quinta-feira, 4 de outubro de 2012

A “nova classe média” desfila pela Avenida Global

Avenida Brasil: metáfora da mobilidade social
Por meses, milhões acompanharam com fervor a meteórica ascensão social de três empregadas domésticas (cuja realidade está a anos-luz dos milhões de mulheres forçadas a se submeter à prisão (quartinhos/senzalas de seus patrões) e uma história de vingança que, iniciada num lixão, transita, no ritmo de reviravoltas mirabolantes por uma tal Avenida Brasil.

Tema mais frequente nas rodas de conversa, as novelas, até mesmo por seu enorme impacto, não deveriam ficar inteiramente fora das reflexões daqueles preocupados em entender e intervir na realidade. Como principais produtos da indústria cultural brasileira, elas têm sempre muito a dizer sobre as formas de controle e domínio em nossa sociedade. Algo que a mais popular delas, no momento, esconde atrás de seu próprio título.

Servindo como via de acesso entre o suburbano bairro do Divino e a nobre Zona Sul do Rio de Janeiro, “Avenida Brasil” é uma metáfora um tanto óbvia da mobilidade social e, particularmente, uma celebração da “nova classe média C” tão alardeada pelo governo Dilma. A mesma idéia que está no centro da história das “três Marias” do periférico Borralho, que saltaram para a riqueza e a fama na novela “Cheias de Charme”.


Por trás e para além da trama, o Capital

Evidentemente, para a maioria do povo, até mesmo pela absoluta falta de outra opção de lazer, novelas não passam de entretenimento e o que mantém milhões grudados na tela são os dramas e bizarrices das tramas e a sedução dos personagens construídos pelos seus ídolos midiáticos.

Não é novidade para ninguém que tudo isto está a serviço da alienação e da distorção da realidade através, por exemplo, das repetidas promessas de final feliz para os “justos” e punição para os malvados ou a resolução de conflitos (de classe, raça etc.) através de enlaces amorosos.

No entanto, isso não é tudo. Como dizem os teóricos, os meios de comunicação e seus produtos são literalmente “habitados pelo poder”. E, no Brasil, as novelas, devido sua enorme popularidade, são as “suítes presidenciais” onde a burguesia se acomoda para transmitir seus valores e potencializar seus lucros.

A publicidade dos produtos, bancos e serviços são a via mais descarada para isto. Algo em que “Avenida Brasil” assumiu proporções absurdas principalmente através das chamadas ações de “merchandising” (aquelas em que o personagem “usa” o produto). Em quatro meses foram nada menos que 74; um recorde bilionário, considerando que cada uma delas envolve cifras próximas a R$ 500 mil.


O indiscreto charme da nova classe C

Parte do bolo publicitário tem a ver com produtos destinados a chamada classe “AB”, que forma 39% do Ibope de “Avenida”. Contudo, é indiscutivelmente a “nova classe média” (responsável por uma fatia de 53% da audiência) o alvo central do mercado e, consequentemente, da novela.

Fenômeno real (inflado pela propaganda governista e, cujo destino pode esbarrar, a qualquer momento, em seu próprio endividamento e na crise internacional), esse setor é composto por cerca de 105 milhões de pessoas (54% da população), sendo que 40 milhões delas aportaram neste patamar nos últimos dez anos.

Em termos concretos, estamos falando de famílias em que cada um dos membros tem renda mensal de miseráveis R$ 291 ou, no máximo, R$ 1.019. Contudo, cujo otimismo revela-se não só na popularidade do governo federal, como também numa sensível elevação nos padrões de consumo.

Foi pensando neles que, por exemplo, há semanas atrás uma das empregadas da mansão do Divino comentou que iria utilizar o aumento que recebera para renovar a cozinha, aproveitando a “redução do IPI”. Relação (mais do que forçada) com a realidade que também foi traçada por Leandra Leal, protagonista de “Cheias de Charme”, ao falar sobre o personagem pobre que virou advogado: “O caso dele retrata bem o que está acontecendo. As pessoas estão com acesso à informação, estudando, se formando. Minha empregada está fazendo cursinho pré-vestibular. As pessoas estão sonhando mais com uma realidade possível” .

Para alimentar o “sonho”, a Globo inverteu até mesmo uma receita de décadas e colocou no centro das histórias gente do povo (empregadas domésticas, jogadores de pequenos times, cabeleireiras, pequenos comerciantes etc.) e, carregando nas tintas, dias atrás chegou a fazer o bilionário (agora falido) e polígamo Cadinho dizer aos berros: “Viva o subúrbio. É lá que tá o futuro”. Algo representado em “Avenida Brasil” também de forma inédita: dos 41 personagens, só nove pertencem ao núcleo da zona sul carioca.

“Gente do povo” que esbanja harmonia e “felicidade” em suas comunidades (cujos cenários receberam um tratamento mais realista que o padrão) e “novos ricos” que mantém seus trejeitos e tradições suburbanas (quase sempre elevadas ao estereótipo), mesmo entupindo suas reluzentes mansões com tudo (e mais um tanto) com o que sonhavam consumir. Isto em aberto contraste com as falcatruas, barracos e decadência que rondam a “ex-elite”.




Vendendo ilusões

Apoiada na qualidade técnica e num elenco pagos com o dinheiro levantado em décadas de falcatruas e agrados recebidos de todos os governos (dos ditadores ao PT), a Globo consegue embrulhar tudo isto num pacote pra lá de sedutor, entregue à população recheado de idéias pra lá de convenientes ao sistema.

Em “Cheias de Charme”, por exemplo, a ascensão da “empreguete” (termo lamentável por si só) negra foi acompanhada pela retirada de sua irmã de uma escola pública (onde ela estava desmotiva por “não aprender” nada). Já em “Avenida Brasil”, ao redor da disputa sem limites ou escrúpulos entre Nina e Carminha repetem-se, cotidianamente, ladainhas como “dinheiro não traz felicidade” ou “somente o trabalho honesto enobrece”. Hipocrisias bem gosto da endinheirada, desonesta e corrupta burguesia brasileira.

Como também não poderiam faltar uns tantos estragos no campo das opressões. Peruas falidas da zona sul e “periguetes” do subúrbio têm em comum a dependência de “seus homens”. Há um gay “quase ex-gay”. E empregadas (algumas circulando por um condomínio com o inacreditável nome de “Casa Grande”) servem de cômicos capachos para suas patroas-sinhás.

Sabemos que, alheios a tudo isso, milhões de espectadores irão acompanhar o desfecho do embate entre Nina e Carminha com interesse muitíssimo superior do que em relação às eleições, à crise europeia ou ao julgamento do Mensalão. Se não contasse com isto, a Globo não investiria cerca de R$ 1 milhão por capítulo de suas novelas.

Enquanto os meios de comunicação estiverem sobre o controle e a serviço dos banqueiros e patrões, esta mesma “novela” irá se repetir. Formas populares de entretenimento sempre existiram e deverão existir. Contudo, para libertar a criatividade e, inclusive, produzir ficção que acrescente algo à humanidade (e não a empanturre com asneiras) também é necessário colocá-las sobre o controle do povo. Do verdadeiro, não daquele que estamos vendo circulando pela Avenida Global.


Retirado do Site do PSTU

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