Após divulgação do vídeo, jornal uruguaio El País publicou um relato detalhado, que revela a verdadeira face da ocupação. “Dois deles me seguraram e dois deles me estupraram”, revela Johnny. Relatório militar aponta apenas “má conduta” e manobras da ONU tentam garantir impunidade dos militares
Na sexta-feira, 2 de setembro, começou a circular pela internet um vídeo que, apesar de ser de um horror indescritível, talvez seja a imagem mais representativa do real significado da ocupação do Haiti pelas tropas das Minustah, vergonhosamente lideradas pelo Brasil.
São 45 dolorosos segundos, registrados por um celular, no final do mês de julho, nos quais gritos de desespero e gargalhadas de cinismo competem com imagens ainda mais grotescas que registram o momento em que um jovem (de 18 anos, segundo a imprensa mundial), é humilhado e estuprado, no interior de uma base das Organizações das Nações Unidas (ONU), por um grupo de soldados uruguaios.
Repugnantes e indigestas até mesmo para aqueles “acostumados” com as cenas de barbárie e violência que infestam as chamadas redes sociais, as imagens e a repercussão do episódio (que, não por acaso, têm sido pouco divulgadas ou minimizadas pela imprensa brasileira) mais uma vez chamaram a atenção para a ocupação do país mais pobre do Ocidente.
Uma ocupação que, sob o hipócrita manto de “caráter humanitário”, só tem significado mais sofrimento, violência e exploração para o povo haitiano. Tudo isto levado a cabo sob o comando do governo brasileiro e, como neste caso de estupro, cercado pela impunidade garantida pela ONU e pelos governantes dos países que compõem a chamada Missão da ONU pela Estabilização do Haiti (Minustah)
Cenas de horror
Apesar das tentativas de amenizar o episódio e das “justificativas” emitidas tanto pela Minustah quanto pelo governo uruguaio, as imagens não deixam dúvidas: o jovem Johnny Jean foi brutalmente violentado no interior da base de Port-Salut, no sul do país, por quatro militares uruguaios.
Se restassem dúvidas, no dia 7 de setembro, o jornal uruguaio El País, publicou um relato detalhado, obtido pelo Escritório Nacional de Defesa dos Direitos Humanos, uma ONG sediada no Haiti que entrevistou o garoto, sua mãe e seu padrasto e, ainda, cita, nominalmente, os militares envolvidos.
De acordo com o relato, o jovem que vive nas redondezas da base, estava voltando de um jogo de futebol (organizado pelo próprio batalhão uruguaio) quando foi levado à força por um dos militares para o interior da base. Lá, pelo menos dois dos marinheiros violentaram o rapaz.
Exatamente em função do ambiente repressivo, Johnny só recebeu atendimento médico em 30 de agosto, um mês após o estupro, quando os médicos do Hospital Comunitário de Referência de Port-Salut, registraram “lacerações na região anal” e recomendaram exames para a possível transmissão de doenças venéreas.
Também, só com o vazamento do vídeo, Johnny veio a público, acompanhando de sua mãe Rose Marie Jean, para contar sua história nas rádios locais. No dia 6, em entrevista à rádio Les Cayes ele contou que quatro soldados realizaram o crime: "Dois deles me seguraram e dois deles me estupraram. Eles me bateram inúmeras vezes" (...) "Depois disso, os soldados tentaram negociar com minha mãe para cobrir o caso, mas ela não quis e avisou as autoridades".
Estupro contra a verdade
Apesar dos depoimentos e das imagens inquestionáveis, o “desconforto” provocado pelo episódio originou uma verdadeira onda de hipocrisia, alimentada por todos os envolvidos na ocupação. A começar pelo governo Dilma, que está se ocultando atrás de um silêncio covarde, passando pelo governo uruguaio e chegando, evidentemente, à própria ONU.
Neste sentido, a posição do governo uruguaio é particularmente asquerosa. Antes de mais nada, cabe lembrar que o país, hoje, compartilha com o Brasil não só a ocupação do Haiti, mas também o fato de ter a sua frente um ex-esquerdista, José Mujica, que presidi o país apoiado nos mesmos setores da burguesia que combateu no passado.
É esta opção que faz com que o Uruguai, por exemplo, mantenha um das maiores tropas no Haiti Ocupado. São cerca de 1.2000 soldados, a maioria da elite da Marinha e da Aeronáutica.
Fiel, também, ao estilo de governos como os de Dilma, Evo Morales e Chaves, depois de sair a público vociferando contra o “absurdo” e prometendo a punição exemplar dos envolvidos, Mujica está tomando providências para “abafar” o caso e manter as coisas exatamente como estão, através de uma manobra que só pode ser considerada como um novo “estupro”, desta vez contra a verdade.
