A Grécia é o primeiro país a iniciar uma nova etapa da crise internacional: o país está falido, o governo de frente popular ataca o funcionalismo público para conter a dívida e a resposta das ruas são as maiores lutas sociais desde o fim da ditadura militar, há 35 anos. Portugal e Espanha também correm o risco de quebrar
A metamorfose
A crise econômica internacional, iniciada há dois anos, está se transformando em crise da dívida. A Grécia é o país que melhor representa esta mudança. Com o início da crise econômica, em 2008, os governos do mundo todo aumentaram seus endividamentos e entregaram cerca de US$ 13 trilhões para os grandes investidores.
No entanto, as faturas vencem, e a periferia da Europa parece não ter condições de pagar as suas dívidas sem recorrer a novos empréstimos. Os países mais endividados, chamados pejorativamente pela imprensa de PIIGS (porcos, em inglês) são Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha.
A Grécia, o caso mais crítico, teve em 2009 um déficit orçamentário de mais de 12% do PIB, com sua dívida pública superando os 300 bilhões de euros (cerca de R$ 750 bilhões). Isso representa mais de 110% do PIB do país.
O velho neoliberalismo
Os países centrais da Zona do Euro (Alemanha e França) receiam que a crise da dívida ultrapasse as fronteiras, aumente a recessão em curso no continente e desestabilize o euro. Com isso, têm pressionado os governos endividados a adotarem as tão famosas políticas de austeridade fiscal, o velho neoliberalismo.
O discurso criado não é nada original: são apontados como responsáveis pela crise da dívida um suposto Estado de Bem-Estar social grego: privilégios do funcionalismo público, altos salários, rombos da previdência, ineficiência do Estado na gestão da saúde e da educação etc., que estrangularia os cofres públicos.
As razões da dívida
Os motivos reais do endividamento do país, no entanto, são outros. A Grécia não escapou das políticas neoliberais que assolaram a Europa a partir da década de 1990, criando um paraíso para o capital financeiro e tornado os serviços públicos cada vez mais precários.
Desde então, a Grécia é um dos países da zona do Euro que cobra menos impostos das empresas e, além disso, é conhecida por possuir uma enorme sonegação fiscal por parte de bancos e corporações. Inversamente, o sistema fiscal é penoso com os trabalhadores, sendo os impostos sobre os salários um dos maiores da Europa, de modo que o orçamento público depende quase exclusivamente da taxação dos trabalhadores assalariados e da classe média-baixa.
Como se não bastasse, as empresas, e até mesmo o governo, simplesmente pararam de contribuir para a previdência social, criando um rombo anual de 10 bilhões de euros. A gota d’água veio com a crise econômica internacional, quando os setores chaves da economia – construção civil, turismo e indústria naval – entraram em recessão.
Para se ter uma ideia da situação, basta uma conta simples. O governo recém-eleito quer cortar do orçamento 25 bilhões de euros durante os próximos três anos para reduzir o déficit orçamentário. No entanto, o governo anterior, do partido da Nova Democracia (direita), em apenas uma noite em fins de 2008, concedeu aos bancos gregos 28 bilhões de euros para salvá-los da crise.
Em síntese, o governo quer que os trabalhadores que sustentam o Estado paguem mais uma vez pela crise: após o desvio de dinheiro público para salvar o grande capital, agora pretende cortar o orçamento estatal e direitos sociais.
Os ataques do governo
A Grécia tem um governo de colaboração de classes (Frente Popular) desde outubro de 2009, quando o partido Pasok ganhou as eleições prometendo se opor à proposta de congelamento de salário realizada pelo então governo da Nova Democracia. Além disso, também prometeu aumento da tributação do grande capital e acabar com as evasões fiscais. No entanto, não foram necessários 100 dias para demonstrar o caráter do novo governo.
Ainda em 2009, o recém-empossado primeiro-ministro George Papandreou anunciou as medidas que teria como objetivo conter a crise e retomar a credibilidade do mercado financeiro: congelamento dos salários do funcionalismo público (abrindo a possibilidade de que isso aconteça no setor privado), ampliação dos trabalhos temporários e contratação de apenas um trabalhador para cada cinco que se aposentarem.
Em relação à previdência, o governo procura realizar um corte de 10% do valor das aposentadorias, aumentar a idade mínima da aposentadoria para 63 anos (atualmente os homens se aposentam com 60 e as mulheres com 55) e substituir o sistema de previdência social para fundos de pensão privados e semiprivados.
