terça-feira, 30 de outubro de 2012

"A gente está resistindo e vai resistir até o fim"

Raíza Rocha
Ládio Veron, liderança dos Guarani-Kaiowá
O país inteiro tem acompanhado o drama dos índios Guarani–Kaiowá. A luta contra o despejo da aldeia Pyelito Kue e pela demarcação das terras indígenas ganhou as redes sociais e a solidariedade dos movimentos sociais tem fortalecido a resistência indígena. Uma das lideranças dos Guarani-Kaiowá esteve na reunião nacional da CSP-Conlutas para relatar a realidade do seu povo em um país que tem cometido um verdadeiro genocídio contra os índios. Ládio Veron falou ao Portal do PSTU sobre o aumento da violência contra lideranças indígenas e o total abandono das reservas, aldeias e acampamento indígenas pelos governos. Segundo o líder, mais de 270 lideranças foram assassinadas nos últimos 10 anos, número superior do que nos 20 anos anteriores. Encurralados por pistoleiros e pela Justiça Federal, precisariam apenas de uma intervenção do Governo Dilma para que suas terras fossem demarcadas e novas tragédias evitadas.


Como foi o processo que levou os Guarani-Kaiowá serem expulsos de suas terras no Mato Grosso do Sul?

Até hoje não descobriram que a gente é uma nação, um povo. Até hoje o governo não descobriu isso, e que o nosso território Guarani- Kaiowá é o que reivindicamos. Os governos, no passado, dividiram todas as áreas indígenas para os ruralistas. O que a gente pede são as terras mais sagradas onde viviam os nossos antepassados, o nosso bisavô, nosso tataravô. É ali que a gente quer voltar. Nós não estamos pedindo o Mato Grosso do Sul inteiro. Na época do SPI (Serviço de Proteção aos Índios), eles dividiram tudo. Fizeram 8 reservas, reservas de confinamento. O governo não pensou que, cedo ou tarde, aquela área estaria lotada de índio. E fez só aquela área. Hoje, somos quase 55 mil indígenas Guarani-Kaiowá no Mato Grosso do Sul com menos de 1% de terra dos nossos territórios. Então, as lideranças indígenas se mobilizaram em 1988, quando a nova constituição foi feita. A nova constituição disse que em cinco anos teriam que ser demarcadas todas as áreas reivindicadas pelos índios. A constituição é clara. É garantida aos índios sua posse permanente nessas áreas, mas até hoje o governo não deu a homologação desses territórios. Por isso, vem se intensificando os conflitos entre índios e fazendeiros, entre índios e ruralistas, entre índios e os grandes empreendimentos.


Como é a vida dos Guarani-Kaiowá hoje?

Estamos enfrentando uma situação muito difícil. Uma situação de violência e preconceito que não é de um ser humano. Estamos praticamente esquecidos pelo governo. Estamos lá acampados em frente a nossas terras porque não podemos ocupá-la. Tem áreas demarcadas, mas a homologação é suspensa no Supremo Tribunal. Nesta situação, muitas lideranças indígenas já foram mortas lutando pela terra. Hoje, estamos encurralados, falando em um português mais claro. Não podemos sair pra cidade, não podemos ver se os nossos filhos estão estudando direito devido a esta violência, às ameaças dos latifundiários, dos fazendeiros, do agronegócio, dos pecuaristas. A justiça não está sendo feita.

Na reserva de Dourados (MS), em cima de um pedaço de terra de 539 hectares, há mais de 18 mil famílias. Não dá nem pra fazer uma casa, uma roça. É muita gente em cima dessa área. Hoje, a influência da cidade é muito grande na reserva. A área de Dourados já se encontra dentro da cidade. A cidade vem oprimindo a reserva de Dourados, onde acontece matança, drogas, prostituição.

Uma vez um delegado disse que iria me prender. Eu disse pra ele que ele tinha se enganado. ‘Eu estou preso. Eu não posso sair de lá. Estou tomando chuva, tempestade, ventania, sem casa. É doença, fome e tristeza. Isso é estar preso. Nós estamos presos.’ Pra cá é asfalto, se você sai o carro pega. Pra lá é jagunço, se você entra a bala vem. A gente fica na beira da estrada, cuidando um do outro. Até quando vai ser assim? Quando o governo vai parar pra pensar que a gente é ser humano? A gente está lá dessa forma. É triste a nossa vida de viver na beira do caminho.


Como está a luta dos Guarani -Kaiowá diante do iminente despejo?