Segundo o jornal uruguaio “El Observador”, o relatório das Forças Armadas, que foi divulgado no Congresso do país, no dia 8 de setembro, descarta que houve qualquer tipo de infração por parte dos militares e concluiu que, "usando a análise do vídeo como evidência, é descartada a possibilidade de intenção de abuso sexual". Além disso, segundo o texto, “o acontecimento não envolveu atos sexuais nem aberrantes" e, ainda, "os marinheiros são responsáveis, apenas, por atos de má conduta".
Se isto não bastasse, como é lamentavelmente comum na maioria dos casos de estupro, o relatório ainda tenta jogar a “culpa” sobre a vítima. Apoiando-se nos depoimentos dos canalhas agressores, o texto alega que os militares foram “obrigados” da “dar uma lição” ao jovem haitiano em função da "linguagem ofensiva que o cidadão local usou contra suas famílias".
E como não há limites para a hipocrisia, o relatório ainda afirma que só "houve uso da força física com o único propósito de fazer uma piada". Uma afirmação tão asquerosa quanto a do presidente Mujica que, em entrevista para o jornal “El Páis”, no dia 7 de setembro, para minimizar os fatos, se utilizou de um argumento digno dos ditadores contra os quais ele lutou no passado: “desde que o mundo e mundo, este tipo de coisas existem (...) entre os soldados, sempre há uma banda indisciplinada, é inevitável”.
Hipocrisia sem limites
O relatório, evidentemente, é parte das muitas manobras que estão sendo orquestradas para livrarem os militares, o governo uruguaio e a própria ONU, de qualquer responsabilidade pelo crime.
Assim que o vídeo veio a público, o governo de Mujica, por exemplo, declarou-se “envergonhado”, afastou o chefe das tropas uruguaias no Haiti e “exigiu” a imediata repatriação dos agressores, algo que foi apresentado como uma demonstração de “mão firme” do governo, mas que, na verdade, não passa de uma tentativa de livrar a cara dos militares.
A ONU impõe que todos os “capacetes azuis” sejam protegidos por uma norma que determina que todo ato criminoso praticado pelas “missões de paz” sejam julgados pelos tribunais de seus respectivos países. Ou seja, eles têm que ser “obrigatoriamente” repatriados. E a ONU, certamente, já conta com o tipo de tratamento que será dado para seus criminosos, uma vez que retornem para seus países de origem, como fica evidente no relatório-fraude do governo uruguaio.
Por isso mesmo, não causa espanto que a porta-voz da Missão da ONU, no Haiti, Eliana Nabaa também tenha colocado a veracidade dos fatos em dúvida, declarado que a entidade tem “tolerância zero” em relação a abusos sexuais e, ainda por cima, se lamentado principalmente porque o episódio “pode impactar centenas, milhares de pessoas que têm feito um trabalho maravilhoso aqui". Ou seja, ela também está mais preocupada com o efeito sobre as tropas do que com os crimes que elas têm cometido contra os haitianos.
Por sua vez, o ex-cantor popular Michel Martelly, que governa o Haiti desde o final de maio, também não se acanhou em tomar seu papel no show de hipocrisias montado para garantir a impunidade em relação a mais este crime: esbravejou pedindo justiça e, na sequência, reassumiu sua posição de gerente de um país ocupado, aguardando a decisão de seus chefes, da Minustah e da ONU, declarando que “aguarda um relatório detalhado estabelecendo os fatos e as circunstâncias exatas”.
No seu papel de comandante da chamada Missão da ONU pela Estabilização do Haiti, a Minustah, o general brasileiro Luiz Ramos emitiu uma nota que caracteriza o episódio como absolutamente excepcional e, numa demonstração de cinismo inegualável, dedica mais espaço para lamentar a morte ou ferimento de quase 40 militares uruguaios, no decorrer dos sete anos de ocupação, do que ao fato de que alguns deles são, reconhecidamente, estupradores.
Por fim, pra não dizer que o governo Dilma ficou apenas no silêncio cúmplice, mas também embarcou na onda de hipocrisia, cabe lembrar que, o ministro da Defesa Celso Amorin, questionado sobre o episódio durante uma visita a Argentina, na segunda dia 5, defendeu que o Brasil precisa “evitar saída desorganizada” e “começar a pensar na saída gradual de suas tropas do Haiti”.