Além disso, o governo também planeja redução de 10% dos gastos públicos, principalmente nas áreas sociais, deteriorando ainda mais a saúde e a educação gregas, consideradas umas das piores da zona do Euro. Por fim, planeja-se a privatização dos portos e dos serviços de água e energia.
“Aos bancos, eles dão dinheiro; aos jovens, eles oferecem... balas”
Também não foram necessários mais de 100 dias para começarem os enfretamentos com o novo governo: desde fins de 2009, os trabalhadores do serviço público têm feito manifestações de rua e paralisações. Apesar das traições das lideranças sindicais do Pasok, os atos contrários ao pacote de estabilização têm se intensificado e se tornado massivos.
Há três semanas que trabalhadores do serviço público estão acampados em frente ao parlamento. No último dia 10, realizaram uma massiva greve geral, com adesão de amplos setores, como saúde, educação, transporte aéreo, segurança entre outros.
O setor privado também marcou uma greve geral para o dia 24 de fevereiro, que deverá ser incorporada, mais uma vez, pelo setor público. Pequenos agricultores rurais também têm se enfrentado com o governo. Na semana passada, completou-se um mês que bloqueiam mais de 30 das principais estradas do país, exigindo subsídios para a produção. A resposta do Pasok tem sido reprimir todas as manifestações com muita violência, tornando a situação política ainda mais instável.
É difícil para os trabalhadores gregos derrotar um governo de Frente Popular recém-eleito. Por outro lado, a Grécia sempre foi um país de intensa mobilização social e, atualmente, passa por um período de retomadas das lutas e de fortes enfretamentos de rua.
O medo da burguesia é que se tenha um “dezembro dos trabalhadores”. A expressão faz referência à dezembro de 2008, quando milhares de jovens protagonizaram as maiores manifestações do país desde o fim da ditadura militar. Após a morte pela polícia de um jovem de 16 anos, as manifestações se tornaram massivas, e a polícia não tinha mais condições de contê-las. A cidade passou a ter atos diários, com regiões da cidade tomadas pelos manifestantes e protegidas por barricadas.
Grécia, noite de Natal de 2008
Com o acirramento da crise, todos esperam uma retomada dos grandes enfrentamentos. A greve geral do dia 10 já deu o seu recado: “Nós não pagaremos pela crise!”, diziam os cartazes na manifestação.
Retirado do Site do PSTU
Novo governo enfrenta a retomada da mobilização |
A crise econômica internacional, iniciada há dois anos, está se transformando em crise da dívida. A Grécia é o país que melhor representa esta mudança. Com o início da crise econômica, em 2008, os governos do mundo todo aumentaram seus endividamentos e entregaram cerca de US$ 13 trilhões para os grandes investidores.
No entanto, as faturas vencem, e a periferia da Europa parece não ter condições de pagar as suas dívidas sem recorrer a novos empréstimos. Os países mais endividados, chamados pejorativamente pela imprensa de PIIGS (porcos, em inglês) são Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha.
A Grécia, o caso mais crítico, teve em 2009 um déficit orçamentário de mais de 12% do PIB, com sua dívida pública superando os 300 bilhões de euros (cerca de R$ 750 bilhões). Isso representa mais de 110% do PIB do país.
O velho neoliberalismo
Os países centrais da Zona do Euro (Alemanha e França) receiam que a crise da dívida ultrapasse as fronteiras, aumente a recessão em curso no continente e desestabilize o euro. Com isso, têm pressionado os governos endividados a adotarem as tão famosas políticas de austeridade fiscal, o velho neoliberalismo.
O discurso criado não é nada original: são apontados como responsáveis pela crise da dívida um suposto Estado de Bem-Estar social grego: privilégios do funcionalismo público, altos salários, rombos da previdência, ineficiência do Estado na gestão da saúde e da educação etc., que estrangularia os cofres públicos.
As razões da dívida
Os motivos reais do endividamento do país, no entanto, são outros. A Grécia não escapou das políticas neoliberais que assolaram a Europa a partir da década de 1990, criando um paraíso para o capital financeiro e tornado os serviços públicos cada vez mais precários.
Desde então, a Grécia é um dos países da zona do Euro que cobra menos impostos das empresas e, além disso, é conhecida por possuir uma enorme sonegação fiscal por parte de bancos e corporações. Inversamente, o sistema fiscal é penoso com os trabalhadores, sendo os impostos sobre os salários um dos maiores da Europa, de modo que o orçamento público depende quase exclusivamente da taxação dos trabalhadores assalariados e da classe média-baixa.
