de setores da economia de um lado e, de outro, a expansão de programa sociais “focalizados” e compensatórios, como ocorre no Brasil com o Bolsa Família (de fato a pobreza extrema urbana teve uma redução de 49% em 1999 para 29% em 2010, segundo a ONU). De resto, o país continua pagando a dívida externa e garantindo o lucro das grandes empresas.
Não é por menos que a situação atual de Chávez assuste não só os chavistas. O diretor para mercados emergentes do Eurasia Group, Christopher Garman, expressou ao jornal Estado de S. Paulo do dia 9 de janeiro seus temores diante do atual quadro: “Existe a percepção de que uma Venezuela pós-Chávez pode ser melhor para os negócios, mas nós temos de lembrar que as instituições políticas foram criadas em torno de Chávez” , explicou, para depois afirmar: “Com a oposição ou com um chavismo sem Chávez, nossa preocupação é que a instabilidade política e institucional possa afastar os investimentos e a confiança do investidor” .
O analista de mercado expressa o que deve estar pensando o imperialismo e parte significativa do mercado financeiro internacional: os EUA tem o petróleo que tanto necessita, os credores da dívida pública recebem em dia, as multinacionais lucram e isso tudo em um ambiente de estabilidade política garantida pelo governo. Nem que para isso ele tenha que reprimir o movimento sindical que não se submete à disciplina chavista. Para que mudar?
Sem ruptura com o capitalismo ou o imperialismo, porém, o país permanece com os problemas estruturais de sempre, como a desigualdade social e a pobreza, além de estar vulnerável às crises econômicas internacionais. Essa é uma realidade que os discursos apaixonados pró-Chavez e seu “Socialismo do Século XXI” não são capazes de esconder. Em 2012, por exemplo, a Venezuela aliou baixo crescimento com uma alta inflação que superou os 20% e que come o poder de compra da população. Além disso, o país segue pagando uma dívida externa que passou de 14% do PIB em 2008 para 30% em 2010. O endividamento público como um todo chega hoje a 51% do PIB (segundo dados oficiais baseados em um câmbio manipulado) e o déficit fiscal, 20%. A violência urbana explodiu, quase triplicando no governo de Chávez.
A Venezuela, após 14 anos de Chávez, é um país desigual e mais dependente que nunca. Programas assistencialistas, estatizações parciais e um discurso pretensamente radical e anti-imperialista garantiram até agora o apoio de grande parte da população. Já o alto preço do petróleo no mercado internacional concedeu relativa tranquilidade ao país que é o oitavo maior produtor da commoditie. Mas a permanência de problemas estruturais e o reflexo do agravamento de uma crise econômica internacional no país podem minar esse apoio popular. Conseguirá o chavismo governar apoiando-se somente nas Forças Armadas?
Manter seu domínio e uma estabilidade política no país vai ser para o chavismo um milagre tão maior quanto Chávez se levantar do leito da UTI em Havana e voltar ao governo em Caracas.
Retirado do Site do PSTU
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