Na quinta, dia 8, já mais sintonizado com a manobra orquestrada pela Minustah, o ministro das Relações Exteriores brasileiro, Antonio Patriota, informou, em Montevidéu, durante a reunião da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), que irá propor ao Conselho de Segurança da ONU a redução do número de soldados da missão de paz no Haiti, mesmo negando que isto tenha qualquer coisa a ver com o estupro.
Promessas que ao mesmo tempo em que tem tudo para cair no vazio, deixam transparecer a crescente preocupação com a insatisfação e indignação do povo haitiano que, de fato, só tem uma saída, para a barbárie em que estão vivendo: promover a saída, “organizada” ou não, das tropas de ocupação de seu país.
Sofrimento sem fim?
As razões para a preocupação de Amorim são reais. Mais distante dos interesses brasileiros no Haiti, o “Jornal de Angola” relatou, no dia 8 de setembro, que, na segunda-feira, 5 de setembro, centenas de pessoas, incluindo políticos locais, organizaram um protesto na frente da base da ONU, exigindo a saída imediata das tropas e o julgamento, em solo haitiano, dos militares estupradores
Nos rostos de muitos manifestantes vistos durante os protestos era impossível não perceber as marcas da indignação e de dor de gente que parece não ver fim para seu próprio sofrimento. São anos de ocupação e a convivência ainda cotidiana com as profundas marcas deixadas pelo terremoto que, há pouco mais de um ano, potencializado pelas péssimas condições de vida e moradia, provocou a morte de centenas de milhares (400 mil, no mínimo).
A percepção de que as forças de ocupação estão trazendo mais prejuízos que benefícios já é antiga, como também não é nenhuma novidade que, além da violência política e da exploração econômica, a violência (particularmente a sexual) tem sido constante na história da Ocupação (leia artigo “Estupro como arma de Ocupação”).
A crescente indignação diante de tudo isto se intensificou no final do ano passado, com o surgimento de uma epidemia de cólera (originada nos banheiros da tropas de ocupação, cujos detritos eram lançados num rio local) que, até o momento, já matou mais de 6.200 pessoas e deixou outras 40 mil doentes.
A circulação do vídeo e a quase certeza da impunidade já fez com que, no decorrer da semana, outros protestos sob a bandeira “Justiça para Johnny” tenham pipocado em outros cantos do país. Unificar estes protestos e inseri-los na luta pela imediata tropas do Haiti é o único caminho para que o sofrido povo do país possa reconquistar sua dignidade, como indivíduos e como povo.
Retirado do Site do PSTU
Na sexta-feira, 2 de setembro, começou a circular pela internet um vídeo que, apesar de ser de um horror indescritível, talvez seja a imagem mais representativa do real significado da ocupação do Haiti pelas tropas das Minustah, vergonhosamente lideradas pelo Brasil.
São 45 dolorosos segundos, registrados por um celular, no final do mês de julho, nos quais gritos de desespero e gargalhadas de cinismo competem com imagens ainda mais grotescas que registram o momento em que um jovem (de 18 anos, segundo a imprensa mundial), é humilhado e estuprado, no interior de uma base das Organizações das Nações Unidas (ONU), por um grupo de soldados uruguaios.
Repugnantes e indigestas até mesmo para aqueles “acostumados” com as cenas de barbárie e violência que infestam as chamadas redes sociais, as imagens e a repercussão do episódio (que, não por acaso, têm sido pouco divulgadas ou minimizadas pela imprensa brasileira) mais uma vez chamaram a atenção para a ocupação do país mais pobre do Ocidente.
Uma ocupação que, sob o hipócrita manto de “caráter humanitário”, só tem significado mais sofrimento, violência e exploração para o povo haitiano. Tudo isto levado a cabo sob o comando do governo brasileiro e, como neste caso de estupro, cercado pela impunidade garantida pela ONU e pelos governantes dos países que compõem a chamada Missão da ONU pela Estabilização do Haiti (Minustah)
Cenas de horror
Apesar das tentativas de amenizar o episódio e das “justificativas” emitidas tanto pela Minustah quanto pelo governo uruguaio, as imagens não deixam dúvidas: o jovem Johnny Jean foi brutalmente violentado no interior da base de Port-Salut, no sul do país, por quatro militares uruguaios.
Se restassem dúvidas, no dia 7 de setembro, o jornal uruguaio El País, publicou um relato detalhado, obtido pelo Escritório Nacional de Defesa dos Direitos Humanos, uma ONG sediada no Haiti que entrevistou o garoto, sua mãe e seu padrasto e, ainda, cita, nominalmente, os militares envolvidos.
