quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

BBB12: o estupro e a violência como espetáculo

Na madrugada do dia 15 de janeiro, o programa “Big Brother Brasil”, da Rede Globo, exibiu uma cena de suposto romance entre dois participantes, após uma das festas que fazem parte do show deste lamentável espetáculo.

A participante Monique estava deitada ao lado de Daniel e estava claramente inerte, sem se mexer, dormindo. Daniel tentava aprofundar o “amasso” com a participante, mas esta continuava sem se manifestar. Dessa forma, Daniel começou a fazer movimentos que podem ser de uma penetração forçada sem consentimento, mas não é possível provar, pois o cobertor cobria os dois participantes, que tinham apenas o pescoço e a cabeça aparecendo.

Os movimentos de Daniel, combinados com a postura inerte de Monique indicam que houve no mínimo algum tipo de ação sem consentimento da participante. A Rede Globo tratou de proteger seu programa e, já às 13h, do dia 15 de janeiro, havia proibido a exibição do vídeo pela internet, reivindicando seus direitos autorais. A notícia sobre o caso já foi divulgada com a versão oficial da emissora dizendo que não se tratou de estupro, pois a moça teria consentido o ato.


Não há dúvidas sobre o estupro

A interpretação de que houve abuso sexual é tão óbvia que, na manhã do dia 15, a expressão #danielexpulso estava entre os “trending topics” do twitter e as manifestações contra o participante tomaram conta das redes sociais.

No programa exibido na noite do dia 15, a repercussão do caso não foi abordada pelo apresentador Pedro Bial, mas foram exibidas cenas em que a participante Monique comentava o ocorrido, e conversava com o próprio Daniel sobre o caso. A impressão é que Monique não tinha muita idéia do que havia ocorrido exatamente na cama com Daniel, mas ela evidentemente lembrava do clima que desenvolveu com o participante e que eles acabaram dormindo juntos.

A produção do BBB conversou com a participante no chamado confessionário e esta disse que não achava que havia sido estupro. Mas não há nenhuma forma de saber o quanto a produção e a direção do programa (que, no mínimo, foram coniventes com o abuso sexual, ao terem acompanhado, em tempo real, toda a situação, sem tomar nenhuma providência).

A postura de Monique de dizer que não foi estupro ou algum tipo de abuso é absolutamente explicável pelo fato de ela estar sendo vigiada pelo Brasil inteiro. É muito difícil para uma mulher denunciar um caso de estupro ou de abuso sexual, porque o machismo joga toda a culpa para as mulheres, mesmo quando elas são vítimas. Fazer isto diante de milhões, então, deve ser desesperador, principalmente depois de uma balada assistida por todos.

E não faltam motivos para que a garota pense desta forma. Hoje, não faltaram comentários nas redes sociais que “justificavam” o crime de Daniel através do porre de Monique, afirmando que ela que teria que arcar com as consequências disto. Por que os homens podem beber a vontade nas festas do BBB e não precisam se preocupar com isso? Por que não vemos este tipo de “investida” ser recorrente da parte de mulheres sobre os homens?

Temos que aceitar que é da natureza do homem ir para cima da mulher para satisfazer um desejo sexual seu? E temos que aceitar que as mulheres é que devem controlar suas atitudes para que isso não aconteça? E a Globo, não tem nenhuma responsabilidade por ter permitido que o lamentável fato tenha ocorrido, apesar de ter todas as condições de interferir?


Um programa feito sob medida para a baixaria

Em sua 12º edição, o programa busca mais uma vez, das formas mais lamentáveis possíveis, colocar mulheres e homens sarados(as) juntos, enjaulados em uma mansão, com festas regadas a música e bebida, permanentemente instigados a produzir cenas “picantes” reais, com o único intuito de aumentar a audiência e, por tabela, os lucros com os patrocinadores e com o mercado publicitário.

Particularmente nesta edição (já marcada pela queda e oscilações de audiência que o programa tem enfrentado nos últimos anos), a incitação para que as “coisas peguem fogo”, tem sido a marca registrada das edições feita pela Globo, que privilegia, no ritmo da “poesia” medíocre de Pedro Bial, a malícia, através de “apelidos” e perguntas cheias de sentidos duplos.

