O assassinato de 34 mineiros na África do Sul pela polícia chocou ativistas e militantes sociais do Brasil. Quais as semelhanças entre este processo e a derrubada da ditadura brasileira e a redemocratização?
A greve dos 28 mil operários mineiros de Marikana e o massacre de 34 deles na África do Sul, pela polícia fortemente armada, juntamente com a reação das autoridades políticas e policiais daquele país, chocaram a todos os ativistas e militantes sociais do Brasil. Particularmente porque sabemos que a população negra daquele país levou a cabo uma revolução que derrubou o sistema de apartheid, regime racista imposto pela minoria branca sul-africana até 1994.
Atualmente, 270 mineiros grevistas correm o risco de serem processados, pois, fiquem impressionados, estão sendo acusados de assassinato pelo massacre dos seus companheiros com base numa lei do apartheid, que responsabiliza todos os participantes num protesto pelas mortes que nele ocorrerem.
Estes mineiros que trabalham com o corpo parcialmente coberto pela água e britadeiras de 25 quilos, sob o risco de desabamentos e esmagamento por rochas, ganham salários de 4.000 rands (US$ 500 ou R$ 1.000). Vale muito a pena ver as semelhanças deste processo com o da derrubada da ditadura brasileira e da redemocratização.
Em primeiro lugar, há uma identidade entre as condições de vida dos trabalhadores do Brasil e da África do Sul. Todos vivem em condições de vida e trabalho subumanas. Lá, vivem em barracos miseráveis nas comunidades ao redor das minas sem condições de saneamento. Estão sempre sujeitos às doenças profissionais características da profissão: tuberculose e silicose que, aliadas aos acidentes, reduzem sua perspectiva de vida.
Aqui, muitos setores operários vivem em condições parecidas, como, por exemplo, os trabalhadores da construção pesada que, muitas vezes, dormem em galpões perto das obras. Os trabalhadores mais pobres, nas grandes cidades, moram em favelas e ocupações. O ritmo de trabalho das empresas brasileiras está gerando uma verdadeira epidemia de doenças ocupacionais.
A diferença salarial entre negros e brancos na África do Sul é estimulada pelas subcontratação, método igual aos das terceiras brasileiras, que se aproveitam para superexplorar os trabalhadores. No ramo petroleiro brasileiro, os trabalhadores terceirizados chegam a 80%, com uma diferença descomunal de salários entre os operários da Petrobras, das petroleiras privadas e, pior ainda, os das terceirizadas. Diga-se de passagem, nos setores terceirizados se concentra a maioria dos operários negros do ramo.
Por outro lado, na África do Sul, o sindicato mais importante da mineração, o NUM (National Union of Mineworkers), fundado em 1982, peça central na luta contra o apartheid e eixo para a construção da central sindical COSATU, desde o fim do apartheid, vem estabelecendo crescentes relações com as empresas mineradoras. Em 2012, abandonou a luta pela nacionalização das minas, bandeira histórica do movimento na África do Sul.
A COSATU chegou a criar uma empresa, em 1995, a Mineworkers’ Investment Trust, que, em 2011, possuía ativos de 2,8 bilhões de rands e que possui investimentos, inclusive, nas empresas de mineração como a Lonmin. Seus dirigentes ficaram milionários, como Cyril Ramaphosa, ex-dirigente máximo do NUM, acionista minoritário da própria Lonmin. Seus dirigentes máximos ganham altos salários pagos pelo sindicato. Seu dirigente máximo Frans Baleni, ganha vinte e cinco vezes mais o que ganha um britador. [1]
Enfim, passam a ser totalmente governistas por suas ligações com o CNA e, consequentemente, totalmente patronais. Qualquer semelhança com a realidade brasileira não é simples coincidência. Por isso, o NUM e a COSATU não apoiam a greve dos mineiros e sua luta nem rompem com o governo que enviou a polícia para massacrar os operários.
A violência policial é outro elemento de contato entre a realidade na África do Sul pós-apartheid e o Brasil pós-ditadura. Lá, a polícia mudou a cor de seus agentes, mas não a sua prática. No Brasil, recordemos do Pinheirinho. A ação policial, mais do que cumprir uma legislação ultrapassada, busca esmagar o movimento social. Lá como aqui, encurralaram os mais despossuídos e os massacraram covardemente.