Como se não bastasse, as empresas, e até mesmo o governo, simplesmente pararam de contribuir para a previdência social, criando um rombo anual de 10 bilhões de euros. A gota d’água veio com a crise econômica internacional, quando os setores chaves da economia – construção civil, turismo e indústria naval – entraram em recessão.
Para se ter uma ideia da situação, basta uma conta simples. O governo recém-eleito quer cortar do orçamento 25 bilhões de euros durante os próximos três anos para reduzir o déficit orçamentário. No entanto, o governo anterior, do partido da Nova Democracia (direita), em apenas uma noite em fins de 2008, concedeu aos bancos gregos 28 bilhões de euros para salvá-los da crise.
Em síntese, o governo quer que os trabalhadores que sustentam o Estado paguem mais uma vez pela crise: após o desvio de dinheiro público para salvar o grande capital, agora pretende cortar o orçamento estatal e direitos sociais.
Os ataques do governo
A Grécia tem um governo de colaboração de classes (Frente Popular) desde outubro de 2009, quando o partido Pasok ganhou as eleições prometendo se opor à proposta de congelamento de salário realizada pelo então governo da Nova Democracia. Além disso, também prometeu aumento da tributação do grande capital e acabar com as evasões fiscais. No entanto, não foram necessários 100 dias para demonstrar o caráter do novo governo.
Ainda em 2009, o recém-empossado primeiro-ministro George Papandreou anunciou as medidas que teria como objetivo conter a crise e retomar a credibilidade do mercado financeiro: congelamento dos salários do funcionalismo público (abrindo a possibilidade de que isso aconteça no setor privado), ampliação dos trabalhos temporários e contratação de apenas um trabalhador para cada cinco que se aposentarem.
Em relação à previdência, o governo procura realizar um corte de 10% do valor das aposentadorias, aumentar a idade mínima da aposentadoria para 63 anos (atualmente os homens se aposentam com 60 e as mulheres com 55) e substituir o sistema de previdência social para fundos de pensão privados e semiprivados.
Além disso, o governo também planeja redução de 10% dos gastos públicos, principalmente nas áreas sociais, deteriorando ainda mais a saúde e a educação gregas, consideradas umas das piores da zona do Euro. Por fim, planeja-se a privatização dos portos e dos serviços de água e energia.
“Aos bancos, eles dão dinheiro; aos jovens, eles oferecem... balas”
Também não foram necessários mais de 100 dias para começarem os enfretamentos com o novo governo: desde fins de 2009, os trabalhadores do serviço público têm feito manifestações de rua e paralisações. Apesar das traições das lideranças sindicais do Pasok, os atos contrários ao pacote de estabilização têm se intensificado e se tornado massivos.
Há três semanas que trabalhadores do serviço público estão acampados em frente ao parlamento. No último dia 10, realizaram uma massiva greve geral, com adesão de amplos setores, como saúde, educação, transporte aéreo, segurança entre outros.
O setor privado também marcou uma greve geral para o dia 24 de fevereiro, que deverá ser incorporada, mais uma vez, pelo setor público. Pequenos agricultores rurais também têm se enfrentado com o governo. Na semana passada, completou-se um mês que bloqueiam mais de 30 das principais estradas do país, exigindo subsídios para a produção. A resposta do Pasok tem sido reprimir todas as manifestações com muita violência, tornando a situação política ainda mais instável.
É difícil para os trabalhadores gregos derrotar um governo de Frente Popular recém-eleito. Por outro lado, a Grécia sempre foi um país de intensa mobilização social e, atualmente, passa por um período de retomadas das lutas e de fortes enfretamentos de rua.
O medo da burguesia é que se tenha um “dezembro dos trabalhadores”. A expressão faz referência à dezembro de 2008, quando milhares de jovens protagonizaram as maiores manifestações do país desde o fim da ditadura militar. Após a morte pela polícia de um jovem de 16 anos, as manifestações se tornaram massivas, e a polícia não tinha mais condições de contê-las. A cidade passou a ter atos diários, com regiões da cidade tomadas pelos manifestantes e protegidas por barricadas.
Grécia, noite de Natal de 2008
Com o acirramento da crise, todos esperam uma retomada dos grandes enfrentamentos. A greve geral do dia 10 já deu o seu recado: “Nós não pagaremos pela crise!”, diziam os cartazes na manifestação.
Retirado do Site do PSTU
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