O meu povo não vai sair da aldeia. Vamos permanecer. Se querem tirar a gente da terra, o governo decreta logo uma lei, mata todo mundo e enterra lá. E acaba de vez a dor de cabeça pra eles. Mas parece que o mundo não-índio está entendendo de outra maneira. Parece que a gente vai se enforcar, morrer todo mundo e pronto. A gente está resistindo e vai resistir até o fim. Não vamos sair de lá. Aquelas terras são sagradas pra nós. Em cima daquelas terras que vamos sobreviver, que o futuro vai viver. Nossos filhos, nossos netos vão viver lá e é pra isso que estamos lutando.




No dia 24, uma Kaiowá-Guarani foi violentada por pistoleiros. Esse tipo de violência tem sido comum na região?

O estupro ocorreu em uma das reservas ameaçadas de despejo, a Pyelito Kue. A gente recebeu essa notícia que é chocante e é dessa forma que tem acontecido. Porque estamos acampados, e em volta da gente tem muitos jagunços que circulam vigiando o índio pra não sair, matando, estuprando. É assustador.


Os governos de Lula e da Dilma representaram algum avanço na luta pela demarcação das terras indígenas?

 Nenhuma. No governo do Lula aumentou a matança das lideranças indígenas e nada de demarcação de terras. Então, pra nós, não é suficiente o trabalho que o Lula fez. Não alcançamos nada com este governo. Praticamente, Lula não fez nada pelos Guarani-Kaiowá.


Como estão as negociações em relação à reintegração de posse de Pyelito Kue?

A justiça de Naviraí (MS) diz que não tem nenhuma ação contra Pyelito Kue. Mas a Justiça Federal diz que os índios têm que sair de lá. É essa a situação. Coloca o índio em pânico. A polícia aparece lá e os índios ficam pintados aguardando a polícia entrar. É desse jeito. Parece brincadeira, um juiz diz que sim e o outro diz que não.


A luta dos Guarani-Kaiowá tem recebido solidariedade de todo o país. Como vocês têm recebido esse apoio?

Agradeço muito ao Tribunal Popular que já esteve na expedição e sentiu de perto o nosso sofrimento. E agora também esse pessoal aqui [CSP-Conlutas] e vários outros lugares que estão fazendo o movimento. Eu fico agradecido. Hoje, qualquer coisa que acontece, a gente coloca na Internet e se espalha.

Lá a gente é proibido de tudo. Não pode ter celular nem Internet. Somos vigiados 24h. Tanto pelos pistoleiros quanto pelo pessoal da FUNAI. Se vacilar, eles mandam prender. Agora, com o avanço das denúncias, eu espero que eles fiquem caladinhos porque a coisa vai pegar. A coisa está feia pro lado deles agora. Eu creio também que daqui pra frente o governo deva acelerar a demarcação. Tudo que queremos é viver em paz, de igual pra igual, com a demarcação das nossas terras e a prisão dos assassinos das nossas lideranças.


O alto índice de suicídios entre os jovens está relacionado com a falta de perspectivas dentro das reservas?

A gente tem visto muitos jovens cometendo suicídio. A gente está hoje lutando pela demarcação das terras porque com a terra a gente vai trazer essas pessoas para a área e vai dizer ‘esse é seu pedaço, trabalhe aqui, plante aqui’. Na nossa aldeia Taquara hoje, estamos com 88 famílias em 90 hectares. Pra cada uma, a gente deu um pedacinho pra plantar. A nossa área é pequena, ainda estamos acampados e sendo vigiados. Ainda não é uma aldeia de fato. Mas temos alternativa para os jovens. Falamos pra plantar, fazer uma horta, artesanato. Em várias outras áreas que é demarcada é muito grande o suicídio por falta de trabalho. Muitos jovens têm filhos cedo e não tem como se sustentar. Nas áreas que estamos ocupando temos incentivado estudar, a primeiro se capacitar para depois de casar. Kaiowá não é pra fazer uma coisa precipitada, tem que se pensar primeiro. Mas, em outras aldeias não tem esse incentivo porque é muita gente e é difícil se reunir. Mas o foco principal é a luta pela terra. Sem a terra, não vai ter uma educação melhor, não vai ter moradia, não vai ter formação. A gente precisa da terra, pois é dela que vamos tirar o nosso sustento. Sem terra, não temos como viver.


Explique o que é o Aty Guasu? É um espaço de organização dos indígenas?

O Aty Guassu é uma assembléia dos Guarani- Kaiowá onde se discute a luta e, em primeiro lugar, a luta pela terra. Onde se discute a cultura, tradição, crença, religião, língua, educação e saúde indígenas. Esse é o papel da Aty. É onde sentamos e discutimos como vão ser as coisas, como queremos viver, defendendo nossos direitos, a luta pela terra, a nossa sobrevivência e cultura.

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Retirado do Site do PSTU

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