Os aparatos de repressão mantiveram a mesma lógica de combate à população pobre que existia na época do apartheid. No Brasil, a atividade policial ainda é baseada na ideologia da “segurança nacional”, em que o principal é combater o inimigo interno. Hoje, esse inimigo está representado nos negros, pobres e despossuídos.
Isso ocorre porque a transição negociada por Mandela e o Conselho Nacional Africano (CNA) permitiu que as estruturas de poder econômico ficassem nas mãos das grandes empresas. O CNA aderiu aos preceitos neoliberais favoráveis ao mercado e liderou uma onda privatista que vendeu, por preços rebaixados, as principais empresas do país, demitiu centenas de milhares de empregados públicos, autorizou as grandes empresas sul-africanas a transferirem suas matrizes deslocadas para Londres, ficando ao abrigo da lei do país. [2]
No Brasil, as grandes empresas que financiaram a repressão e a ditadura continuam ganhando muito dinheiro, recebendo subsídios do governo, isenções de imposto e explorando violentamente a classe trabalhadora. A força econômica e política atual desses grupos também é resultante da forma como se procedeu a transição política no Brasil do regime ditatorial para o regime democrático. Com a consolidação destes grandes grupos monopolistas-bancário-financeiros se gabaritaram para manter suas projeções nos governos que seguiram ao fim do regime de exceção, ainda que hoje seu envolvimento em escândalos de corrupção ganhe mais visibilidade.
Mas quando os trabalhadores se insurgem nos canteiros de obras, dentro das fábricas e nas estações metroferroviárias, a cara da ditadura, que sempre defenderam reaparece assim como as práticas impostas naquele tempo. No Brasil como na África do Sul, os regimes ditatoriais, cheios de ódio contra a população mais carente e a classe operária, caíram, mas a estrutura policial e legal continuou a mesma.
Na África do Sul como no Brasil, a retirada do entulho ditatorial é fundamental para que novos massacres não voltem a ocorrer. Lá e aqui.
NOTAS:
1. O massacre de Marikana: um divisor de águas na época pós-apartheid, escrito por Waldo Mermelstein, publicado no Correio Internacional. Dados compilados de Sakhela Buhlungu, acessado em 29/8/2012
2. Idem
Retirado do Site do PSTU
A greve dos 28 mil operários mineiros de Marikana e o massacre de 34 deles na África do Sul, pela polícia fortemente armada, juntamente com a reação das autoridades políticas e policiais daquele país, chocaram a todos os ativistas e militantes sociais do Brasil. Particularmente porque sabemos que a população negra daquele país levou a cabo uma revolução que derrubou o sistema de apartheid, regime racista imposto pela minoria branca sul-africana até 1994.
Atualmente, 270 mineiros grevistas correm o risco de serem processados, pois, fiquem impressionados, estão sendo acusados de assassinato pelo massacre dos seus companheiros com base numa lei do apartheid, que responsabiliza todos os participantes num protesto pelas mortes que nele ocorrerem.
Estes mineiros que trabalham com o corpo parcialmente coberto pela água e britadeiras de 25 quilos, sob o risco de desabamentos e esmagamento por rochas, ganham salários de 4.000 rands (US$ 500 ou R$ 1.000). Vale muito a pena ver as semelhanças deste processo com o da derrubada da ditadura brasileira e da redemocratização.
Em primeiro lugar, há uma identidade entre as condições de vida dos trabalhadores do Brasil e da África do Sul. Todos vivem em condições de vida e trabalho subumanas. Lá, vivem em barracos miseráveis nas comunidades ao redor das minas sem condições de saneamento. Estão sempre sujeitos às doenças profissionais características da profissão: tuberculose e silicose que, aliadas aos acidentes, reduzem sua perspectiva de vida.
Aqui, muitos setores operários vivem em condições parecidas, como, por exemplo, os trabalhadores da construção pesada que, muitas vezes, dormem em galpões perto das obras. Os trabalhadores mais pobres, nas grandes cidades, moram em favelas e ocupações. O ritmo de trabalho das empresas brasileiras está gerando uma verdadeira epidemia de doenças ocupacionais.