E, evidente, partindo do princípio que a maioria dos participantes está lá dentro exatamente para participar deste espetáculo patético, não faltam homens, principalmente, sempre dispostos a falar “em qual mulher eles vão chegar” e demonstrações ostensivas de machismo e assédio de todo tipo. Contudo, nenhum tinha assumido as dimensões do que ocorreu no dia 15.

Infelizmente, a mais poderosa emissora brasileira, com seu poder de interferência direta na consciência das pessoas se preocupa em passar o mínimo de conteúdo, o mínimo de cultura, o mínimo de possibilidade de consciência crítica.

Se fôssemos enumerar as expressões, as atitudes, os comentários, os comportamentos teríamos milhões de exemplos para demonstrar como este programa reafirma e dissemina ideologias reacionárias, como o machismo, a homofobia e o racismo, tudo isso apesar da fantasia politicamente correta que a Rede Globo veste pensando, na verdade, no mercado por trás disso.


Chega de propagar o preconceito

Já tivemos também o desprazer que ver em um dos poucos canais abertos da TV brasileira um simpatizante do fascismo homofóbico vencer uma edição e embolsar 1 milhão de reais. Entretanto, com poucos dias da 12º edição, este programa chega ao seu limite ao não tomar nenhuma providência diante do que ocorreu entre Monique e Daniel.

Daniel fez o que fez porque o machismo faz os homens acharem que podem se impor sobre as mulheres, que elas devem satisfazer seus desejos sexuais e que se ela bebe, é porque ela está querendo ser molestada, ou abusada, ou qualquer outra coisa. A emissora permitiu que tudo isto ocorresse pensando unicamente nos “picos” de audiência que as cenas pretensamente “picantes” (mas, visivelmente violentas e asquerosas, para qualquer um que não veja mulheres como objetos sexuais) iriam proporcionar e o lucro que conseguiriam com isto.


Punição para Daniel e para a Globo

No final da noite, a emissora anunciou a expulsão do estuprador. Era o mínimo que se esperava. Mas não agora, praticamente um dia depois do ocorrido. Daniel deveria ter sido expulso no momento da investida claramente criminosa. Em primeiro lugar, Monique teria sido poupada de uma violência que irá marcar definitivamente sua vida. Em segundo, a Globo a teria poupado de que tudo isto ocorresse sob as câmeras gananciosas da emissora e olhares de milhões que, infelizmente, insistem em dar Ibope para este lixo cultural.

Agora, fora da casa, Daniel não pode sair impune. É o que manda a lei, raramente aplicada, principalmente em casos como estes. Mas é isto que está no artigo 213 do código penal, que define estupro:

Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.

Portanto, por mais que pelas cenas (uma prova incontestável do ato) não dê para provar que foi estupro, se recorrermos à tipificação do caso pelo Código Penal, veremos que o ato de Daniel pode se enquadrar na definição de estupro e, portanto em sua consequente pena.

E a Globo também não pode sair impune desta história. Primeiro, porque é uma concessão pública, que deveria estar a serviço da formação e desenvolvimento da população, mas cuja história revela que seus compromissos políticos e econômicos fazem com que a emissora se esmere em produzir programas que, em última instância, um único objetivo: manter a população brasileira desprovida de cultura e consciência crítica.

Isto por si só já é lamentável. Contudo, que a direção e produção de um programa sejam testemunhas oculares de um crime e nada façam para impedi-lo é, também, um crime. E como tal deve ser punido.

Não é de hoje que a Globo banaliza a violência sexual contra as mulheres e se apóia no machismo para garantir a audiência. No vale-tudo da disputa pela hegemonia da programação, o machismo se torna um aliado forte.

Em um Brasil em que a cada duas horas uma mulher assassinada, silenciar-se diante de um ato de violência pode se tornar uma tácita cumplicidade. Por isso, a emissora deveria se colocar na dianteira do processo de investigação e impulsioná-lo. Caso contrário, tem de ser punida por omissão. Ao mesmo tempo, tem a obrigatoridade de fornecer à vítima condições para se recuperar de um trauma que marcará sua vida para sempre: a exposição, a humilhação e a violência sofrida e assistida por milhões de brasileiros.


Retirado do Site do PSTU

Nenhum comentário:

Postar um comentário