De acordo com o relato, o jovem que vive nas redondezas da base, estava voltando de um jogo de futebol (organizado pelo próprio batalhão uruguaio) quando foi levado à força por um dos militares para o interior da base. Lá, pelo menos dois dos marinheiros violentaram o rapaz.
Exatamente em função do ambiente repressivo, Johnny só recebeu atendimento médico em 30 de agosto, um mês após o estupro, quando os médicos do Hospital Comunitário de Referência de Port-Salut, registraram “lacerações na região anal” e recomendaram exames para a possível transmissão de doenças venéreas.
Também, só com o vazamento do vídeo, Johnny veio a público, acompanhando de sua mãe Rose Marie Jean, para contar sua história nas rádios locais. No dia 6, em entrevista à rádio Les Cayes ele contou que quatro soldados realizaram o crime: "Dois deles me seguraram e dois deles me estupraram. Eles me bateram inúmeras vezes" (...) "Depois disso, os soldados tentaram negociar com minha mãe para cobrir o caso, mas ela não quis e avisou as autoridades".
Estupro contra a verdade
Apesar dos depoimentos e das imagens inquestionáveis, o “desconforto” provocado pelo episódio originou uma verdadeira onda de hipocrisia, alimentada por todos os envolvidos na ocupação. A começar pelo governo Dilma, que está se ocultando atrás de um silêncio covarde, passando pelo governo uruguaio e chegando, evidentemente, à própria ONU.
Neste sentido, a posição do governo uruguaio é particularmente asquerosa. Antes de mais nada, cabe lembrar que o país, hoje, compartilha com o Brasil não só a ocupação do Haiti, mas também o fato de ter a sua frente um ex-esquerdista, José Mujica, que presidi o país apoiado nos mesmos setores da burguesia que combateu no passado.
É esta opção que faz com que o Uruguai, por exemplo, mantenha um das maiores tropas no Haiti Ocupado. São cerca de 1.2000 soldados, a maioria da elite da Marinha e da Aeronáutica.
Fiel, também, ao estilo de governos como os de Dilma, Evo Morales e Chaves, depois de sair a público vociferando contra o “absurdo” e prometendo a punição exemplar dos envolvidos, Mujica está tomando providências para “abafar” o caso e manter as coisas exatamente como estão, através de uma manobra que só pode ser considerada como um novo “estupro”, desta vez contra a verdade.
Segundo o jornal uruguaio “El Observador”, o relatório das Forças Armadas, que foi divulgado no Congresso do país, no dia 8 de setembro, descarta que houve qualquer tipo de infração por parte dos militares e concluiu que, "usando a análise do vídeo como evidência, é descartada a possibilidade de intenção de abuso sexual". Além disso, segundo o texto, “o acontecimento não envolveu atos sexuais nem aberrantes" e, ainda, "os marinheiros são responsáveis, apenas, por atos de má conduta".
Se isto não bastasse, como é lamentavelmente comum na maioria dos casos de estupro, o relatório ainda tenta jogar a “culpa” sobre a vítima. Apoiando-se nos depoimentos dos canalhas agressores, o texto alega que os militares foram “obrigados” da “dar uma lição” ao jovem haitiano em função da "linguagem ofensiva que o cidadão local usou contra suas famílias".
E como não há limites para a hipocrisia, o relatório ainda afirma que só "houve uso da força física com o único propósito de fazer uma piada". Uma afirmação tão asquerosa quanto a do presidente Mujica que, em entrevista para o jornal “El Páis”, no dia 7 de setembro, para minimizar os fatos, se utilizou de um argumento digno dos ditadores contra os quais ele lutou no passado: “desde que o mundo e mundo, este tipo de coisas existem (...) entre os soldados, sempre há uma banda indisciplinada, é inevitável”.
Hipocrisia sem limites
O relatório, evidentemente, é parte das muitas manobras que estão sendo orquestradas para livrarem os militares, o governo uruguaio e a própria ONU, de qualquer responsabilidade pelo crime.
Assim que o vídeo veio a público, o governo de Mujica, por exemplo, declarou-se “envergonhado”, afastou o chefe das tropas uruguaias no Haiti e “exigiu” a imediata repatriação dos agressores, algo que foi apresentado como uma demonstração de “mão firme” do governo, mas que, na verdade, não passa de uma tentativa de livrar a cara dos militares.
A ONU impõe que todos os “capacetes azuis” sejam protegidos por uma norma que determina que todo ato criminoso praticado pelas “missões de paz” sejam julgados pelos tribunais de seus respectivos países. Ou seja, eles têm que ser “obrigatoriamente” repatriados. E a ONU, certamente, já conta com o tipo de tratamento que será dado para seus criminosos, uma vez que retornem para seus países de origem, como fica evidente no relatório-fraude do governo uruguaio.