A diferença salarial entre negros e brancos na África do Sul é estimulada pelas subcontratação, método igual aos das terceiras brasileiras, que se aproveitam para superexplorar os trabalhadores. No ramo petroleiro brasileiro, os trabalhadores terceirizados chegam a 80%, com uma diferença descomunal de salários entre os operários da Petrobras, das petroleiras privadas e, pior ainda, os das terceirizadas. Diga-se de passagem, nos setores terceirizados se concentra a maioria dos operários negros do ramo.
Por outro lado, na África do Sul, o sindicato mais importante da mineração, o NUM (National Union of Mineworkers), fundado em 1982, peça central na luta contra o apartheid e eixo para a construção da central sindical COSATU, desde o fim do apartheid, vem estabelecendo crescentes relações com as empresas mineradoras. Em 2012, abandonou a luta pela nacionalização das minas, bandeira histórica do movimento na África do Sul.
A COSATU chegou a criar uma empresa, em 1995, a Mineworkers’ Investment Trust, que, em 2011, possuía ativos de 2,8 bilhões de rands e que possui investimentos, inclusive, nas empresas de mineração como a Lonmin. Seus dirigentes ficaram milionários, como Cyril Ramaphosa, ex-dirigente máximo do NUM, acionista minoritário da própria Lonmin. Seus dirigentes máximos ganham altos salários pagos pelo sindicato. Seu dirigente máximo Frans Baleni, ganha vinte e cinco vezes mais o que ganha um britador. [1]
Enfim, passam a ser totalmente governistas por suas ligações com o CNA e, consequentemente, totalmente patronais. Qualquer semelhança com a realidade brasileira não é simples coincidência. Por isso, o NUM e a COSATU não apoiam a greve dos mineiros e sua luta nem rompem com o governo que enviou a polícia para massacrar os operários.
A violência policial é outro elemento de contato entre a realidade na África do Sul pós-apartheid e o Brasil pós-ditadura. Lá, a polícia mudou a cor de seus agentes, mas não a sua prática. No Brasil, recordemos do Pinheirinho. A ação policial, mais do que cumprir uma legislação ultrapassada, busca esmagar o movimento social. Lá como aqui, encurralaram os mais despossuídos e os massacraram covardemente.
Os aparatos de repressão mantiveram a mesma lógica de combate à população pobre que existia na época do apartheid. No Brasil, a atividade policial ainda é baseada na ideologia da “segurança nacional”, em que o principal é combater o inimigo interno. Hoje, esse inimigo está representado nos negros, pobres e despossuídos.
Isso ocorre porque a transição negociada por Mandela e o Conselho Nacional Africano (CNA) permitiu que as estruturas de poder econômico ficassem nas mãos das grandes empresas. O CNA aderiu aos preceitos neoliberais favoráveis ao mercado e liderou uma onda privatista que vendeu, por preços rebaixados, as principais empresas do país, demitiu centenas de milhares de empregados públicos, autorizou as grandes empresas sul-africanas a transferirem suas matrizes deslocadas para Londres, ficando ao abrigo da lei do país. [2]
No Brasil, as grandes empresas que financiaram a repressão e a ditadura continuam ganhando muito dinheiro, recebendo subsídios do governo, isenções de imposto e explorando violentamente a classe trabalhadora. A força econômica e política atual desses grupos também é resultante da forma como se procedeu a transição política no Brasil do regime ditatorial para o regime democrático. Com a consolidação destes grandes grupos monopolistas-bancário-financeiros se gabaritaram para manter suas projeções nos governos que seguiram ao fim do regime de exceção, ainda que hoje seu envolvimento em escândalos de corrupção ganhe mais visibilidade.
Mas quando os trabalhadores se insurgem nos canteiros de obras, dentro das fábricas e nas estações metroferroviárias, a cara da ditadura, que sempre defenderam reaparece assim como as práticas impostas naquele tempo. No Brasil como na África do Sul, os regimes ditatoriais, cheios de ódio contra a população mais carente e a classe operária, caíram, mas a estrutura policial e legal continuou a mesma.
Na África do Sul como no Brasil, a retirada do entulho ditatorial é fundamental para que novos massacres não voltem a ocorrer. Lá e aqui.
NOTAS:
1. O massacre de Marikana: um divisor de águas na época pós-apartheid, escrito por Waldo Mermelstein, publicado no Correio Internacional. Dados compilados de Sakhela Buhlungu, acessado em 29/8/2012
2. Idem
Retirado do Site do PSTU
Nenhum comentário:
Postar um comentário