Por isso mesmo, não causa espanto que a porta-voz da Missão da ONU, no Haiti, Eliana Nabaa também tenha colocado a veracidade dos fatos em dúvida, declarado que a entidade tem “tolerância zero” em relação a abusos sexuais e, ainda por cima, se lamentado principalmente porque o episódio “pode impactar centenas, milhares de pessoas que têm feito um trabalho maravilhoso aqui". Ou seja, ela também está mais preocupada com o efeito sobre as tropas do que com os crimes que elas têm cometido contra os haitianos.
Por sua vez, o ex-cantor popular Michel Martelly, que governa o Haiti desde o final de maio, também não se acanhou em tomar seu papel no show de hipocrisias montado para garantir a impunidade em relação a mais este crime: esbravejou pedindo justiça e, na sequência, reassumiu sua posição de gerente de um país ocupado, aguardando a decisão de seus chefes, da Minustah e da ONU, declarando que “aguarda um relatório detalhado estabelecendo os fatos e as circunstâncias exatas”.
No seu papel de comandante da chamada Missão da ONU pela Estabilização do Haiti, a Minustah, o general brasileiro Luiz Ramos emitiu uma nota que caracteriza o episódio como absolutamente excepcional e, numa demonstração de cinismo inegualável, dedica mais espaço para lamentar a morte ou ferimento de quase 40 militares uruguaios, no decorrer dos sete anos de ocupação, do que ao fato de que alguns deles são, reconhecidamente, estupradores.
Por fim, pra não dizer que o governo Dilma ficou apenas no silêncio cúmplice, mas também embarcou na onda de hipocrisia, cabe lembrar que, o ministro da Defesa Celso Amorin, questionado sobre o episódio durante uma visita a Argentina, na segunda dia 5, defendeu que o Brasil precisa “evitar saída desorganizada” e “começar a pensar na saída gradual de suas tropas do Haiti”.
Na quinta, dia 8, já mais sintonizado com a manobra orquestrada pela Minustah, o ministro das Relações Exteriores brasileiro, Antonio Patriota, informou, em Montevidéu, durante a reunião da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), que irá propor ao Conselho de Segurança da ONU a redução do número de soldados da missão de paz no Haiti, mesmo negando que isto tenha qualquer coisa a ver com o estupro.
Promessas que ao mesmo tempo em que tem tudo para cair no vazio, deixam transparecer a crescente preocupação com a insatisfação e indignação do povo haitiano que, de fato, só tem uma saída, para a barbárie em que estão vivendo: promover a saída, “organizada” ou não, das tropas de ocupação de seu país.
Sofrimento sem fim?
As razões para a preocupação de Amorim são reais. Mais distante dos interesses brasileiros no Haiti, o “Jornal de Angola” relatou, no dia 8 de setembro, que, na segunda-feira, 5 de setembro, centenas de pessoas, incluindo políticos locais, organizaram um protesto na frente da base da ONU, exigindo a saída imediata das tropas e o julgamento, em solo haitiano, dos militares estupradores
Nos rostos de muitos manifestantes vistos durante os protestos era impossível não perceber as marcas da indignação e de dor de gente que parece não ver fim para seu próprio sofrimento. São anos de ocupação e a convivência ainda cotidiana com as profundas marcas deixadas pelo terremoto que, há pouco mais de um ano, potencializado pelas péssimas condições de vida e moradia, provocou a morte de centenas de milhares (400 mil, no mínimo).
A percepção de que as forças de ocupação estão trazendo mais prejuízos que benefícios já é antiga, como também não é nenhuma novidade que, além da violência política e da exploração econômica, a violência (particularmente a sexual) tem sido constante na história da Ocupação (leia artigo “Estupro como arma de Ocupação”).
A crescente indignação diante de tudo isto se intensificou no final do ano passado, com o surgimento de uma epidemia de cólera (originada nos banheiros da tropas de ocupação, cujos detritos eram lançados num rio local) que, até o momento, já matou mais de 6.200 pessoas e deixou outras 40 mil doentes.
A circulação do vídeo e a quase certeza da impunidade já fez com que, no decorrer da semana, outros protestos sob a bandeira “Justiça para Johnny” tenham pipocado em outros cantos do país. Unificar estes protestos e inseri-los na luta pela imediata tropas do Haiti é o único caminho para que o sofrido povo do país possa reconquistar sua dignidade, como indivíduos e como povo.
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